Rock é Rock Mesmo

TIM Festival: tudo pronto para a festa dos modernos

Como no carnaval, onde os trabalhadores mais pobres se vestem de deuses e se sentem o máximo ao aparecer na Globo, todo mundo vai virar moderno no Tim Festival. Nosso colunista não poderia ficar de fora. Publicado originalmente no Dynamite o line.

Ontem à noite vi no Jornal da Globo, apresentado pela elegante Ana Paula Padrão, uma matéria que mostrava o fim daquilo que o repórter chamou de “o culto às guitarras” e enaltecia os DJs como verdadeiros ícones da nova juventude. Como já disse aqui certa vez, às vezes esses jornalistas de grandes veículos descobrem um Brasil que já existe há muito tempo, bem debaixo do nariz deles, mas que teimavam em não enxergar. Na matéria, cenas de Jimmy Page tocando “Stairway to Heaven” eram exibidas ao fundo, enquanto o tal repórter falava de DJs brasileiros que saíram da periferia e se tornam ícones mundiais, como Patife e Mau Mau, entre outros. Na parte “outro lado”, obrigatória no jornalismo, apareciam os guitarristas Wander Taffo (lembram do Rádio Táxi?) e Edgar Scandurra, este último mostrando estar em sintonia com a música eletrônica, “apesar de ser um guitarrista”.

O assunto colocado na TV já foi tratado aqui na “Rock é Rock Mesmo”, quando muita gente ficou chocada o saber, por a + b, que DJ não é músico e toca-discos não é instrumento. Gente que costuma fechar os olhos para o histórico e a implacável persistência do rock e suas tendências, e que aposta em novidadeirismos típicos e efêmeros. Na semana em que acontece o Free Festival, tradicional evento que se transformou no paraíso da modernidade, embora a matéria do Jornal da Globo sequer tenha aludido ao assunto, o tema traz à tona questões relevantes para o embate rock x “eletrônica-modernidade”.

No início da década de 1990, assisti num programa da MTV, um integrante de uma banda chamada Que fim Levou Robin? dizendo que o rock estava morto, que o negócio era a música eletrônica e que o fã de rock daqueles dias estava fadado a só sair de casa para ir a loja comprar CD, já que a época via o auge da substituição do formato vinil. Pensei comigo mesmo: “se esse cara estiver certo, fudeu!” Hoje, depois do Nirvana e da avalanche grunge, do auge do thrash metal, de Sepultura e Red Hot, do poppy punk, de Offspring, Green Day, Bad Religion, etc, etc, vejo que o rock triunfou na década passada. Isso sem entrar nos dias atuais, com o fértil e precoce garage revival de Strokes e adjacências, e nem na efervescente cena rocker paulistana, para citar um exemplo do nosso quintal. Que fim levou o Que Fim Levou Robin? ninguém sabe, mas continua a aparecer esses profetas que decretam o fim do rock, sempre substituído pela eletrônica. Agora, na semana do Tim Jazz, esse tipo de assunto está em alta. Para esses modernos, o rock já acabou e pronto. Nem que seja por três ou quatro dias. É como no carnaval, onde os trabalhadores mais pobres das favelas mais precárias se vestem de deuses e se sentem o máximo ao aparecer na Globo, como bem notou João (ex)Gordo na música “Crise Geral”, do Ratos de Porão.

Para começar o disse-me-disse, a notícia: os ingressos para os palcos TIM Club (só jazz), em todos os dias, e para o TIM Stage, no dia 31, em que toca o White Stripes, a grande atração desse ano, já se esgotaram. Quem lê a notícia pensa até que muita gente está interessada em comparecer. Só que somando-se a capacidade de todos os palcos, nos dias de maior lotação, o número não passa dos 7 mil lugares. Isso, claro, sem contar o TIM Village, espaço reservado aos “sem ingresso”, que esse ano terão que desembolsar 10 caraminguás para circular pelo chamado “baixo jazz”. Ou seja, nos três dias, no máximo 21 mil pessoas assistirão os shows do Free Festival. Se lembrarmos que, na noite mais vazia do último Rock In Rio, 90 mil pessoas compareceram (250 mil na mais cheia), e que o saudoso Metropolitan (atual Claro Hall, antes de levar o nome dos sucessivos patrocinadores) abrigava 12 mil pessoas por noite num show do Ozzy Osbourne ou Hooddoo Gurus, no TIM Jazz praticamente não vai ninguém. Isso mesmo, somados o público de um ícone do metal com o de uma banda meia boca da surf music australiana, supera-se o número de pessoas que vão ao MAM para assistir aos shows neste final de semana. Definitivamente, o TIM Free Jazz não é um fenômeno de público como os shows de rock, mas de mídia.

Além disso, o evento (assim como a música eletrônica) é realmente uma grande caricatura da nossa vã sociedade. Caro pacas, é reservado a abastados classemedianos. O ingresso mais caro chega a R$ 80, e o mais barato (uma boate) sai por R$ 30. Como cabe pouca gente, é fácil de encher, muito embora essa preocupação não deva passar pela cabeça dos organizadores, uma vez que o patrocinador, acostumado a faturar no lucrativo mercado telefônico privatizado, já bancou tudo, em troca do que chamam de “exposição da marca”. O importante é badalar, isso sim, e aí o “baixo jazz”, território dos “sem ingresso”, é fundamental. Outra parte importante é a exposição na imprensa, mas para isso um calhamaço de releases já foi enviado para as redações, entrevistas exclusivas (pré-definidas nos contratos) já foram oferecidas aos maiores veículos da grande imprensa (da pequena também, é verdade) e feitas como se fossem furos fenomenais, os direitos de transmissão já foram vendidos a um canal a cabo, e assim por diante. Dá até para imaginar o rebuliço causado nas redações, já que as inusitadas atrações (salvo honrosas exceções e o Palco TIM Club), definidas por gente moderna como Hermano Vianna nunca freqüentaram o CD player da maioria desses jornalistas de carreira. E dá-lhe reescrever release, buscar informações na Internet… Vale tudo para não atrasar o fechamento e segurar o emprego. Afinal, tá difícil pra todo mundo, né?

Não vou entrar numa de citar grupos, nesse tipo de evento isso é o que menos importa, a não ser o White Stripes (é rock sim, acreditem!), banda capenga que não tem baixista e costuma encarnar o Led Zeppelin. É sem dúvida a única atração que chega para disputar o título. Vejam só, o caldeirão de bobagens é tão grande, que uma banda de rock de duas pessoas, ainda que sem baixista, é o destaque do festival. Não é opinião, não, é fato, a venda antecipada não me deixa mentir. Mesmo porque, quem toca neste palco na mesma noite são os inexpressivos The Rapture (cover do Cure/Gary Numan), Super Furry Animals, Fellini (num come back) e o impronunciável Whirlwind Heat (cover de Devo, sem guitarras), indicado pelo hypado Jack White, único guitar hero admirado pelos modernos.

Já até vejo meu amigo Moderninho de Plantão desfilando com uma empáfia de dar gosto. Ao ver o show “cheio”, certamente ele achará ridículo que todos estejam ali para gostar, de última hora, daquilo que ele gosta já há muitos anos, e fatalmente sacará da memória um sem número de novas outras bandas muito, mas muito melhores que aquelas. Quanto a mim, não vou perder mais uma chance de entrar de vez para a modernidade. Nem que seja por três dias.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

Tags desse texto:

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado