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Tocando cedo como banda de abertura para a Plebe Rude, Zero reúne grande público e vibra com cantoria generalizada. Fotos: Nem Queiroz.
O sujeito mais atento pensa que a descrição ali em cima se referiria à “Agora Eu Sei”, um dos maiores hits do rock dos anos 80 e que tem, na gravação do disco “Passos no Escuro”, a participação de Paulo Ricardo, do RPM, então o grande rockstar do momento. Seria um pouco chover no molhado, mas isso é outra conversa. E se o show da Plebe tem como mote o aniversário de 40 anos do disco “O Concreto Já Rachou”, do mesmo ano de 1986, o Zero toca a íntegra do tal “Passos no Escuro”, pelas mesmas razões. Isnard, o único remanescente da época, comanda uma boa banda que consegue sustentar bem o show, muito embora careça de mais rodagem; o Zero precisa voltar a ter uma carreira. Nesse cenário, com a voz incrivelmente em dia, Guilherme Isnard seguramente representa o legado da banda.
Banda que, nessa versão, a julgar pelo show de hoje, sai um pouco da ênfase na bateria eletrônica de peças geométricas e dos teclados mezzo new wave, mezzo new romantic da época. Mas o tecladista Caius Marins sabe em que terreno está pisando e vai muito bem nos climas que músicas como “Cada Fio Um Sonho”, por exemplo, pedem. Aí o papel do guitarrista Daniel Viana aparece, seja preenchendo espaços ou como protagonista em solos, caso de “A Culpa Não é do Amor”, do álbum “Quinto Elemento”, de 2007; sim, o Zero em discografia para além da década de 80. Tem inclusive música recente, por assim dizer, a boa “Labirinto 21”, de 2018. Com saliente linha de baixo, refrão cativante e bom andamento, não deve nada ao repertório clássico. Completam a formação atual (ou seria só para esse show?) o bom baterista Gustavo Wermelinger e o preciso baixista Nivaldo Ramos.
Teve, claro, “Heróis” (pouco reconhecida pelo público, é verdade), primeiro single da banda e arroz de festa na programação da Fluminense FM. Mas o que interessa, vamos e venhamos, são as músicas do disco de estreia, “Passos no Escuro”, o tal quarentão, na verdade um EP com seis faixas. A que menos aparece em shows da banda, segundo Isnard, como se o Zero tocasse a torto e a direito, é “Quero te Contar”, do verso “melhor falar de amor do que dos vícios do poder”, que entra no clima da observação versus aplauso da plateia de teatro. Talvez o enigma do público farto, mas sem participar tanto, seja decifrado pelo fato de poucos terem visto o Zero ao vivo nesses mais de 40 anos. E olha que, com o perdão da indiscrição, era noite para 40 + no Circo Voador. Tanto que o que mais se vê, desde cedo, nos intervalos e no fim de festa, é um intenso “beija mão” do DJ Edinho, essa verdadeira entidade rock’n’roll através dos anos. Público qualificado, de iniciados, sim, enfim, temos.Não havia, contudo, ali naquele Circo Voador lotado, e mesmo nos arredores, da dona do estabelecimento móvel debaixo dos arcos, ao espremedor de limões de caipirinha de 750 mililitros, quem não cantasse, a plenos pulmões, cada verso de “Agora Eu Sei”; sim o tempo voa, e essa é a “outra conversa” dita lá em cima. Durante o show, Guilherme Isnard ironizou ao chamar Paulo Ricardo de “aquele menino” mais de uma vez, fruto do desencanto ao saber que ele regravou a música sem pedir autorização aos autores. Mas Isnard sabe a força de um hit, e deixa a plateia cantar sozinha, quase à capela, o tempo todo. O que não chega a ser uma novidade, mas não custa renovar os votos. Agora, depois dessa espécie de reencontro com um grande público, cabe a Isnard e ao seu Zero seguirem fazendo shows de 40 anos do “Passos no Escuro”. O tempo voa e a gente sabe.
Set list completo
1- Centúrias
2- Labirinto 21
3- Cada Fio Um Sonho
4- Sem Pudor
5- A Culpa Não é do Amor
6- Passos no Escuro
7- Quero te Contar
8- Formosa
9- Gravidade Zero
10- Heróis
11- Os Olhos Falam
12- Abuso de Poder
13- Agora Eu Sei
14- Quimeras
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