Rock é Rock Mesmo

Rush no Maracanã: o maior espetáculo da terra

O ano passado foi marcado pela expectativa dos primeiros shows do Rush no Brasil. Natural então, que o lançamento do DVD/CD “Rush In Rio” fosse cercado pelo mesmo clima de ansiedade, antes, e estupefação, depois. Publicado originalmente no Dynamite on line.

O ano passado foi marcado pela expectativa para a realização dos primeiros shows do Rush no Brasil. Apesar de alguns detratores que insistem em minimizar a importância do grupo para a rock e sua trajetória de brilhantismo musical e criativo, nenhum artista mobilizou, comoveu e moveu mais as massas em 2002 do que o Rush. Natural então, que o lançamento do DVD/CD “Rush In Rio” fosse cercado pelo mesmo clima de ansiedade, antes, e estupefação, depois. Cabe um parêntese: porque os DVDs de shows demoram tanto a ser lançados? Será que demora tanto tempo assim para concluir a produção? Algo de errado com relação aos direitos autorais deve estar por trás desses grandes atrasos (quem souber mande um e-mail para cá).

Voltando ao assunto desta coluna, eu mesmo tenho dito que os álbuns do tipo acústico, ao vivo, coletânea, etc, se transformaram em caça-níqueis para tirar as gravadoras do vermelho. Também tenho o hábito de criticar o lançamento exagerado de DVDs, só para atender a uma demanda de cidadãos classemedianos que, através do marketing maciço, acabaram de adquirir esses aparelhos, e, sem ter o que ver, precisam consumir.

O Rush, entretanto, apresenta suas peculiaridades. Primeiro que o grupo não lança um “home vídeo” (nome dado aos filmes e vídeos lançados em VHS) desde o “A Show Of Hands”, de 1989, o que inclui, no período, cinco álbuns gravados em estúdio, e um triplo ao vivo. Depois, que nesse álbum, “Diferent Stages-Live”, nada vinha com conteúdo de imagens, interativo, etc. Mas o principal motivo foi mesmo que o trio se deu conta, depois de rodar o mundo em mais de trinta anos de banda, que estava no Brasil uma grande concentração de fãs, que proporcionaram o recorde de público para um show do Rush (60 mil, em São Paulo) e ainda o segundo lugar (40 mil, no Rio). E aí, não tinha jeito, Geddy Lee e cia tiveram que abrir uma exceção no rigoroso critério segundo o qual a banda só lançava álbuns ao vivo a cada quatro de estúdio, para lançar, junto com o DVD, um CD triplo, com o mesmo show, até porque, nem todo mundo, sobretudo no Brasil, já tem um aparelho de DVD. O trio foi sensível o bastante para perceber a verdadeira devoção do público brasileiro, em performances que emocionaram a banda, nas três cidades nas quais tocaram (25 mil também viram o show em Porto Alegre).

Algumas semanas atrás eu falava de seqüências de discos perfeitos (o Rush tem várias) e agora não é exagero afirmar que temos aqui a banda que mais se aproxima dessa palavra, a perfeição. “Calma, olha a violência”, diria Paulo César Vasconcelos. Justo ele que se preocupava com a realização do jogo entre Fluminense e São Caetano, pelas quartas de final do Campeonato Brasileiro do ano passado, no dia seguinte ao do show, quando o tricolor sapecou três a zero no time do interior de São Paulo. Mas como decifrar uma banda com trinta anos de estrada que continua tocando ao vivo com uma disposição ímpar? Com um perfeccionismo técnico apurado a ponto de ser, ao mesmo tempo, cativante? É isso que mostram o DVD e o CD.

O DVD é duplo, e o primeiro disquinho traz o show gravado no Maracanã, na íntegra, com uma pequena introdução que mostra cenas da cidade do Rio de Janeiro. Aí a dúvida. Por que o show não foi gravado em São Paulo, onde o público é sempre maior? São várias as razões: primeiro porque o show foi o último da turnê do álbum “Vapor Trails”, segundo, pelo fato emblemático que é tocar no Maracanã, o maior estádio do mundo, e terceiro porque não dá para levar a sério a mania de organização que leva a produção do show, só em São Paulo, a espalhar cadeiras à frente do palco para abastados, deixando o grande público a no mínimo, vinte, trinta metros do palco. Com uma configuração dessas, o público paulistano jamais conseguiria repetir a extraordinária performance da platéia que compareceu ao Maracanã, mesmo sendo maior. É o que o DVD bem mostra, em músicas como “2112″, “The Spirit Of Radio”, “Free Will”, e, sobretudo, em “YYZ”, onde todos pulam e cantarolam a música, que é bom que se lembre, é instrumental.

Tal fato emocionou a banda (era a sexta música), como o próprio Neil Peart escreveu no encarte do CD. No Maracanã a reciprocidade entre público e banda foi algo de extraordinário. Até lançamento de baqueta, que Peart começou na “nova” “Earthshine”, foi motivo de aplauso e comoção, que dirá nas intermináveis viradas entre as músicas e no sempre espetacular solo de bateria, que durou cerca de oito minutos, levou o nome O Baterista, e pode ser visto também no segundo disco, em três edições com várias câmeras diferentes. Nesta exibição, num determinado momento, uma música imita uma espécie de pó de pirlimpimpim e o gigantesco kit de bateria gira, apresentando uma nova conformação para os tambores de Neil Peart. Ok, a bateria girou outras vezes no show, mas o DVD só mostra direitinho no solo. No final de “Ghost Rider”, Peart quebra uma baqueta vacilante, é dá até para ouvir o “crack” da famigerada madeira.

Tudo isso iria por água abaixo sem a determinação do baterista. Do alto de seus 51 anos, Peart surge rodeado de tambores nas cores vinho e dourado, sobre um octógono, e, determinado, tal qual um exterminador do futuro, mostra um semblante compenetrado, concentrado, que só relaxa quando é apresentado por Alex Lifeson como “Milton Banana”, ou quando três roadies entram no palco com perucas e retiram as camisas das máquinas de lavar. No segundo disco, no documentário “The Boys In Brazil”, é possível ver Peart falando com naturalidade, lendo um livro em plena arquibancada do Estádio Olímpico, em Porto Alegre, enquanto os fãs vão chegando, e se “aquecendo” por vinte minutos, num cubículo, com um kit de bateria minúsculo, só para “relaxar”. Sem dúvida, se trata de um sujeito diferenciado, que sobreviveu a grandes dramas familiares, mas continua determinado em fazer, e muito bem feito, o seu ofício.

Não que Peart esteja mal acompanhado. Alex, que muitas vezes é subestimado ao ser comparado com o verdadeiro exército de bons guitarristas, e por tocar ao lado de dois gênios, e Geddy, estão no mesmo nível, sendo que Geddy ainda faz todo o possível (no DVD isso é latente) para manter sua voz próxima de gravações feitas há mais de 20 anos. Isso além de tocar a maioria dos teclados (alguns são gravados) e molestar sem dó o baixo, mesmo se recuperando de uma tendinite em dois dedos, conforme mostrado no documentário do disco 2. E o trio vence impiedosamente, obtendo do público, que também sai ganhando, gestos explícitos de agradecimento, como numa saudação muçulmana, com os braços indo de cima a baixo, num sinal de adoração.

O documentário “The Boys In Brazil”, com pouco menos de uma hora de duração, mostra o que a banda faz quando não está no palco, incluindo entrevistas coletivas, passagens de som, aquecimentos, um divertido café da manhã, num hotel em São Paulo, no qual Alex imita a série “The Osbournes”, a saída, em correria, ao final do show, etc. Tem ainda as músicas “YYZ” e “La Villa Strangiato”, com quatro edições de câmeras diferentes, e “O Baterista”, com três. Mas nem tudo é perfeito no CD/DVD “Rush In Rio”. No documentário, por exemplo, faltou o registro dos fãs após o show, certamente extasiados com a experiência emocional pela qual passaram. Tem também dois trechos “escondidos” (uma grande palhaçada), com um clipe de 1975 para “Anthem” e para a animação que passa no telão durante o show, na música “By Thor And The Snow Dog”. Para encontrá-las, acesse o site Test For Echo, o mais completo sobre o Rush no Brasil. Falando nas animações do telão durante o show, elas pouco aparecem no DVD, o que é bom, mas, de outro lado, poderiam vir, também como bônus, já que faziam parte do contexto do show. As edições de câmeras pecam porque em nenhuma delas aparecem uma única câmera, estática, mas sempre numa seqüência, editada pela produção. Mas o pior é que “La villa Strangiato” tem o finalzinho cortado, pouco depois da apresentação de Alex. No CD triplo, ficou sobrando espaço no terceiro disco, apesar de ter entrado duas músicas que não estão no DVD, “Vital Signs” e “Between Sun & Moon”. Poderiam ter colocado outros extras, ainda que antigos. Por fim, não dá pra não citar o péssimo gosto das duas capas (logo o Rush, sempre cuidadoso com o aspecto gráfico), nas quais o dragão símbolo da música “One Little Victory” aparece ornamentado como se fosse Carmem Miranda, num visual totalmente estereotipado e desnecessário.

Voltando as virtudes, que, a rigor abafam os defeitos, arrisco dizer eu o Rush veio ao Brasil na hora certa. É claro que eu próprio sonhava e ver a banda tocando ao vivo desde a década 80, no mínimo. Eu e aqueles que colocaram a banda como mais votada para fazer parte do cast das três edições do Rock In Rio. Mas pense bem, não foi melhor assim, com um show só com a banda, e só com os fãs? E ainda, foi só a partir do final dos anos 1990 que o Rush passou a fazer um set list do tipo “histórico”, com muitas músicas do início de carreira. Antes, era primordialmente com as músicas das fases mais recentes.

Agora todos queremos mais, queremos que o trio canadense se apresente por aqui a cada ano. Pela receptividade e pelos comentários de Peart, Lee e Lifeson neste DVD, já, já eles voltam. Tomara que com um disco novo na bagagem. Enquanto isso, vale dar uma olhadinha básica no “Rush In Rio” de vez em quando. Só para matar saudades e renovar o ego e a moral de ser brasileiro.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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