O Homem Baile

Santana vive passado, presente e futuro na Apoteose

Guitarrista mexicano consegue misturar repertório do show com rara medida e músicas agradam a fãs de todas as idades. Fotos: Alex Ferro/Ag. Pedra Viva/Divulgação

O público que na véspera havia comparecido em São Paulo não era nada animador: só 15 mil pessoas estiveram no show do guitarrista do outro lado da Dutra. Aqui, entretanto, cerca de 25 mil deram as caras – será que a guitarra latina de Santana tem mais a ver com os ares praianos? Para uma imensa Praça da Apoteose, essa quantia de gente pode se esparramar sem maiores problemas, num prenúncio de que teríamos uma noite e tanto. E que noite.

Santana fundiu a fase clássica com a atual

Santana fundiu a fase clássica com a atual

Existem pelo menos dois Carlos Santana. Um é aquele que arrasou no Woodstock, lançou álbuns geniais (com ênfase instrumental) e durante muitos anos foi ignorado pelo mercado americano, talvez até por certo preconceito com os latinos que vivem lá. O outro é o que, em 1999, fez o álbum “Supernatural” com uma pá de convidados e emplacou vários hits nas paradas, resultando num grandioso sucesso em todo o mundo. Tanto que dali em diante voltou a repetir a fórmula nos discos seguintes. Não foi, no entanto, “Soul Sacrifice” (a do Woodstock) nem “Smooth”, o super hit da segunda fase que abriu o show, mas “Jingo”, música empolgante que agradou a gregos e troianos como poucas no show – no fundo, o telão de alta definição à Stones mostrava cenas de crianças pobres em países de terceiro mundo. Em certa parte do show, Santana disse: “eu e você juntos somos o oposto de George Bush”, saindo um pouco da espiritualidade mala que o acompanha. Em “Victory Is Won”, dedicada aos “irmãos da favela”, um show de bateria e percussão e, lá pelo final da música - vale dizer que todas são longas - Carlos Santana, quem diria, incorporou um Sonic Youth tirando ruídos com uma placa de vidro abrasando as cordas junto ao corpo da guitarra. Pena não ter praticamente nenhum indie por lá.

Guitarrista sugeriu união contra George Bush

Guitarrista sugeriu união contra George Bush

Os percursionistas – são dois – fazem um show à parte. Um deles parece um samurai segurança de casa de banhos chinesa, mas muito provavelmente é da América Latina, ou não teria disposição para fazer que fez. Em “Soul Sacrifice”, a primeira do bis, eles solam com uma disposição e variação de timbres impressionantes. Mas não seria justo destacar os rapazes sem verificar que a banda de Carlos Santana é algo de outro mundo. O tecladista, cercado por instrumentos com teclas e suas variantes, consegue marcar presença em meio às duas guitarras – Santana tem um coadjuvante. Em “Incident At Neshabur”, um clássico, ele quase ofusca o patrão. Em “Africa Bamba” quem detona é o trombonista, num solo de arrepiar pelo bom gosto e pelo fôlego do rapaz. O baixista, um garoto novo, estala as cordas e cita até “Romaria”, fazendo a alegria do lado brega da platéia. Ele começa solando junto com o baterista Chester Thompson, que continua sozinho por cerca de 12 minutos. O detalhe é que ele é um senhor de físico avantajado, mas não deixa a desejar com seus bumbos violentos e ininterruptos, muito menos com as boas variações na parte de cima da bateria. No final do solo, aplaudidíssimo, ele é substituído por outro senhor e só volta para o bis. Mais que um guitar hero, Santana é uma banda espetacular, isso, sim.

'Aquarela Brasileira' foi citada no show

'Aquarela Brasileira' foi citada no show

Os que preferem o lado mais pop se miram no Santana pós “Smooth”, e devem ter percebido as qualidades do vocalista. A pena é que, nas músicas em que ele canta, muitas vezes a banda cai no lugar comum de um desses grupos latinos bregas que nos últimos tempos têm aparecido seguidas vezes em Hollywood. É o preço do sucesso, e seria muito ruim se Santana enfatizasse isso no repertório, embora músicas como “Corazón Espinado” e “Maria Maria” até que soam bem. Junto com outras clássicas, mas que têm um “quê” de bolero (“Samba Pa Ti”, com citação de “Aquarela Brasileira”, e “Oye Como Va”), elas fizeram a ponte para o Santana de várias épocas, num repertório realmente precioso.

Como Satriani, Santana faz a guitarra falar

Como Satriani, Santana faz a guitarra falar

Entre aquelas em que Santana é mais guitarrista que nunca, se destacaram a inacreditável “Batuka”, emendada em “No One To Depend On”, como na versão original, “Black Magic Woman” e a já citada “Incident At Neshabur”. Entre o fim do show e o bis, em “Oye Como Va”, Santana e banda fazem uma verdadeira jam session, citando Yes, Dee-Lite, Cream, Jorge Ben e outras barbadas. Além de toda a bagagem e o reconhecimento de Santana, o guitarrista mostra uma faceta que nem sempre lhe é atribuída. Fazendo a guitarra “falar”, isto é, tocando o refrão de certas músicas nas cordas, ele antecede artistas contemporâneos como Joe Satriani, por exemplo, ainda que o elemento latino de um e o técnico de outro pouco tenham em comum.

Duas horas e meia e 18 músicas depois, Santana e sua banda deixam a Praça da Apoteose extasiados, assim como o púbico. Ele, que disse que todas as religiões são uma só, resume em sua música, em especial neste show, toda a pluralidade da cultura mundial. Obrigado, Santana.

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