O Homem Baile

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Tocando cedo como banda de abertura para a Plebe Rude, Zero reúne grande público e vibra com cantoria generalizada. Fotos: Nem Queiroz.

O vocalista e comandante do legado do Zero, Guilherme Isnard, vestindo a camisa da banda no Circo

O vocalista e comandante do legado do Zero, Guilherme Isnard, vestindo a camisa da banda no Circo

Já passa da metade da apresentação e a plateia, em bom número, parece ser do tipo contemplativa, daquelas de teatro, que faz da observação a principal característica e deixa para o final, quase sempre, o aplauso. É apenas a banda de abertura, mas surpreendentemente tem gente à beça interessada, um público maior que o de muita banda de fundo por aí, para – repita-se - olhar e aplaudir. Isso até o vocalista, um imponente homenzarrão, dar a senha: “essa eu sei que vocês gostam”. E aí faz-se a magia do hit, da canção, do sucesso, com todo mundo cantando tudo até explodir em um conhecido refrão, a ponto de o tal cantor pedir para os músicos abaixarem o volume e deixar a cantoria tomar conta. A música é “Formosa”, e assim Guilherme Isnard e o Zero se descobrem queridos no Circo Voador, na última sexta (7/2), em show de abertura para a Plebe Rude (veja como foi).

O sujeito mais atento pensa que a descrição ali em cima se referiria à “Agora Eu Sei”, um dos maiores hits do rock dos anos 80 e que tem, na gravação do disco “Passos no Escuro”, a participação de Paulo Ricardo, do RPM, então o grande rockstar do momento. Seria um pouco chover no molhado, mas isso é outra conversa. E se o show da Plebe tem como mote o aniversário de 40 anos do disco “O Concreto Já Rachou”, do mesmo ano de 1986, o Zero toca a íntegra do tal “Passos no Escuro”, pelas mesmas razões. Isnard, o único remanescente da época, comanda uma boa banda que consegue sustentar bem o show, muito embora careça de mais rodagem; o Zero precisa voltar a ter uma carreira. Nesse cenário, com a voz incrivelmente em dia, Guilherme Isnard seguramente representa o legado da banda.

Banda que, nessa versão, a julgar pelo show de hoje, sai um pouco da ênfase na bateria eletrônica de peças geométricas e dos teclados mezzo new wave, mezzo new romantic da época. Mas o tecladista Caius Marins sabe em que terreno está pisando e vai muito bem nos climas que músicas como “Cada Fio Um Sonho”, por exemplo, pedem. Aí o papel do guitarrista Daniel Viana aparece, seja preenchendo espaços ou como protagonista em solos, caso de “A Culpa Não é do Amor”, do álbum “Quinto Elemento”, de 2007; sim, o Zero em discografia para além da década de 80. Tem inclusive música recente, por assim dizer, a boa “Labirinto 21”, de 2018. Com saliente linha de baixo, refrão cativante e bom andamento, não deve nada ao repertório clássico. Completam a formação atual (ou seria só para esse show?) o bom baterista Gustavo Wermelinger e o preciso baixista Nivaldo Ramos.

Vista geal do show do Zero, com grande presença de público, mesmo cedo, como banda de abertura

Vista geal do show do Zero, com grande presença de público, mesmo cedo, como banda de abertura

Teve, claro, “Heróis” (pouco reconhecida pelo público, é verdade), primeiro single da banda e arroz de festa na programação da Fluminense FM. Mas o que interessa, vamos e venhamos, são as músicas do disco de estreia, “Passos no Escuro”, o tal quarentão, na verdade um EP com seis faixas. A que menos aparece em shows da banda, segundo Isnard, como se o Zero tocasse a torto e a direito, é “Quero te Contar”, do verso “melhor falar de amor do que dos vícios do poder”, que entra no clima da observação versus aplauso da plateia de teatro. Talvez o enigma do público farto, mas sem participar tanto, seja decifrado pelo fato de poucos terem visto o Zero ao vivo nesses mais de 40 anos. E olha que, com o perdão da indiscrição, era noite para 40 + no Circo Voador. Tanto que o que mais se vê, desde cedo, nos intervalos e no fim de festa, é um intenso “beija mão” do DJ Edinho, essa verdadeira entidade rock’n’roll através dos anos. Público qualificado, de iniciados, sim, enfim, temos.

Não havia, contudo, ali naquele Circo Voador lotado, e mesmo nos arredores, da dona do estabelecimento móvel debaixo dos arcos, ao espremedor de limões de caipirinha de 750 mililitros, quem não cantasse, a plenos pulmões, cada verso de “Agora Eu Sei”; sim o tempo voa, e essa é a “outra conversa” dita lá em cima. Durante o show, Guilherme Isnard ironizou ao chamar Paulo Ricardo de “aquele menino” mais de uma vez, fruto do desencanto ao saber que ele regravou a música sem pedir autorização aos autores. Mas Isnard sabe a força de um hit, e deixa a plateia cantar sozinha, quase à capela, o tempo todo. O que não chega a ser uma novidade, mas não custa renovar os votos. Agora, depois dessa espécie de reencontro com um grande público, cabe a Isnard e ao seu Zero seguirem fazendo shows de 40 anos do “Passos no Escuro”. O tempo voa e a gente sabe.

Set list completo

1- Centúrias
2- Labirinto 21
3- Cada Fio Um Sonho
4- Sem Pudor
5- A Culpa Não é do Amor
6- Passos no Escuro
7- Quero te Contar
8- Formosa
9- Gravidade Zero
10- Heróis
11- Os Olhos Falam
12- Abuso de Poder
13- Agora Eu Sei
14- Quimeras

Guilherme Isnard de braços abertos no palco: que voe e siga mostrando a obra do Zero pra todo mundo

Guilherme Isnard de braços abertos no palco: que voe e siga mostrando a obra do Zero pra todo mundo

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