Alto clero
Em show concorrido e com grande adesão da plateia, The Cult mostra vitalidade e passa a limpo várias fases da carreira. Fotos: Daniel Croce.
Animada pero no mucho, já que, confirmando o que o vocalista vinha dizendo em entrevistas recentes, embora a turnê se chame “L’America 8525”, ou seja, um giro de 40 anos da banda, o repertório não é do tipo revivalista, mas percorre várias fases da carreira, incluindo o disco mais recente, o bom “Under the Midnight Sun”, de 2022. E aí é que acontecem, por assim dizer, os lapsos de animação. Porque, de um modo geral, fã do Cult ou é conectado com a fase inicial, do pós-punk inglês, na década de 1980, ou com a conversão da banda em hard rock de arena “pra vender na América” já quase nos 90, ou com as duas. Fora isso, a julgar pela reação do público, é quase tudo desconhecido, o que acarreta certas baixas na sequência da apresentação. E ainda inclui músicas que só aparecem em coletâneas como a tribal “The Witch” e “In The Clouds”, essa em exímia batida oitentista da banda e com a característica guitarra, marca registrada do Cult. Abriu muito bem a noite.
E aí a figura nada metafísica, mas concreta e palpável do guitarrista Billy Duffy reluz. Meio acanhado do lado do palco, ele dispara riffs, evoluções e solos de guitarra capazes de turbinar qualquer música menos conhecida, e brilhar ainda mais nos grandes sucessos. Embora subestimado, Duffy é especialista em um som de guitarra bem peculiar, e trafega bem em andamentos mais ordinários também; é tipo pau pra toda obra. A tal batida citada ali em cima é garantida pelo batera John Tempesta, na banda há quase 20 anos, forjado no heavy metal e com serviços prestados em nomes como Exodus, White Zombie e Testament, entre outros. O mais novo na formação atual é o baixista Charlie Jones, músico de estúdio que já gravou com Deus e o mundo. Nada mal, hein.Novidade no repertório é a inclusão do hitaço “Revolution”, que - acredite se quiser – estava fora dos planos há mais de 20 anos. É o segundo grande momento da noite, com toda a plateia cantando a música e Billy Duffy abusando em um solo daqueles de turbinar uma canção que já é do agrado geral por si só. O primeiro é com “Wild Flower”, mais cedo, numa versão aparentemente menos pesada, fato relativizado pelo som do Vivo Rio estar numa daquelas noites ruins, ao menos na região mais próxima do palco; quem sofreu com isso foi o Baroness, no show de abertura (veja como foi). Há espaço para coisas antigas como – quem diria? – “Resurrection Joe”, do primeiro álbum, “Dreamtime” (não seria melhor a faixa-título?), de 1984, lembrando que, há pouco tempo, em 23, o quarteto excursionou pelos rincões britânicos tocando material do Death Cult, que é o Cult antes do Cult; já pensou?
Lamentavelmente um dos três discos não contemplados no show é “Ceremony” (1991), que nem é um discaço, mas tem o rescaldo do blockbuster “Sonic Temple” (1989). Este sim, com as sensacionais “Sweet Soul Sister” e Astbury, facinho distribuindo até suas famosas pandeirolas, – diga-se -, em um esforço danado pra cantar, e o desfecho com “Fire Woman”, de longe a que tem a maior adesão por parte do povaréu; a casa tava cheia mesmo. Faltaram outros hits, sobretudo do sensacional “Love”, de 1985, como “Hollow Man” e “Nirvana”, mas esse foi o disco com mais músicas cedidas à noite, com destaques para “Rain” e – de novo – a engenharia guitarrística de Billy Duffy, e para a sacrossanta “She Sells Sanctuary”. Emendada com “Love Removal Machine” no bis, é o elemento enlouquecedor final que funde os fãs de todas as fases em espécie de sintonia histérica-mística generalizada. É, Ian, é pra agradecer mesmo.Set list completo:
1- In the Clouds
2- Rise
3- Wild Flower
4- Star
5- The Witch
6- Mirror
7- War (The Process)
8- Edie (Ciao Baby)
9- Revolution
10- Sweet Soul Sister
11- Lucifer
12- Resurrection Joe
13- Rain
14- Spiritwalker
15- Fire Woman
Bis
16- Brother Wolf, Sister Moon
17- She Sells Sanctuary
18- Love Removal Machine
Nota: A produção da banda impediu que os fotógrafos trabalhassem próximos ao palco.
Tags desse texto: The Cult