O Homem Baile

Caótico

Na abertura para o Exploited, Ratos de Porão atropela geral, The Chisel apresenta cartão de visitas e Escalpo e Norte Cartel fazem bom papel em noite visceral no Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.

O vocalista e líder do Ratos de Porão, João Gordo, um 'tiozinho de 61 anos', segundo ele próprio

O vocalista e llíder do Ratos de Porão, João Gordo, um 'tiozinho de 61 anos', segundo ele próprio

A imagem de guitarrista e baixista em franca abordagem na beirada do palco com o vocalista entre eles em um plano anterior fazendo caras, bocas e “mão de fogo”, embora incomum em bandas de punk rock, hardcore e adjacências, já é clássica. Retrato instantâneo de pura energia bruta que começa já na segunda música de um show que poderia ser o principal e se repete a torto e a direito no curto período de menos de uma hora em que mais ou menos vinte petardos são tocados, gritados, vomitados, sem dó, quase sem parar. “Não é nada fácil fazer esse tipo de som para uns tiozinhos de 61 anos”, solta o tal vocalista, um sobrevivente, mais pra frente, em misto de orgulho e desabafo esbaforido, enquanto, ali embaixo, na frente do palco, a agitada, fiel e numerosa horda se estapeia sem parar. É assim que se encena mais um encontro caótico entre Ratos de Porão e Circo Voador, no último sábado (10/5), na abertura para o Exploited, no Rio.

A noite, contudo, é marcada por tensão e ansiedade. Isso porque, na véspera, em Belo Horizonte, o vocalista e figura símbolo do Exlpoited, Wattie, com sérios problemas de saúde, não consegue cantar, e coube a João Gordo, o tal sobrevivente, encerrar a noite em seu lugar. No Rio, Wattie segurou as pontas e a banda fez o show na marra (veja como foi), mas, soube-se depois que, no domingo, em São Paulo, Gordo teve que quebrar o galho mais uma vez. Para o Ratos, contudo, dada a largada, parece que o mundo para e a banda toma conta da situação. Seja no hit de TV – sim, eles têm! - “Sofrer”, que aumenta consideravelmente a rotação das rodas de dança, seja na recente “Alerta Antifascista”, uma das mais recentes, do álbum “Necropolítica”, de 22, registro preciso do Brasil contemporâneo, a plateia vibra aos berros e fisicamente no meio do salão.

O guitarrista Jão, João Gordo e o baixista Juninho na clássica abordagem na beirada do palco

O guitarrista Jão, João Gordo e o baixista Juninho na clássica abordagem na beirada do palco

Em relação a repertório do show de outubro, nesse mesmo Circo Voador, abrindo para o Napalm Death (veja como foi), eles incluem a oportuna “Suposicollor”, espécie de homenagem ao ex-presidente e vilão nacional finalmente preso nos últimos dias. “Anarkophobia”, a tal música citada ali em cima, cai muito bem logo no início, com afinada cantoria por parte do público, que sabe a letra de cor, e “Ódio e Nada Mais”, com uma espetacular introdução de guitarra de Jão, da fase thrash metal da banda, meio que substitui a siamesa “Crise Geral”, grande ausente da noite, já que ambas são do ótimo “Cada Dia Mais Sujo e Agressivo”, de 1987. A paisagem de palco do Ratos já mostra a palestra de história política do Brasil via música extrema: de um lado, a imagem de Carlos Marighella, e, de outro, a bandeira do MST replicada – e não é de hoje - na camiseta do baixista Juninho.

Dada a quantidade de bandas de abertura, trata-se meio que uma versão pocket de um show do Ratos, ainda mais para uma banda a caminho dos 45 anos de estrada. O que, se omite grandes músicas, torna a “experiência” mais intensa, ainda mais com o batera Boka impingindo aquela velocidade brutal a cada número. Por isso não há quem economize energia ou gogó em clássicos do naipe de “Aids, Pop, Repressão”, já há algum tempo renovada com uma introdução com “um quê” de hip hop – e até que ficou bom -; “Beber Até Morrer”, que explode no verso “Cobras na sua cama e ratos no porão”; “Crucificados Pelo Sistema”, com os braços erguidos em coreografia ensaiada; e a pérola “Caos”, que quem piscou, não viu ser tocada em seus grandiosos 15 segundos de genial fúria. Se um dia existiu show ruim do Ratos de Porão no Circo Voador, ninguém sabe, ninguém viu.

Os britânicos do The Chisel: punk rock raiz com bons backing vocals, duas guitarras e modelo Flying V

Os britânicos do The Chisel: punk rock raiz com bons backing vocals, duas guitarras e modelo Flying V

Antes do Ratos, os ingleses do The Chisel receberam um bom público, nessa que é a primeira passagem deles pelo Brasil. O grupo, embora novo, manda um punk rock raiz dos idos de 1977, com alguns flertes com o street punk, muito embora tenha duas guitarras, sendo que um dos guitarristas usa um modelo Flying V, mais comum em bandas de heavy metal e adjacências. Mesmo com o tempo curto, foram tocados 14 sons - punk rock, ora bolas -, com destaque para a acelerada “Fuck Em”, que, de refrão fácil - o próprio título - logo foi compreendida pelo público; “Sit And Say Nothing”, na qual realçam os bons backing vocals, outra característica da banda; e a dobradinha final com “Retaliation” e “Chisel Boys”, essa espécie de música tema e hit do grupo. O vocalista Callum Graham se comunica bem com o público, mas derrapou ao agradecer a São Paulo, em vez do Rio, e logo se desculpou; quem nunca?

Duas bandas nacionais começaram os trabalhos mais cedo, com o público ainda chegando ao Circo Voador. Primeiro, substituindo a americana Fang, que cancelou de última hora, o local Norte Cartel mandou um hardcore pesado e de fácil compreensão. O grupo aproveitou a oportunidade para trazer ao palco a participação de ex-integrantes que marcaram a banda, e mesmo com pouco público, mandou bem em músicas como a nova – e atual - “Derrubem os Reis”, com citação ao inelegível, e “Agora e Sempre”, essa com um sotaque “mais pop”, por assim dizer. Depois, foi a vez do Escalpo, do interior de São Paulo, com uma interessante crossover de metal extremo e punk/hardcore. Com mais público e boa empatia do vocalista, que chegou a citar bandas cariocas dos anos 90/00 que influenciaram o grupo, o show teve maior interação de parte a parte. Salienta-se no set porradas como “Eviscerar o Opressor”, puro suco crossover, e “Desumanizar”, em um ótimo encerramento. Fiquem de olho!

Escalpo em ação: interessante crossover de metal extremo e punk/hardcore do interior de São Paulo

Escalpo em ação: interessante crossover de metal extremo e punk/hardcore do interior de São Paulo

Set list completo Ratos de Porão

1- Ódio
2- Anarkophobia
3- Amazônia Nunca Mais
4- Sofrer
5- S.O.S. País Falido
6- Morrer
7- Cérebros Atômicos
8- Juventude Perdida
9- Alerta Antifascista
10- Crucificados Pelo Sistema
11- Não Me Importo
12- Caos
13- Conflito Violento
14- Realidades da Guerra
15- Crocodila
16- Ódio e Nada Mais
17- Suposicollor
18- Beber Até Morrer
19- Aids, Pop, Repressão
20- Crianças Sem Futuro

O local Norte Cartel aproveitou para trazer ao palco a participação de ex-integrantes da banda

O local Norte Cartel aproveitou para trazer ao palco a participação de ex-integrantes da banda

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Leonardo Costa em maio 18, 2025 às 10:36
    #1

    Só uma correção: o Ratos de Porão não tocou Realidades da Guerra, de resto tá certo. Mais um show foda deles.

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