O Homem Baile

Arrepiou

Mudhoney passa carreira a limpo, mas exala contemporaneidade em show arregaçador no Circo Voador. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista, guitarrista e líder do Mudhoney, Mark Arm: boa forma em mais um show matador no Rio

O vocalista, guitarrista e líder do Mudhoney, Mark Arm: boa forma em mais um show matador no Rio

Passava quase hora e meia de um show elétrico, repleto de clássicos, e o público, de seu lado, animado que só ele, já tinha se estapeado entre si naquelas inefáveis rodas de danças repletas de empurrões do bem, verdadeiras conexões que o punk rock ensinou e ninguém nunca mais esquece, geração após geração. Farto de tocar guitarra, o líder da banda havia encerrado a primeira parte da noite como vocalista solo, e dos bons. Eis que, de volta ao palco, o quarteto, fincado nas origens do grunge, se embrenha por uma viagem quase stoner rock, de tanto que improvisos instrumentais da pesada são implementados em uma música já longa de fábrica, mas severamente dominada por duelos que extravasam para os números seguintes e culminam em um solo de bateria – acredite se quiser -, antes de um desfecho apoteótico. É assim, arregaçando geral, que o Mudhoney encerra a apresentação deste sábado (22/3), em um Circo Voador cheinho de dar gosto.

No início, não parecia que seria assim. Por que, como em uma armadilha bem armada, o início do show é um tanto morno, com músicas da parte menos acelerada do extenso repertório de uma banda que caminha para completar 40 anos de estrada. E, de um modo geral, mesmo nos momentos mais agitados, eles parecem tocar em uma vibe mais lenta, ainda mais em comparação com a notável apresentação de 2001 na cidade, em um tumultuado e hoje extinto Ballroom, considerada uma das melhores de todas as épocas por essas plagas. O bicho começa a pegar de verdade em porradas como “Into the Drink”, cujo título/refrão explode no gogó da plateia; em “Sweet Young Thing (Ain’t Sweet No More)”, espécie de essência do grunge raiz que chegaria ao mainstream; ou ainda, mais pra frente, em “You Got It”, que desencadeia um tipo de felicidade coletiva no meio do salão difícil de ser ver por aí.

O guitarrista Steve Turner, não muito afeito a solos e exibicionismos, mas bem atento aos detalhes

O guitarrista Steve Turner, não muito afeito a solos e exibicionismos, mas bem atento aos detalhes

O show, embora clássico e necessário por si só, faz parte da turnê de lançamento do álbum mais recente, deles – sim, a banda segue na ativa -, o bom “Plastic Eternity”, lançado há uns dois anos. Dele, são pinçadas cinco faixas, sendo que o público aparentemente já é familiar a todas elas, a julgar pela boa recepção. Caso de “Almost Everything”, com uma pegada mais pop e acessível, que tem a letra cantada aos berros. Ou da graciosa “Tom Herman’s Hermits”, com um arranjo meio diferente da versão do disco, pra botar distraído pra dançar. Aí aparece a destreza do guitarrista Steve Turner, não muito afeito a solos e exibicionismos, mas atento aos detalhes e ótimo contribuinte para o conjunto da obra. Ao lado de Mark Arm, vocalista, também guitarrista e frontman discreto, mas eficiente no modo low profile, forma a dupla que sustenta o Mudhoney, quase sempre longe dos holofotes do grunge e de seu legado no mercadão da música.

De certo modo o show também passa a limpo a carreira da banda, uma vez que apresenta músicas de inúmeras fases, representando vários discos e EPs, inclusive os das antigas, mantendo certa conexão com a realidade do palco para baixo, o que faz a plateia se movimentar, às vezes mais, às vezes menos, o tempo todo. Nota-se, a despeito do público, que não é composto apenas pelos contemporâneos do grupo, de ao menos 30 anos atrás, mas tem uma boa quantidade de gente mais jovem, coisa rara nesses tempos tão estranhos. O que também dificulta o entendimento de o porquê de o Mudhoney seguir com esse séquito fiel de fãs, de todas as origens. O fato de não ter estourado nas paradas como os grandes ícones do grunge dá um status de cult que contribui para a solução do enigma. Mas o amálgama que inclui o punk, o pré-punk, o garage rock e a essência do grunge que produz um som espesso, viscoso, e, na maioria das vezes atraente, é o que mais ajuda a explicar o indecifrável fenômeno.

O baixista Guy Maddison, curioso com o modo peculiar de fazer roda de dança no Circo Voador

O baixista Guy Maddison, curioso com o modo peculiar de fazer roda de dança no Circo Voador

Pensata que seguramente não passa pela cabeça dos fiéis que giram uns atrás dos outros também de um modo peculiar, a ponto de chamar a atenção do baixista Guy Maddison, que comenta com Arm, já na parte final do show. Não há mesmo muito o que pensar enquanto a banda detona clássicos como “Suck You Dry”, única do álbum “Piece of Cake”, de 1992, bem popular no Brasil, com pegada brutal do batera Dan Peters, em um dos grandes momentos da noite. Ou mesmo “Touch Me I’m Sick”, lá do iniciozinho da banda, único momento da noite em que rola stage dive sob a cantoria generalizada. E é assim que se chega no bis arrasador, com a dobradinha “Beneath the Valley of the Underdog”, aquela semi-stoner rock, e “Here Comes Sickness”, aquela outra do solo de bateria, e “In ‘n’ Out of Grace” no meio, ambas citadas lá em cima. O que configura, sem chance de erro, mais uma daquelas noites de almanaque no Circo Voador.

Noite que começou com um ótimo show do Grindouse Hotel, banda paulistana das antigas, mas aparentemente de carreira bissexta. Também associado o grunge, o grupo vai na vertente mais pesada, mais metal lento e arrastado à Black Sabbath/Soundgarden, e menos punk. É o que se vê em músicas como “No Sunrise”, que encerra o show com grandes duelos instrumentais, e “You Stink Mthrfckr”, essa de pegada mais pop/acessível. A banda precisa aparecer mais. Depois, a local Frogslake desafiou a inteligência da plateia ao fazer praticamente um show cover, uma vez que boa parte das músicas lembram clássicos do Nirvana já nos primeiros acordes. Os melhores momentos do show ficam nas partes instrumentais, sobretudo nos efeitos da pedaleira do guitarrista Pletz, o que prova que os caras tocam bem, só precisam quebrar mais a cabeça pra compor com alguma originalidade e largar de vez o cover. Retirar aquele batalhão de fotógrafos do palco também vai ajudar.

Na manha, o preciso baterista Dan Peters teve direito a fazer um solo em pleno bis do Mudhoney

Na manha, o preciso baterista Dan Peters teve direito a fazer um solo em pleno bis do Mudhoney

Set list completo Mudhoney

1- If I Think
2- Move Under
3- Get Into Yours
4- Nerve Attack
5- Into the Drink
6- Almost Everything
7- Good Enough
8- Judgement, Rage, Retribution and Thyme
9- No One Has
10- Sweet Young Thing (Ain’t Sweet No More)
11- Touch Me I’m Sick
12- Little Dogs
13- Real Low Vibe
14- You Got It
15- Suck You Dry
16- Souvenir of My Trip
17- Tom Herman’s Hermits
18- F.D.K. (Fearless Doctor Killers)
19- Oh Yeah
20- Next Time
21- Chardonnay
22- I’m Now
23- Human Stock Capital
24- 21st Century Pharisees
25- One Bad Actor
Bis
26- I Will Fight No More Forever
27- Beneath the Valley of the Underdog
28- In ‘n’ Out of Grace
29- Here Comes Sickness

A linha de frente do Mudhoney, com quase 40 anos de estrada: Guy Maddison, Mark Arm e Steve Turner

A linha de frente do Mudhoney, com quase 40 anos de estrada: Guy Maddison, Mark Arm e Steve Turner

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Fernando Maturana em março 24, 2025 às 11:22
    #1

    Baita texto. Showzaço!!! Mas eu gostaria de ajudar em uma correção. O setlist está incompleto, faltam 3 músicas aí.
    Eu gravei um trecho de cada música para ter o registro histórico do set. Foram 25 músicas no set principal e 4 no Bis. Faltou a faixa 23 que foi Human Stock Capital. O bis começou com a instrumental I Will fight no more forever que quase não é tocada. E teve ainda In ‘n’ Out of Grace.

    23 - Human Stock Capital
    24 - 21st Century Pharisees
    25- One Bad Actor

    Bis:
    26 - I Will fight no More Forever
    27 - Beneath the Valley of the Underdog
    28- In ‘n’ Out of Grace
    29 - Here Comes Sickness

    Abraço!

  2. Marcos Bragatto em março 24, 2025 às 15:56
    #2

    Corrigido, obrigado!

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