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Alto clero

Em show concorrido e com grande adesão da plateia, The Cult mostra vitalidade e passa a limpo várias fases da carreira. Fotos: Daniel Croce.

O xamânico-monge-sacerdote ou seja lá que for Ian Astbury no comando do show do The Cult no Rio

O xamânico-monge-sacerdote ou seja lá que for Ian Astbury no comando do show do The Cult no Rio

O show já terminou, todos os músicos, cansados, suados, saíram, exceto um. Como um sacerdote, ajoelhado na frente do pedestal do microfone, na beirada do palco, ele ergue os braços com as mãos juntas, como o emoji de agradecimento aos céus. O figurino inclui espécie de saia calça, uma bandana na cabeça que quase lhe cobre os olhos, maquiados de vermelho cor de sangue, cordão de contas, meiões e botas. Antes do início, um insuspeito roadie distribui rajadas de incenso a torto e a direito sobre todo o equipamento e até em cima do público que se assanha na beirada do palco. Entre uma cena e outra, 18 músicas que varrem a carreira de 40 anos do The Cult, com o xamânico-monge-sacerdote ou seja lá que for Ian Astbury no comando da animada turba em um Vivo Rio com bom comparecimento de público, neste sábado (22/2), no Rio.

Animada pero no mucho, já que, confirmando o que o vocalista vinha dizendo em entrevistas recentes, embora a turnê se chame “L’America 8525”, ou seja, um giro de 40 anos da banda, o repertório não é do tipo revivalista, mas percorre várias fases da carreira, incluindo o disco mais recente, o bom “Under the Midnight Sun”, de 2022. E aí é que acontecem, por assim dizer, os lapsos de animação. Porque, de um modo geral, fã do Cult ou é conectado com a fase inicial, do pós-punk inglês, na década de 1980, ou com a conversão da banda em hard rock de arena “pra vender na América” já quase nos 90, ou com as duas. Fora isso, a julgar pela reação do público, é quase tudo desconhecido, o que acarreta certas baixas na sequência da apresentação. E ainda inclui músicas que só aparecem em coletâneas como a tribal “The Witch” e “In The Clouds”, essa em exímia batida oitentista da banda e com a característica guitarra, marca registrada do Cult. Abriu muito bem a noite.

O subestimado guitarrista Billy Duffy: especialista em tirar um som de guitarra bastante peculiar

O subestimado guitarrista Billy Duffy: especialista em tirar um som de guitarra bastante peculiar

E aí a figura nada metafísica, mas concreta e palpável do guitarrista Billy Duffy reluz. Meio acanhado do lado do palco, ele dispara riffs, evoluções e solos de guitarra capazes de turbinar qualquer música menos conhecida, e brilhar ainda mais nos grandes sucessos. Embora subestimado, Duffy é especialista em um som de guitarra bem peculiar, e trafega bem em andamentos mais ordinários também; é tipo pau pra toda obra. A tal batida citada ali em cima é garantida pelo batera John Tempesta, na banda há quase 20 anos, forjado no heavy metal e com serviços prestados em nomes como Exodus, White Zombie e Testament, entre outros. O mais novo na formação atual é o baixista Charlie Jones, músico de estúdio que já gravou com Deus e o mundo. Nada mal, hein.

Novidade no repertório é a inclusão do hitaço “Revolution”, que - acredite se quiser – estava fora dos planos há mais de 20 anos. É o segundo grande momento da noite, com toda a plateia cantando a música e Billy Duffy abusando em um solo daqueles de turbinar uma canção que já é do agrado geral por si só. O primeiro é com “Wild Flower”, mais cedo, numa versão aparentemente menos pesada, fato relativizado pelo som do Vivo Rio estar numa daquelas noites ruins, ao menos na região mais próxima do palco; quem sofreu com isso foi o Baroness, no show de abertura (veja como foi). Há espaço para coisas antigas como – quem diria? – “Resurrection Joe”, do primeiro álbum, “Dreamtime” (não seria melhor a faixa-título?), de 1984, lembrando que, há pouco tempo, em 23, o quarteto excursionou pelos rincões britânicos tocando material do Death Cult, que é o Cult antes do Cult; já pensou?

O cascudo baterista John Tempesta, forjado no heavy metal, e Ian Astbury com a famosa pandeirola

O cascudo baterista John Tempesta, forjado no heavy metal, e Ian Astbury com a famosa pandeirola

Lamentavelmente um dos três discos não contemplados no show é “Ceremony” (1991), que nem é um discaço, mas tem o rescaldo do blockbuster “Sonic Temple” (1989). Este sim, com as sensacionais “Sweet Soul Sister” e Astbury, facinho distribuindo até suas famosas pandeirolas, – diga-se -, em um esforço danado pra cantar, e o desfecho com “Fire Woman”, de longe a que tem a maior adesão por parte do povaréu; a casa tava cheia mesmo. Faltaram outros hits, sobretudo do sensacional “Love”, de 1985, como “Hollow Man” e “Nirvana”, mas esse foi o disco com mais músicas cedidas à noite, com destaques para “Rain” e – de novo – a engenharia guitarrística de Billy Duffy, e para a sacrossanta “She Sells Sanctuary”. Emendada com “Love Removal Machine” no bis, é o elemento enlouquecedor final que funde os fãs de todas as fases em espécie de sintonia histérica-mística generalizada. É, Ian, é pra agradecer mesmo.

Set list completo:

1- In the Clouds
2- Rise
3- Wild Flower
4- Star
5- The Witch
6- Mirror
7- War (The Process)
8- Edie (Ciao Baby)
9- Revolution
10- Sweet Soul Sister
11- Lucifer
12- Resurrection Joe
13- Rain
14- Spiritwalker
15- Fire Woman
Bis
16- Brother Wolf, Sister Moon
17- She Sells Sanctuary
18- Love Removal Machine

Nota: A produção da banda impediu que os fotógrafos trabalhassem próximos ao palco.

Caçula da atual formação do The Cult, o discreto baixista Charlie Jones cumpre bem o papel

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