Rock é Rock Mesmo

A desastrada vizinhança estéril

Nosso colunista mostra as dificuldades de se viver num mundo virtual, e continua apontando os males da Internet. Hoje é a vez de conhecer uma suprema e cruel entidade: a desastrada vizinhança estéril. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, como é curiosa essa realidade virtual. Havia um tempo, que se eu fosse o Paulo Ricardo teria vivido um sentimento quase infantil, teria havido o medo e a timidez. Que virtual era algo que não existia. Agora eu vejo que o meu desejo se perdeu de mim, e que o mudo virtual não existe mesmo, mas existe, sim, e está infestado de seres humano. E repito: os mais reles e pulhas dos seres humanos estão aqui, no mundo virtual.

O amigo que acompanha com um certo afinco este espaço periódico já deve se sentir íntimo de vários conhecidos meus, de tanto eu falar. Como falo, aliás. Mas, entretanto, não falo o bastante para destrinchar aquilo que estou pensando. Por isso, vejo que, para adentrar onde preciso, e chegar ao ponto nevrálgico da questão, precisarei vos apresentar, caríssimos, não mais um amigo, uma pessoa. Mas uma verdadeira entidade. Eis aonde eu queria chegar: não existe Internet, não é possível o mundo virtual sem a presença da inefável vizinhança estéril.

Vivemos num mundo capitalista, e, vítimas do marketing generalizado, rumamos para o desconhecido. Mas existe uma coisa, talvez uma única coisa, da qual não podemos nos apropriar. É o fato. O fato não tem dono. Digo o fato antes de ele virar notícia. Porque a notícia, esta sim, tem dono. O leitor desconfiado poderá citar as encenações montadas pelos telejornais, mas aí não vale. Aquilo não são fatos, porque têm roteiro e o escambau. O fato, repito, é livre, não é de ninguém. Pode ser ignorado, pode ser bajulado, mas é livre. Ou seja, qualquer mané pode se apropriar momentaneamente de um fato e transformá-lo numa notícia, ao seu bel prazer.

Sim, meus amigos, o fato é o fato. E o agente transformador é o jornalista, mesmo aqueles que não passaram sequer pela porta de uma faculdade. E é aí que aparecem os pulhas e reles seres humanos que eu falei lá em cima. Eles estão todos, acreditem, espalhados na vizinhança estéril. No colunismo, aprende-se na escola e se vê a toda hora, vale mais a análise a articulação dos fatos e opiniões que o relato jornalístico em si. Mas um pouco de ineditismo não faz mal a ninguém. Tanto que muitos desses vis atrasam as respectivas novidades, para poder dar uma olhadinha, e, quem sabe, reproduzir, as novidades dos outros. Que baixaria, né? Isso sem falar que, na vizinhança estéril, descobri há pouco, sujeito, verbo e predicado não significam nada, e notícia é algo que ainda vai acontecer. Sejam bem-vindos à vizinhança estéril.

A semana passada. É evidente que escrever sobre os 20 anos de Rock In Rio seria a coisa mais manjada da história. Ainda mais com a assessoria de imprensa da Artplan distribuindo e-mails aos borbotões, com declarações do Roberto Medina e dados do tipo “foram consumidos 300 milhões de não sei o que”. Mas como passar por cima de um fato tão marcante, de uma história tão bonita para o rock, o Brasil e o mundo? Praticamente impossível. Ingenuamente, acreditei que os novidadeiros de plantão passariam batido. Nada: copiaram tudinho. Achei que a garotada não estaria nem aí pra um fato “dinossáurico” desses. Nada: foram lá e achincalharam tudo, típico de que ainda tem que comer muito feijão para ganhar um pouco de tutano. Até a palavra oficial de Medina foi usada a torto e a direito. Lamentável essa vizinhança estéril.

Quando chega a hora de a cobra morder o próprio rabo, é aí que óbvio aparece. Porque aqui não se conta história, aqui se articula fatos e conjunturas, aqui o negócio é pensar, não é para qualquer um. Não, meus amigos, não se trata de soberba, não se trata de arrogância. Mas de conhecimento de causa, em forma e conteúdo. Basta comparar. Vem daí, talvez, a fúria de alguns leitores, que, com certa razão chiaram a valer. Eles têm razão. O leitor, aliás, sempre tem razão, mesmo quando não entende. Porque, se isso acontece, a culpa é de quem escreveu, que não conseguiu ser claro o bastante. Ou, sabe-se lá, escreve para “iniciados”, com uma das mãos no teclado e um dicionário na outra. Sim, meus amigos, como diria Otto Lara Rezende, “escrever é de amargar”. Não é para qualquer um. Não é para a vizinhança estéril.

Vejam como são as coisas, meus amigos. Eu aqui com tanta coisa para escrever, e tendo que andar em círculos por conta justamente do inconcebível mundo virtual. Tendo que deixar o rock, o objeto maior deste espaço, para dar, mais uma vez, luz a cego. Gritar num mundo de surdos. Tudo por causa da vizinhança estéril. Fico pensando, como já citei há um certo tempo, se Nelson Rodrigues fosse vivo. Ele, que sempre procurou e definiu tão bem a essência vil do ser humano, como se portaria diante da vizinhança estéril. Seria, certamente, contundente e implacável.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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