Rock é Rock Mesmo

Ratos de Porão & Circo Voador: a dobradinha feliz

Perdido na noite carioca, nosso colunista acabou concluído que, um show do Ratos de Porão no Circo Voador é uma coisa completamente diferente. Entenda porque essa dobradinha tem tudo a ver. Publicado originalmente na Dynamite on line.

Meus amigos, o mundo gira e a Lusitana roda. Coisas que aconteceram estão voltando a acontecer. Gente que nunca morreu está morrendo, e gente que nunca nasceu está para nascer. Não sei se o amigo leitor pensa assim também, mas em verdade eu vos digo: o mundo anda complicado, as coisas estão difíceis, tá ruim pra todo mundo. A vida tá dura, o mundo cansa a gente e só o rock alivia.

Sexta passada, por exemplo. Fui a um show do Ratos de Porão no Circo Voador. Não sei se o amigo entendeu a força da expressão. Não fui a um show do Ratos num lugar qualquer, nem fui ao Circo Voador para uma noitada de rock . Era um show do Ratos de Porão no Circo Voador, o que é uma coisa completamente diferente. “Show do Ratos no Circo” deveria ser uma expressão consagrada no jornalismo rocker, no vocabulário musical e até constar no vernáculo, significando algo, que, a bem da verdade, eu próprio não ouso explicar. É algo de intensidade rara e que tem honras de imperdível, tal qual costumes consagrados das sociedades pós-industriais. Vamos ver… Romeu & Julieta? Queijo com presunto? Cinema com pipoca? Uma cerveja antes do show? Jeans e camiseta? É mais ou menos por aí. Show do Ratos no Circo.

O amigo já veterano desta coluna deve estar pensando, e não sem uma certa razão: - Lá vem ele puxando o saco do Circo Voador de novo. Sim, meus amigos, não há como negar. Sou um entusiasta do Circo Voador, inveterado e incorrigível. Por questões emocionais e, decerto, históricas, não tem como se ter vivido no Rio, interessado em rock e na cultura de uma forma geral e não se sentir atraído pela magia que envolve o Circo Voador. Repare no nome. Sugere algo que, de início, foge da concepção cartesiana do mundo real. Não foi à toa que surgiu, ali, toda uma geração de artistas que mudou a cara de um Brasil que também começava a mudar de cara.

De outro lado, muitos devem lembrar, a grande mídia noticiou que o Circo, quando foi fechado, em dezembro de 96, foi por causa de um conflito entre “punks e políticos”, mas precisamente ente João Gordo e Luiz Paulo Conde, então prefeito eleito da cidade, que comemorava no Circo a sua vitória, numa data em que estavam agendados os shows de Garotos Podres e Ratos de Porão. Não deu outra, a exposição na mídia fez o então prefeito, César Maia, decretar o fechamento do local. Entre outras pérolas, o prefeito chamou o Circo de “antro de maconheiros”. Não quero posar de Forrest Gump, mas, sim, eu estava lá. Vi a charanga da campanha do Conde sair vaiada pelo público e também por João Gordo. Nada, entretanto, que justificasse o alarde dos principais veículos de comunicação cariocas, muito menos tal inadvertida decisão. Por ironia do destino, numa nova gestão do mesmo prefeito, o Circo foi reinaugurado em julho do ano passado, graças a um obtuso acordo de campanha com o PV. Mas, na prática, podemos dizer que o Circo só reabriu pra valer na sexta passada, com o show do Ratos.

Disse isso e já me arrependo. Não era para eu ter contado essa história. Temo que o leitor pense que é por isso que Circo Voador e Ratos de Porão têm tudo a ver. Não, não é. Mas o que é o Ratos de Porão. Uma banda punk – cujo lema não permite futuro – que dura mais já uns 25 anos. Uma banda punk, sim, mas que já foi thrash, hardcore, metal, crust e o escambau. Uma banda que já fez inúmeras turnês na Europa, e é nome consagrado no meio underground, não só no Velho Continente, mas em todo o mundo. Uma banda que é na verdade (e também) a síntese da história do Brasil no período de sua existência. Num show do Ratos (ou ouvindo todos os discos, em seqüência) é possível ver a nossa história passando bem ali na frente. Tem luta contra a ditadura, a repressão policial nos anos de chumbo, a esperança caída da Nova República (quem não conhece “Plano Furado”?), a bagunça do governo Collor, e, pra chegarmos aos nossos dias, até a o 11 de setembro, num tempo onde o mundo globalizado nos impõe esse tipo de interferência. É ou não é a linha da história? Nem vou falar de João Gordo, eternamente alcunhado de traidor do movimento, porque o ex-Gordo trai é a si próprio diariamente, e isso espero falar numa outra oportunidade.

Também não é por isso. Não é porque o Ratos é o que é, tem a história que tem, que tem tudo a ver um show do Ratos no Circo Voador. Vejam, por exemplo. Entre 96 e 2004, o Circo esteve fechado. Mas o Ratos continuou na ativa, chegou até a ter uma sucursal, o Ratos da Periferia, com a dita “formação original”. Eu próprio tive a oportunidade der ver vários shows do Ratos, em Brasília, Recife, e até mesmo no Rio. Dois no Ballruim, sendo que, num deles, João Gordo faltou e mesmo assim o pau comeu solto no palco. Gostei de todos eles, em festivais grandes, então, com a movimentação de grandes massas, o espetáculo é formidável. Nenhum deles, entretanto, supera um show do Ratos no Circo Voador. Eis, meus amigos, enfim, o grande mistério.

Pois na última sexta, perdido em meio a um final de quermesse que acontecera durante o dia, sob os Arcos da Lapa, e ouvindo um black metal que só não era mais rudimentar do que aparelhagem que o reproduzia, ouvia meu amigo de longa data contar e enumerar os shows do Ratos em que ele já tinha ido. Vários, claro, no Circo. Eu, por minha vez, posso dizer que me lembro de vários, mas não de todos ou de cada um especificamente. Lembro, entretanto, de momentos históricos, flashes que não me escapam da memória. Moshes, stage divings, body surfing, o Gordo batendo na testa ou se projetando à frente, o Gordo dando na cabeça de um “careca” com um taco de beisebol, Jão com uma cabeleira totalmente metal, Boka estraçalhando a bateria, vários ex-integrantes, muita zorra, empurra-empurra, muito esporro e muita felicidade. Eis onde eu queria chegar, meus amigos, por mais cafona que a expressão possa lhes soar: show do Ratos no Circo = Felicidade.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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