Rock é Rock Mesmo

Fim da rádio Cidade reflete a decadência das rádios

Foi-se o tempo em que alguém chorava pelo fim de uma rádio. A rádio Cidade saiu do dial, e daí? Daí, nada.

Meus amigos, às vezes dá uma vontade de meter a colher num assunto, soltar o verbo, dar uma ou outra opinião. Às vezes não. Mas aí vem alguém e fala. Provoca. Fala bobagem, quer ouvir uma contrapartida de minha parte. Eu, é verdade, sempre tenho uma. Não sou uma metamorfose ambulante, e, portanto, tenho sempre uma opinião formada sobre tudo. Ou, por outra, sempre invento o que falar. É batata.

A rádio Cidade acabou. - Até que enfim, já foi tarde, disse um conhecido chegado ao rock e que não suportava o roque da Cidade. – Sacanagem, lamentou um conhecido emo, à distância. E eu, cá com os meus botões a pensar: e daí? Se eu fosse o Cléber Machado diria que tudo nesse mundo tem vantagens e desvantagens. Por exemplo. A partir de agora, não vamos ter que aturar aqueles locutores malas que aparecem um pouco antes de um show começar pra fazer uma propaganda inóspita da rádio onde eles não têm a mínima relevância. Uma vantagem e tanto. Desvantagem? Uma rádio que toque roque, mesmo comprometida com o jabá, nunca se comparará com uma rádio rock, mas é, de longe, melhor do que nada.

A rádio Cidade teve sua fatia de revolução no mercado, isso lá pelo final dos anos 70. Naquela época, acreditem, as rádios FMs eram “sérias”, a locução era de uma correção quase literária, não havia gírias, brincadeiras, não havia uma linguagem pop, voltada para o jovem, enfim. Remanescentes dessa época fizeram grande sucesso no início dos anos 80, como Eládio Sandoval, que ainda se destacaria na TV com o seu “Contra-regra Maluco”. Logo, entretanto, a partir de 82, e até 85, 86, a Cidade foi atropelada pelo rock e pela revolução do rock chamada Fluminense FM, que subverteu a ordem estabelecida tocando só rock de verdade, apresentado à mil por hora por vozes femininas e de atitude. Atitude Rock. A Cidade viu a Flu-FM não só colar no Ibope, mas patrocinar uma revolução comportamental que marcou em definitivo a geração anos 80. Depois, fez de tudo para copiar o novo paradigma – importando locutoras como Monika Venerábile - e até teve certo sucesso, já que nunca perdeu a pose e a pompa, ante a ousadia da Maldita.

O tempo passou e a Maldita tropeçou nas próprias pernas até acabar de vez, em setembro de 94, numa coincidência mórbida com a posição da rádio no dial, os 94,9. A Cidade, por sua vez, nunca soube aproveitar a lacuna deixada, e se perdia dia após dia, até que a tal da Rede Rock, do grupo da 89 FM, de São Paulo, açambarcou a rádio e foi com ela até seus últimos dias, no mês passado. Foi tarde ou vai fazer falta?

O problema é que a rádio FM, como foi concebida, já não existe mais há anos. A democratização forçada da comunicação em todo o mundo desencadeou uma crise sem precedentes na indústria fonográfica, e, de tabela, nocauteou as rádios viciadas e que sempre viveram as custas do recebimento do jabá. Tal como as gravadoras, que não conseguem sair do buraco em que se meteram - não aprendem de jeito nenhum a se adequar aos novos tempos, as rádios já eram. Não que não existam os que querem ouvi-la, isso é o que mais tem. Mas é que a gravadoras não agüentam mais – nem elas – a extorsão do jabá, e hoje pagam quantias ínfimas, se comparadas aos bons tempos dos anos 80, em que pese o consumo galopante do Plano Cruzado. Cada vez menos artistas, cada vez menos jabá, cada vez menos rádios. Simplesmente porque as rádios não querem largar o osso e serem livres, como, aliás, manda a lei da concessão de canais de comunicação, só que sem nenhum acompanhamento pelos órgãos governamentais.

Por isso o fim da Rádio Cidade é o reflexo do fim da rádio em si. E, simbolicamente, deveria servir de marco para uma mudança geral no lidar com esse tipo de mídia, numa época em que as mídias mais novas são a coqueluche para todos em todo o mundo. Não há o que se lamentar, mesmo porque essas rádios têm o mesmo formato, só mudam ligeiramente a programação em si. Atitude, ousadia e posicionamento de vanguarda tinha mesmo a Maldita. E por isso mesmo seu final, ainda que passasse por sucessivas fases de penúria, foi motivo de um reclame geral que envolveu jornais, revistas e toda a população do Rio de Janeiro e adjacências. Morria ali uma idéia. Agora é só uma rádio que sai para entrar outra. Nada demais.

Não fico muito à vontade ara falar sobre rádios, na verdade. Há dez anos moro debaixo do Cristo e aqui praticamente não pega rádio FM. E eu, também, nunca quis comprar uma antena de alto alcance, desinteressado que estou por elas. Tenho a impressão que não perdi nada, ouvindo pedaços de programação aleatoriamente aqui e acolá. Em nenhum momento fiquei a fim de ouvir rádio nenhuma, muito embora trabalhe com música e ouça música 24 horas por dia. Reconheço, entretanto, que só se “faz” um artista de sucesso, ainda, passando por essas rádios comerciais. Porque só assim é que todo mundo conhece a música. Falo de todo mundo, não dos classemedianos endividados e suas internetes maravilhosas.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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