O Homem Baile

Se superou

Ratos de Porão só não rouba a cena como abertura porque Napalm Death é Napalm Death; Ação Direta tem performance explosiva no início. Fotos: Daniel Croce.

Mostrando boa forma aos 60, João Gordo lidera o Ratos de Porão em ótima performance no Circo Voador

Mostrando boa forma aos 60, João Gordo lidera o Ratos de Porão em ótima performance no Circo Voador

Certeza na cabeça de quem passa pelas catracas do Circo Voador e vai para debaixo da lona em direção ao palco só existe uma: jamais se viu um show ruim do Ratos de Porão ali em cima. Mas, se existem noites melhores que as outras, podem anotar no caderninho que a desta quarta (23/10), fazendo a abertura para o Napalm Death (veja como foi) é uma delas. Pode ser o som no talo, bem equalizado que faz cada instrumento bem audível. Ou a boa forma dos integrantes, sendo dois deles sexagenários. Ou o repertório bem distribuído pela longa discografia. Ou o engajamento do público, que conhece cada nota, cada letra cuspida com arame farpado por João Gordo. Ou tudo isso junto em uma noite em que a banda, definitivamente, se superou.

Pode ser por causa da imagem que marca a noite e fica gravada na cabeça da gente. Uma verdadeira farra na beirada de palco protagonizada por Jão, forjado no punk na prática, debulhando a guitarra alucinadamente com o pé no retorno, ao lado do baixista Juninho, perseguindo o andamento acelerado como pode, e Gordo endemoniado em espécie de “air guitar from hell” de cair o queixo. Acontece várias vezes, sobretudo em músicas em que o metal pesou mais no crrossover único desenvolvido pela banda ao longo de tantos anos. Dá pra citar, entre outras, “Lei do Silêncio”; “Morte ao Rei”, que segundo Gordo tem tudo a ver com o inelegível; e “Crise Geral”, talvez a música mais espetacular da banda, no encerramento mais que perfeito.

Jão, membro fundador do Ratos de Porão, debulha a guitarra que aprendeu a tocar na raça

Jão, membro fundador do Ratos de Porão, debulha a guitarra que aprendeu a tocar na raça

Ou seria por conta do bloco “porrada pura ultra veloz” com umas oito músicas em menos de cinco minutos, incluindo “V.C.D.M.S.A.”, “Caos”, “Crucificados Pelo Sistema” e “Descanse em Paz” (dedicada sutilmente a Paul Di’Anno)? Um momento em que a plateia mais se bate ao redor do palco, e, para surpresa dos incautos, cantando/vociferando as letras na ponta da língua, e não só nessa ou aquela música, mas o tempo todo. Que o diga os punhos erguidos em coreografia ensaiada de “Eu Não Sei”; o cantarolar aos berros de “Amazônia Nunca Mais”; e até os versos/refrães repetidos a plenos pulmões das recentes “Alerta Antifascista” e “Aglomeração”, um dos mais fiéis retratos do Brasil pandêmico entregue a negacionistas.

Quem sabe o fato de estar em um evento em que a banda de fundo é o Napalm Death, referência do ramo e ao mesmo tempo de certa maneira contemporânea do Ratos é que faz os caras entrarem com o chamado sangue nos olhos? Em meio a rodas de dança e stage diving sem fim, ficaram para o arremate do show verdadeiros hits underground que enlouquecem um público nada calmo: “Aids, Pop, Repressão”, na versão “pop rapcore”; “Beber Até Morrer”, tida como uma ode à bebedeira embora a letra tenha viés contrário; e a já citada “Crise Geral”, quando o batera Boka, no final do show – repita-se – coloca todos para apostar corrida com ele. Respostas à parte, o fato é que, com um arregaço desses, poderia ter ficado ruim para o Napalm Death. Mas, sabemos todos, Napalm Death é Napalm Death.

Gordo se esgoela à frente do baterista Boka, que toca com impressionantes precisão e velocidade

Gordo se esgoela à frente do baterista Boka, que toca com impressionantes precisão e velocidade

No início da noite, ainda com o público chegando, outro veterano da cena, o Ação Direta, do ABC, fez uma apresentação explosiva, dentro do possível. Em cerca de 40 minutos o quarteto enfileirou porradas do hardcore raiz, às vezes mais crossover, noutras mais metal, com grande intensidade e uma música praticamente emendada na outra. As que mais se destacaram foram “Entre a Bênção e o Caos”, faixa título do álbum de 1997, um dos mais proeminentes da banda, aqui tocada em uma velocidade abissal; a atualíssima “Imbecilidade da Raça; e “Nunca Mais”, essa um pouco mais cadenciada, mas pesada mesmo assim, que remete aos anos de chumbo o Brasil. Um pena que em 37 anos de estrada essa seja apenas a segunda passagem da banda pela Cidade e a primeira pelo Circo Voador. Mas antes tarde que mais tarde.

Set list completo Ratos de Porão

1- Alerta Antifascista
2- Aglomeração
3- Amazônia Nunca Mais
4- Farsa Nacionalista
5- Morte ao Rei
6- Ignorância
7- Lei do Silêncio
8- Satanic Bullshit
9- Bad Trip
10- Morrer
11- Mad Society
12- Crianças Sem Futuro
13- Crucificados Pelo Sistema
14- Descanse em Paz
15- V.C.D.M.S.A.
16- Guerrear
17- Políticos em Nome do Povo…
18- Caos
19- Realidades da Guerra
20- Igreja Universal
21- Herança
22- Aids, Pop, Repressão
23- Beber Até Morrer
24- Crise Geral

O trio de frente que barbariza na beirada do palco: Jão, João Gordo e o saltitante baixista Juninho

O trio de frente que barbariza na beirada do palco: Jão, João Gordo e o saltitante baixista Juninho

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Leonardo Costa em outubro 24, 2024 às 19:17
    #1

    Mais uma noite daquelas no Circo Voador. Ratos sempre entregando tudo e Napalm Death brutalíssimo, saí com os ouvidos zunindo do som nas alturas. Peguei o final do show do Ação Direta e foi bom ver uma banda tão longeva da música pesada nacional ainda com lenha pra queimar e entregando um bom show. Parabéns à produção pela pontualidade nos shows e equipe técnica, que entregou um som excelente.

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