No Mundo do Rock

Netunos volta à cena em ‘Alto-Mar’

Depois de três anos envolvido na gravação do disco de estréia, banda carioca de surf music reaparece com novo guitarrista. Fotos: Pedro Carrilho/Divulgação.

Carlos Alexandre, Cid, Dimitri e Tito

Carlos Alexandre, Cid, Dimitri e Tito

Você lembra do Netunos? Sim, a banda de surf music do Rio que foi destaque até meados de 2003, e que andava meio sumida. Pois bem, depois de um longo processo de gravação do disco e estréia, os caras estão de volta. “Alto-Mar” é nome do rebento que tem como principal objetivo trazer a banda à ordem do dia. Outra novidade? Apesar de ter gravado todo o material do disco, o guitarrista JP Cuenca decidiu priorizar seu talento como escritor e deu lugar a Dimitri, que agora divide as seis cordas com o também vocalista Carlos Alexandre. Nas baquetas e no baixo os mesmos Cid e Tito, respectivamente.

A formação do Netunos data de 1999, e antes de “Alto-Mar” eles lançaram duas demos, “1961” e “Netunos”, esta produzida por Toni Garrido. Em 2003 a banda, que sempre teve o hábito e tocar muito, foi destaque Humaitá Pra Peixe, e de lá para cá é que a coisa empacou um pouco para o quarteto que não abre mão das camisas floridas e dos colares havaianos. Isso porque o disco teimava em não ficar pronto.

Mais que a surf music de raiz instrumental, o Netunos quer mesmo é reviver os bons tempos das festinhas e do rock’n’roll. Nesta entrevista com Carlos Alexandre, ele nos explica o porquê da demora para o disco sair, comenta a troca de guitarristas e o que o quarteto espera daqui pra frente. Surf’s up!

Rock em Geral: Dois mil e três parecia ser um ano decisivo para o Netunos. O que aconteceu de lá para cá que vocês ficaram, digamos, “fora de cena”?

Carlos Alexandre: O “decisivo” certamente se referia à gravação do disco, uma etapa natural, um próximo passo necessário. Ficamos quase que fora de cena porque tentamos priorizar shows de qualidade melhor - palco, condições para a banda e público, etc. - à quantidade. Olhando pra trás, vemos que não foi uma decisão muito acertada, principalmente porque no Rio são muito poucos os lugares de médio porte que contemplam essa escolha. Hoje, com o disco lançado, queremos não apenas voltar como superar os 28, 30 shows por ano. Esse período de poucas apresentações, no que depender do Netunos, definitivamente acabou.

RG: Por que o disco demorou tanto tempo para ficar pronto? Os planos iniciais eram para que ele saísse em 2003…

Carlos Alexandre: Sim, era essa a vontade e o desejo de todos. Só que calhamos de ter como produtor um cara que é guitarrista do Lenine, músico que faz muito sucesso lá fora, e as viagens são constantes e por vezes duravam meses… Depois do período de gravação com o Junior Tostói fomos mixar com o Luciano Grossman, baterista do Leela. E pouco tempo depois de termos combinado as mixagens o Leela venceu o VMB como banda revelação, os shows deles se intensificaram… Foram dificuldades de tempo, mas que foram superadas, sobretudo por termos chegado a um resultado que satisfez a todos nós.

RG: Vocês chegaram a criar uma espécie de fã clube. Essa empreitada deu certo? Como funcionava?

Carlos Alexandre: Infelizmente na época não deu certo como gostaríamos - o nome era “Turma da Praia” e consistia num grupo de fãs que se comprometia a divulgar a banda e em troca ganhava mimos como discos e ingressos para os espetáculos nos quais ajudasse a difundir, como forma de retribuição pelo carinho e esforço. Não sei ainda em que momento a “Turma” se perdeu; mas o certo é que agora, com o disco lançado e com o apoio de ferramentas como o orkut e outras tantas podemos aferir com alguma precisão a popularidade da banda, e assim as chances de um “street team” do Netunos vingar ou não. Mas garanto que a vontade é que, com o volume de shows aumentando pra valer e o público correspondendo, certamente vamos pensar num jeito de relançar a “Turma da Praia”.

RG: Vocês tiveram uma demo produzida pelo Toni Garrido. Por que não voltaram a trabalhar com ele no disco?

Carlos Alexandre: O Toni deixou claro que aquela era a força que ele queria e podia dar à banda. Isso porque ele é um cara muito ocupado e que foi extremamente generoso conosco. E a época do trabalho pesado de “Alto-Mar” foi também um período de muito trabalho para ele: o Cidade Negra estava começando a gravar o disco acústico, ele estava apresentando o “Fama”, na Rede Globo, tinha também o projeto Música Preta Brasileira e os shows solo que fazia e ainda faz de vez em quando. Enfim, nem chegamos a pensar no Toni como parte do projeto devido a esse volume todo de trabalho que apareceu para ele.

RG: Fale sobre a gravação do disco, como vocês escolheram o Júnior Tostói para a produção?

Carlos Alexandre: Escolhemos porque fomos uma vez tocar no Néctar, em Vargem Grande, junto com o Mim, banda da ex-esposa dele, a Eva Leiz; e ao fim do nosso show ele veio falar com a gente, dizendo que gostou bastante da banda. Daí pra frente os contatos se intensificaram, e por admirarmos o músico e termos criado uma amizade nos pareceu bastante interessante e natural que o chamássemos para produzir o disco.

RG: No que o Júnior mais contribuiu com a banda?

Carlos Alexandre: Junior é um cara inquieto no melhor sentido do termo. Em todo trabalho que desenvolve, ama experimentar. Sabíamos o que queríamos com todas as músicas do disco, mas também tínhamos certeza de que o que ele viesse a sugerir seria algo bastante interessante e desafiador, e não deu outra. Chegávamos para gravar com uma idéia “x”, ele vinha com uma “y” e juntos chegávamos a uma terceira superior às anteriores. Isso sem contar nas possibilidades de criação de seus equipamentos - para quem gosta de brincar com sons, efeitos e texturas o estúdio do cara é como uma Disneylândia para uma criança.

RG: E a Rastropop, como vocês chegaram até a ela? Receberam outros convites ou tentaram outras gravadoras antes?

Carlos Alexandre: Tentamos outras gravadoras mas nada foi além de um primeiro contato. E tempos antes de “Alto-Mar” a Rastropop tinha mostrado um interesse pelo Netunos. Quando estávamos fazendo a triagem dos selos para os quais mostraríamos a pré-mix do disco (que continha três faixas) lembramos da Rastro. Eles receberam, ouviram, foram muito receptivos, nos chamaram para conversar, o entendimento fluiu e a parceria nasceu.

Finalmente lançamos um disco que demoramos dois anos e meio para preparar, e agora estamos prontos e cheios de vontade de mostrar o seu repertório para todo o País

Finalmente lançamos um disco que demoramos dois anos e meio para preparar, e agora estamos prontos e cheios de vontade de mostrar o seu repertório para todo o País

RG: O que você esperam, em termos de mídia e divulgação, da Rastropop?

Carlos Alexandre: Esperamos o melhor que um selo de pequeno porte e muita disposição pode nos oferecer, e de fato está oferecendo. Se há a falta de dinheiro, sobra vontade de vencer; se não tem um marketing maciço beneficiado pela verba, há a criatividade; se não tem um império conspirando a nosso favor, tem uma sala onde somos sempre bem-vindos e discutimos idéias com os donos do selo, sendo sempre ouvidos e respeitados. Por isso temos a certeza de que eles farão tudo o que tiver ao alcance deles pra ver o sucesso dos Netunos; e da nossa parte a recíproca é totalmente real.

RG: Vocês pretendem fazer um videoclipe para a música de trabalho? Aliás, qual é ela?

Carlos Alexandre: Faremos sim, e deve ficar a cargo do mesmo Sérgio Yamasaki (Conspiração Filmes) que fez o democlipe de “Bem-Vindo Ao Clube”. E ainda estamos decidindo qual será a música contemplada, se “Nosso Dia” ou “Daniela”.

RG: As músicas do disco são basicamente as do repertório de 2003 para trás, ou há algo novo, composto durante as gravações?

Carlos Alexandre: “Nosso Dia” e “A Mais Bela Tarde” são músicas compostas praticamente à véspera das gravações. São elas as maiores novidades. Além delas o repertório é composto por músicas mais velhas e que julgamos válido ter seu registro definitivo e mais bem-acabado num disco.

RG: Nesse intervalo de três anos vocês fizeram músicas novas…

Carlos Alexandre: Algumas delas são contemporâneas de outras de “Alto-Mar” - como “Uma Vez Pra Nunca Mais” e “Mary Ann”, que deverão integrar o segundo disco; mas outras são realmente muito novas, apontando novos caminhos e revelando influências bastante fortes atualmente como Supergrass e Sondre Lerche.

RG: Em que ponto dessa história o JP Cuenca deixou a banda, e por que isso aconteceu?

Carlos Alexandre: Aconteceu porque o JP amadureceu tanto o seu lado escritor - em qualidade e êxito - que isso culminou num convite para uma bolsa de estudos de roteiro na Europa. Uma vez que hoje é um cara casado, com casa pra manter, ele não podia dizer não; mas todos víamos ao mesmo tempo que a banda tinha que seguir seu caminho. Foi uma despedida harmoniosa por ambas as partes entenderem que tratavam-se de destinos distintos porém condizentes com o momento de todos.

RG: Como vocês escolheram o Dimitri pra substituir o Cuenca, e como foi a adaptação dele no Netunos?

Carlos Alexandre: Dimitri é um cara experiente. Concilia as atividades do Netunos com as de professor de guitarra e violão; além disso já foi músico de estúdio e um típico “gigueiro”, tocando com bandas de estilos variadíssimos. Mas a escolha aconteceu também porque nos conhecíamos de tanto nos esbarrarmos na Casa da Matriz; e de algum jeito ele ficou sabendo que os Netunos procuravam guitarrista. Marcamos um ensaio, ele foi bem, e rapidamente se adaptou ao nosso estilo e aos poucos está imprimindo o dele, o que é também muito importante.

RG: Como você vê a carreira da banda de agora em diante? Vocês vão voltar a fazer shows como faziam até 2003?

Carlos Alexandre: Queremos muito. Se dependesse de nós tocaríamos todo santo dia. Finalmente lançamos um disco que demoramos dois anos e meio para preparar, e agora estamos prontos e cheios de vontade de mostrar o seu repertório para todo o País.

RG: Como tem sido os shows de lançamento? O público “das antigas” tem comparecido ou esse hiato foi muito grande?

Carlos Alexandre: Tem, sim, felizmente as pessoas parecem não ter perdido a curiosidade em torno do nosso trabalho. Aliás, muito pelo contrário: o disco parece atrair a atenção de mais e mais pessoas. Que bom que isso está acontecendo. Ficamos muito contentes porque é esse o nosso objetivo: mostrar a muitos do que somos capazes de fazer.

RG: O som do Netunos foi formatado desde cedo para ser esse? Vocês se juntaram com objetivo de fazer surf music com letras e sotaque pop?

Carlos Alexandre: A banda que mais me inspirou a fundar os Netunos foi o Beach Boys. Como gosto de escrever canções, não podia fazer um grupo cujas músicas não tivessem letra - ao menos não em sua maioria. Por outro lado, Dick Dale e Ventures também foram fortes inspirações, e queria algo forte, marcante na parte instrumental. De certa forma, ao longo desses oito anos de banda amadurecemos o jeito de trabalhar essas influências ao mesmo tempo em que nos desenvolvemos enquanto criadores e realizadores em estilo e personalidade musical. Isso tudo somado aos elementos de coisas novas que estamos sempre descobrindo e gostando dá o resultado conhecido por Netunos.

RG: Como vocês fazem para atualizar um som essencialmente “retrô”, com um certo up grade tecnológico e (até) moderno?

Carlos Alexandre: Apesar de amarmos os clichês da surf music que a fundamentaram e a fizeram crescer como gênero, em nenhum momento nós sentimos presos aos cânones e padrões dela. Primeiro porque jamais conseguiremos chegar ao nível de excelência dos Beach Boys, por exemplo; e em segundo lugar porque a grande lição deixada pelos maiores gênios da surf music - Brian Wilson e Dick Dale - foi a de justamente não repetir o que já foi feito. Por isso entendemos que a surf music não é um gênero morto e para ser seguido pelo Netunos de forma ortodoxa. Tão óbvio que amamos cultuar a guitarra reverberada, os jogos de vocais, os elementos que a notabilizaram, é o fato de que gostamos também de criar, experimentar, de olhar para frente. E nem por isso deixamos de fazer surf music. O que se ouve no nosso disco ou num show do Netunos é o nosso jeito de fazer surf music - e garantimos que sim, isso é surf music.

RG: Em geral surf music ou é instrumental ou “pede” letras de mar, praia, garotas, festas, etc. É por aí mesmo ou você vê outras alternativas?

Carlos Alexandre: Amamos músicas instrumentais e particularmente falando me orgulho muito das canções de mar/carros/garotas que fiz e ainda faço; mas de fato nada me prende a ambas. Não quero e não posso me prender a padrões, nunca.

RG: Fale sobre a capa do disco, em que aparece a boca de um tubarão, algo menos “surf”, digamos, que o que de hábito bandas de surf music usam - em geral praias, garotas, etc:

O que se ouve no nosso disco ou num show do Netunos é o nosso jeito de fazer surf music - e garantimos que sim, isso é surf music

O que se ouve no nosso disco ou num show do Netunos é o nosso jeito de fazer surf music - e garantimos que sim, isso é surf music

Carlos Alexandre: Essa foi uma opção de total autoria do Christiano Menezes, o artista que assina a parte gráfica do disco. Engraçado que geralmente os discos de surf music têm capas coloridas, fontes retrô altamente chamativas, fotos e ilustrações sessentistas, e a estética de capa e encarte “Alto-Mar” é inegavelmente de mar, mas nada feliz. Costumo brincar dizendo que o Netunos é uma banda de letras trágicas embrulhadas em melodias e arranjos felizes e que muitas vezes atenuam quase que totalmente a obscuridade de várias letras - tratamos de morte em “Praia do Diabo”, abandono em “Daniela”. E não é raro alguém chegar para mim e falar: “Pô, cara, depois de anos é que vi a tristeza de ‘Praia do Diabo’! Caramba, coitada da mulher. E eu nem tinha me tocado ainda!”. Vai ver foi esse o caminho do Christiano ao conceber a arte do disco. De qualquer forma, adoramos o resultado.

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