Rock é Rock Mesmo

Impressões do festival que é uma verdadeira bênção

Com tantas atrações tão descoladas quanto desconhecidas, o TIM Festival é uma bênção para artistas de segunda categoria, que no Brasil são tratados como popstars. Publicado originalmente no Dynamite on line

- Eles fazem uma coisa supernova, que é pegar músicas já conhecidas, e apresentar de uma maneira totalmente diferente…
- O que? Não escutei direito, retruquei.
- Por isso que eles trazem um monte de discos na bagagem, enquanto um vai detonando, outro escolhe o próximo vinil… olha só… agora… não é aquela música do Cult?
- “She Sells Sanctuary”, respondi prontamente.
- Então, vai dizer que não está gostando? É rock, mas é novo, apesar de a música ter mais de 20 anos…
- Ah, então é assim, a gente vai dançando e brincando de adivinhar qual é a música que ele tá tocando?
- É, é a nova onda “bootleger”, explicou por fim meu amigo Moderninho de Plantão, num dos breves diálogos que tive com ele durante o TIM Festival, como parte integrante do meu curso intensivo para ser moderno em apenas três dias.

Confesso que não queria voltar a falar do badalado festival, que já foi abordado por tudo que é mídia, escrita, ouvida, televisada e internetada, como diria o inefável Zé Trindade, se fosse vivo e tivesse se modernizado. Mas não há como não tocar no assunto, depois do turbilhão de idéias, situações e sons que habitaram minha cabeça neste último final de semana. O Rio virou não só a capital indie de São Paulo nesses três dias, como recebeu visitantes de Belo Horizonte, Curitiba e outras adjacências desse vasto Brasil varonil. Isso sem falar na imprensa cultural que compareceu maciçamente, apesar das dificuldades impostas pela assessoria de imprensa do TIM Festival.

O diálogo acima se deu durante apresentação do 2 Many DJs, certamente o maior fiasco do festival, e um dos maiores em todos os tempos. Além de a “atração” não ter vendido quase nenhum ingresso na bilheteria, todas as “cortesias” distribuídas à imprensa eram para este show. Isso sem falar que os alto-falantes anunciavam, de última hora, que qualquer um que tivesse visto os shows de Wado (anunciado pelo locutor como Wando), Lambchop e Los Hermanos no Palco Lab, poderia entrar no After Hours para ver os dois DJs ingleses. No fim das contas, quase ninguém, entre imprensa e público, estava no local. Esse fato, o de estar vazio, entretanto, era o que mais motivava meu amigo Moderninho de Plantão. Para ele, a explicação era outra:

- É que aqui no Brasil, quase ninguém conhece, mas vai dizer que não é legal?
- Mas é isso que chamam de discotecagem rock? Um baticum que cita clássicos do rock, justamente aqueles clássicos que nós reclamamos de povoarem nossas FMs? - indaguei.
- Ah, deixa de ser antiquado!

A primeira noite foi assim mesmo, meio insossa, com Beth Gibbons e k.d.lang fazendo shows chatíssimos, num palco com mesas e cadeiras que forçava o uso de artifícios lingüísticos do tipo “aplaudido de pé” por jornalistas descolados. Lambchop e Wado tomaram um banho de competência do Los Hermanos, em que pese a decisiva presença das “hermanetes”.

- Cara, essa banda é bem melhor que o White Stripes, é que ela ainda não foi descoberta pela grande mídia. E olha que os caras nem têm guitarra…
- Eu sei, tive a oportunidade de entrevistar o baixista, apresentei minhas armas.
- Como, eles deram entrevistas para o Brasil? - duvidou Moderninho
- É, pra divulgar o show do festival…
- Na verdade nunca gostei muito deles - mudando de idéia - e o nome é difícil de falar, né?
- Mas até que eles são bons de palco…
- Muita pose… Aposto que o Fellini vai ser melhor.

Às seis e pouco da tarde de sexta feira era esse o panorama no Palco Principal, durante o show do Whirlwind Heat. Já que a banda não tem guitarrista e se apresenta com uniformes laranja e marrom, circulou a piadinha de que eles deviam se fundir com o White Straps (que não tem baixista), para formarem o White Heat, que se apresentaria de laranja e vermelho, e teria dois bateristas. Isso até que Mr. Jack White, já no show de encerramento, detonasse o festival e ratificasse o poder da guitarra e dos riffs por eles (ele a guitarra) criados. Ali ninguém teve dúvidas de que estávamos frente a frente com um legítimo guitar hero, dominando uma platéia até calma, recheada de globais e figuras cool, embasbacada e sem acreditar no que via. O engraçado é que não existe nada mais retrô do que o som que Jack tira da guitarra, chupadíssimo de Led Zeppelin e de outras lendas dos anos 70; do que a bateria com o mínimo de peças e às vezes tocada com uma mão só por Meg; e ainda a roupa bicolor a la “joker” da dupla. E que, por mais paradoxo que seja, isso é a vanguarda, o sonho de consumo dos modernos que compareceram o TIM Festival. Difícil é achar um deles que admita isso. Assim como não aceitam o fato de o Sigur Rós fazer rock progressivo, de o Rapture ser uma banda de discoteca a la Bee Gees, e assim por diante.

- Parece que começaram a descarregar um caminhão de mulher boa.
- É, a noite de hoje está mais badalada que a de ontem aqui no baixo jazz, completei
- Meus pais viajaram e hoje minha casa vai virar um manancial de mulher!
- Você não veio para ver nenhum show?
- É ruim, hein? Ainda não me devolveram a grana do show do Metallica, e só entrei aqui porque o segurança lá do estacionamento é meu camarada e me deixou passar! E com tanta mulher dando mole aqui, eu vou ficar dançando no meio de um monte de boiola? Num dá mermo…
- Ok, vai à luta que agora eu vou ver o Erol Alkan.
- Demorou…, se despediu meu amigo Carioca da Barra.

Sempre achei que DJs deveriam tocar num lugar onde o público não precisasse ficar olhando para eles, bastaria dançar e pronto. Mas no After Hours é diferente. Com o palco (o mesmo palco principal) todo sem equipamentos, colocam um “praticável” e o DJ começa a “tocar” seu som e a fazer gestos de animação para o público. Este, por sua vez, se divide em duas partes. A primeira, grande maioria, já está pra lá de Marrakesh, dançando a valer, sem nem saber quem é o cara. A outra, minoria dos modernos-mais-que-modernos, fica lá na frente olhando e vibrando com o DJ. Teve um cara que até acendeu um cigarro para Erol. Cool, não?

- Esse também é um bootleger - afirmei, já descolado.
- Nada a ver, esse som é totalmente mais melódico…
- Melódico? Como assim, se só há batidas e músicas manjadas, respondi, quando rolava alguma coisa do Cure.
- Não percebe a melodia? Você está muito refratário ao novo!
- Pode ser, ou então resetaram o relógio do tempo e começou tudo de novo, conclui, enquanto meu amigo Moderninho de Plantão já sassaricava mais adiante.

Como diria Paulo César Vasconcelos, o TIM festival “é uma bênção”. Não para o público, mas para certos convidados. Erol Alkan, por exemplo. O cara não passava de um DJ que botava som numa boate sujona em Londres, e foi incensado pelo NME. Certamente ganhando um belo cachê, veio ao Brasil passar uma espécie de mini-férias, com todas as despesas pagas. E todo mundo aqui achando ele o máximo. Todo mundo não, uns três ou quatro que falam pelos (e para) os demais. Alguém se lembra que fim levaram os DJs que estiveram no País nas últimas edições do Free Jazz?

No dia da batucada deu até pena do The Streets, que apesar do nome é um rapper branquelo a la Eminem que só faz sucesso por usar a linguagem das ruas. Só que das ruas inglesas. Daí ninguém ter dado a mínima, e o Nação Zumbi, e até o teatral AgroReggae, terem deitado e rolado, sob uma intensa chuva que perfurou as lonas das tendas e encharcou os bares, como que numa justíssima punição pelo preços exorbitantes ali cobrados. O Public Enemy arrasou, com um line up que agora inclui guitarras tão pesadas quanto o seu groove tradicional. Engraçado que foi justamente isso que desagradou meu amigo Moderninho de Plantão, que acha que a banda “se vendeu ao nu-metal”. Pode?

No Palco Lab, uma espécie de túnel do tempo nos levava para a década de 80, com os shows do Coldcut e do Front 242, ressuscitados para levantar uma grana no Brasil. Falando em anos 80, Peaches, aclamada pelos modernos como “a Tati Quebra Barraco gringa” (como se isso fosse bom) me fez lembrar os bailes de subúrbio onde se apresentavam Gretchen, Sol e Lady Zu, com performances em um play back dos mais ordinários. Tirando os DJs, acho que foi a primeira vez que vi um show de play back num festival. E com uma aclamação por parte da mídia de dar gosto. Afinal o TIM Festival é ou não é uma benção?

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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