Fazendo História

Por que Autoramas e Los Hermanos são a nova sensação do rock nacional

Publicado na edição número 22 da Rock Press, de novembro de 1999.

Não se fala outra coisa no meio do rock nos últimos tempos: onde tocam essas duas bandas público é o que não falta. Nos points, nos bares, nos baixos, quase todos os lugares, quando o assunto é Los Hermanos e Autoramas, o resultado é a unanimidade: todo mundo gosta.

O Los Hermanos é formado por jovens músicos que mal passaram dos vinte anos e já mostram um vasto conhecimento musical, a ponto de costurar uma colcha de retalhos indefinível. Quem diz que o grupo mistura samba-canção com hardcore se engana, porque o conceito não esgota todas as possibilidades exploradas: ska, cantigas de roda, ritmos caribenhos, jazz, rock, pop; a cada audição do primeiro álbum, novas referências vêm à tona. O resultado é um trabalho sem precedentes. Quem comanda as ações é Marcelo Camelo, vocalista, guitarrista e autor da maioria das letras, poesias boêmias cuidadosamente escritas.

Já o Autoramas é formado por músicos experientes de bandas que já tiveram um certo reconhecimento dentro do rock dos anos 90, como o Planet Hemp e Little Quail. A cada música que se ouve do grupo, o que vem à mente são estilos de épocas distintas, porém com pontos em comum: é dançante, pop no sentido da empatia com o público e carrega toda a energia intrínseca ao rock, com guitarras erguidas e braços giratórios. A mistura pode remeter tanto a new wave dos anos 80 quanto à hot rod music (uma variante da surf music, cuja temática são os carrões envenenados, ao invés do surf) dos anos 60. Quem comanda as coisas e sabe muito bem o que quer é Gabriel Thomaz, transbordando toda a carga contida desde o fim do Little Quail.

Os dois grupos, com cerca de dois anos de estrada cada, já fizeram vários shows juntos, transformando o encontro em eventos imperdíveis para os (já) numerosos fãs. Mas por que todo mundo fala bem, todo mundo gosta e quer vê-los? Por que elas se destacam entre as várias (e boas) bandas que surgiram nesse final dos anos 90?

A resposta não é difícil. Porque fazem rock, simples, verdadeiro e sem firulas. Têm um trabalho altamente criativo e original, ainda que se valham da mistura de elementos já conhecidos. Porque são diferentes, não seguem tendências que estejam em voga e não se submetem ao lugar comum imposto pelo mercado. Porque não se entregaram a estilos apontados como novos ou de vanguarda pela crítica, como o techno e adjacências. Porque buscam, enfim, a saída pa o rock dentro do próprio rock.

Por isso quem gosta de rock pode ficar tranqüilo. Com Autoramas e Los Hermanos sabemos muito bem para onde o rock tem que ir. Só não vê o caminho quem não quer.

Em tempo: antes do fechamento desta edição o Autoramas foi contratado pelo selo Astronauta, distribuído nacionalmente pela Universal.

LOS HERMANOS
(Abril Music)
Alquimia sonora se confirma no álbum de estréia e credencia grupo ao sucesso

Foi ouvindo o rock latino do Acabou La Tequila que Marcelo Camelo se aproximou dos ritmos brasileiros esquecidos pela história, como a marchinha de Carnaval, as cantigas de roda e o samba-canção. Na época, Camelo começava a formar o Los Hermanos com a intenção de investir nas influências latinas também, o que acabou não rolando na formação consolidada há pouco mais de um ano, que conta com Rodrigo Barba (bateria), Bruno Medina (teclados), Rodrigo Amarante (voz e flauta transversa), Patrick Laplan (baixo), além do próprio Camelo (guitarra e voz).

Mas o grupo acrescentou doses de ska, hardcore fácil e uma temática rebuscada, em cima das idas e vindas de casos de amor mal resolvidos, com a utilização de termos coloquiais e dramáticos, a princípio absolutamente incompatíveis com a energética música do grupo. E música de qualidade é a única coisa incontestável nessa verdadeira alquimia sonora.

No álbum de estréia, o Los Hermanos despeja toda a sua lamúria em catorze canções que têm de tudo um pouco e, além de primar pela variedade, é de um bom gosto sem par. Arranjos cuidadosos e bem sacados (o de “Pierrot”, com coro e teclados que o diga), revelam um farto conhecimento musical, o que pode também indicar uma explicação para a identidade influenciada a partir de estilos tão distintos.

A novidade maior no álbum são os naipes de metais, que, se ofuscaram as guitarras fortes dos shows, mostraram outro e também interessante caminho para o inusitado grupo, que de tão camaleônico é, obviamente, volátil. Até porque a média de idade dos integrantes gira em torno dos 21 anos, o que só faz da estréia um trabalho ainda mais surpreendente.

Marcelo Camelo, que sempre cantou bem, agora desempenha a função com maior firmeza, dosando sua voz de acordo com a intensidade dos versos. E os versos falam por si: “Dei pra ti as estrelas, os peixinhos e as aves, todas as montanhas, das escalas dei as claves”, de “Lágrimas Sofridas”; “Sem você minha vida é um castigo, sem você prefiro a solidão a sete palmos do chão”, de “Aline”, e “Peço pra que um dia se pensares em trazer-me seus olhares faça porque te convém”, de “Azedume”, entre outros, são impagáveis.

Corra atrás do CD e curta a propositadamente pop “Anna Júlia”, que já toca direto nas rádios, “Quem Sabe”, e a ótima “Bárbara”, que conta com a participação de Roger, do Ultraje a Rigor, nos vocais.

“Los Hermanos” é, sem dúvida, sério candidato a melhor álbum do ano.

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