Salvador
Guitarrista Steve Lukather comanda grandes músicos e dá up grade ao repertório pueril do Toto, em noite de ‘memórias adultas’ no Rio. Fotos: Daniel Croce.
Difícil explicar o Toto e sua longevidade sem citar o abominável termo AOR, como se fosse possível um tipo de música somente para adultos, mas o fato é que a mistura frouxa de soft rock, hard rock e rock progressivo perdura por todos esses anos, com grandes e populares hits que, embora tocados por grandes músicos, carecem, de um modo geral, de bom gosto. Não por acaso, dois dos melhores números da noite são covers de Jimi Hendrix e Beatles. Do guitarrista número um de todos os tempos, “Little Wing” começa em formato de trio e é terreno fértil para Lukather debulhar a guitarra como poucos fazem ao tocar esse clássico atemporal. E “With a Little Help From My Friends”, dos Fab Four, no modo Joe Cocker, com ótimas vocalizações que sustentam a voz principal de Joseph Williams, é de uma beleza transcendental. As duas trazem espécie de élan Woodstock ao ambiente que impressiona.
Os vocais citados ali em cima são uma constante no show. É impressionante como todos os sete músicos têm sensibilidade e afinação para acompanhar cada canção, e – repita-se – ainda que Steve Lukather seja notável destaque, todos têm grande história na própria banda ou no mercado fonográfico. Assim, além de pequenos causos contados no início de cada música, em “Dying on My Feet”, cantada pelo tecladista Greg Phillinganes, cada um deles é apresentado com trechos de músicas de sucesso das quais participou. E aí é um pedacinho de “Beat It”, de Michael Jackson, de um lado, outro de “The Power O Love”, o tema de “De Volta Para o Futuro”, de Huey Lewis and the News, de outro, e assim por diante. É o currículo ao vivo e a cores, em cima do palco. Não é à toa que o Toto é, também, adorado por músicos e estudantes de música; Lukather inclusive pergunta quem é do ramo no meio da plateia.Mesmo o caçula da turma, o outro tecladista, Dennis Atlas, vai muito bem e ainda canta como vocalista solo em “I’ll Supply the Love”, uma daquelas músicas ruins do Toto que funcionam bem à beça. O show começa meio sem pressão, som baixo, em ajuste, com a insossa “Girl Goodbye”, mas logo a coisa melhora com o riff de guitarra de “Hold the Line” - essa ótima - , logo em seguida, na qual Steve Lukather mostra um saboroso cartão de visitas. O show faz parte da turnê “The Dogz of Oz”, que está rolando desde 2022, e não tem muita variação em termos de repertório de uma noite para a outra. A novidade, por assim dizer, é a inclusão, a partir desse ano, de “A Thousand Years”, faixa meio esquecida do álbum “The Seventh One”, de 1988, baladaça que o público realmente não conhece muito. É um repertório de clássicos, sendo que a música mais nova tocada é a boa “Burn”, do álbum “Toto XIV”, lançado há quase 10 anos.
Em cerca de 2h10, a apresentação tem espaço para dois movimentos solo. Um comum, com poucas variações, do baterista Shannon Forrest, e outro de Phillinganes, que, esperto, toca trechos de “I Won’t Hold You Back”, do próprio Toto, e ouve suave cantoria por parte da plateia. Outros destaques são “Jake to the Bone”, sensacional instrumental que tem boas performances de todos os músicos (até o saxofone Warren Ham não chateia) e arranca aplausos logo na primeira parte do show, e a já citada “I’ll Be Over You”, que o público adora. Mas o que todos esperavam mesmo era o desfecho com a dobradinha “Rosanna”, o suprassumo da cafonice das antigas FMs adultas, e “Africa”, um hit incrustrado nas cabeças de todos nas civilizações contemporâneas, e que – honra seja feita – precisa ser ouvido, visto e sentido ao ser tocado ao vivo por quem o compôs. Aí, sim, virou baile. E dos bons.Atração surpresa da noite, a banda liderada por Saudade (nome artístico de Saulo von Seehausen), do interior do Rio, tocou por cerca de meia hora. A banda é espécie de mistura de mpb com soft rock, cuja falta de pegada flerta com os herdeiros de Los Hermanos e adjacências. Tem também influências de soul music, realçada na música que encerrou o show. Aparentemente com muitos sons pré-gravados, parece ter um cuidado com arranjos difícil de reproduzir ao vivo. Completamente desconhecido do público, usou o cover de “Meu Mundo e Nada Mais”, de Guilherme Arantes, pra conseguir alguma interação com o público. Tinha melhores dele prra escolher, mas o artifício, de fato, funcionou.
Set list completo Toto1- Girl Goodbye
2- Hold the Line
3- 99
4- Pamela
5- Jake to the Bone
6- Solo teclado
7- Burn
8- I’ll Be Over You
9- Stop Loving You
10- Little Wing
11- Solo bateria
12- I’ll Supply the Love
13- A Thousand Years
14- Georgy Porgy
15- Dying on My Feet
16- Home of the Brave
17- With a Little Help From My Friends
18- Rosanna
19- Africa