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Beleza sônica e libertária

Em noite de música extrema, Napalm Death distribui histórico de esporro, violência sonora e conscientização. Fotos: Daniel Croce.

O vocalista do Napalm Death, Mark “Barney” Greenway, em boa forma física e habitual verve afiada

O vocalista do Napalm Death, Mark “Barney” Greenway, em boa forma física e habitual verve afiada

“É o mais perto que se pode chegar de uma beleza sônica”, anuncia de antemão o vocalista. E o que se vê em seguida, guardadas as devidas proporções, é talvez o lugar mais próximo de uma música acessível e agradável que a banda pode chegar. Desde a levada de bateria mais lenta, mas não menos pesada, passando pela voz do baixista, que – coisa rara – inicia cantando sozinho, e pelos vocais quase limpos do cantor principal, até chegar a um refrão colante – quase pop, vá lá – que ressalta essa “merda de planeta”, tudo soa realmente belo. E sônico. E barulhento pra cacete. E é assim que o veterano Napalm Death apresenta a música razoavelmente nova “Amoral”, em um Circo Voador cheinho de dar gosto, nesta quarta, 23/10, no Rio.

Polaroide que, envolta em um combo de cerca de 70 minutos de pura grosseria, não chega a fazer tanta diferença assim, ainda mais para um público que não cansa de se estapear no meio do salão, em interação primitivamente física. É paulada na moleira, na orelha, na cara, nos cornos, sem dó. Mas nem é só isso, porque o Napalm Death é, acima de tudo, uma banda libertária, subversiva e que incomoda. Por isso as falas de Mark “Barney” Greenway, o tal vocalista, explicam o caráter da banda, desenhadinho pra todo mudo entender. Tem cuidado com refugiados, apelos antifascistas, gritos a favor da inclusão social sem preconceitos (“humanos são humanos”) e por aí vai, tudo já tratado em uma ou outra música há 30, 40 anos! E sem soar chato e panfletário, já que Barney desenvolve uma língua própria, meio inglês roots, meio português com sotaque italiano, meio espanhol; é divertido, até.

O baixista Shane Embury, o mais antigo na banda, debulha as cordas velozmente, ao lado de Barney

O baixista Shane Embury, o mais antigo na banda, debulha as cordas velozmente, ao lado de Barney

“Amoral” é uma das cinco músicas do álbum mais recente da banda, “Throes of Joy in the Jaws of Defeatism”, lançado em 2020, incluídas no show. Todas já bem conhecidas pelo público, com destaque para a dobradinha “Backlash Just Because”/“Fuck the Factoid”, sobretudo esta última, que arranca aplausos no final. Do clássico disco de estreia deles, “Scum”, de 1987, que não tem a participação de nenhum integrante da atual formação, entram outras cinco músicas, quatro delas em um único bloco. Mas quem piscar, perde ao menos uma delas, e não é força de expressão, não. “You Suffer” aparece do nada e vai embora em menos de cinco segundos, quando Barney, esguio que só ele e gaiato, faz a careta de quem diz: “Pegaram essa?”. O mesmo acontece com “Dead”, essa do álbum “From Enslavement to Obliteration”, o segundo, de 1988. Piscou? Perdeu!

O disco é o que marca a estreia do baixista Shane Embury, hoje o integrante mais antigo na banda, e que, como circulou muito na época pelo Brasil, está no gosto e na memória do público, que se acaba pra valer quando a faixa-título é tocada, já no começo da noite. O mesmo acontece com a pedrada “Suffer the Children”, do disco “Harmony Corruption” (1990), outro bem conhecido por aqui. A música gera uma roda de dança violenta e tem até um fã que sobe no palco para saltar sobre o público dividindo os vocais com Barney, com o gogó “afinado” para a ocasião. É também uma das melhores performances do guitarrista John Cooke, que já há tempos atua nas turnês da banda, enquanto o titular Mitch Harris “apenas” cuida da família (sim, tem isso) e grava os discos.

O guitarrrista de turnês do Napalm Death, John Cooke, dando sua contrribuição vocal no show

O guitarrrista de turnês do Napalm Death, John Cooke, dando sua contrribuição vocal no show

A música mais nova do repertório do show, contudo, é “Resentment Always Simmers”, faixa-título do EP de 2022. Densa e arrastada, tem o groove da guitarra de Cooke e boa participação do baterista Danny Herrera, cuja mão pesada e veloz chama a atenção durante toda a noite. Que o digam os dedos ágeis de Embury ao tentar acompanhá-lo – com sucesso, diga-se - nas cordas do baixo. “Nazi Punks Fuck Off”, cover do Dead Kennedys, mas que é desde quase sempre um clássico do Napalm Death, é presença certa e garantia de agitação já na parte final do show, dessa vez com o plus do grito espontâneo da plateia contra o inelegível, que até Barney já conhece e se regozija. O desfecho com a sombria “Contemptuous” até parece marcha fúnebre, mas é só a deixa para o retorno da banda o mais rápido possível. Que assim seja.

Set list completo

1- From Enslavement to Obliteration
2- Taste the Poison
3- Next on the List
4- Contagion
5- Rise Above
6- Resentment Always Simmers
7- That Curse of Being in Thrall
8- Amoral
9- If the Truth Be Known
10- Backlash Just Because
11- Fuck the Factoid
12- Suffer the Children
13- Mass Appeal Madness
14- Scum
15- M.A.D.
16- Success?
17- You Suffer
18- The Code Is Red… Long Live the Code
19- Dead
20- Nazi Punks Fuck Off
21- Instinct of Survival
22- Contemptuous

O baterista Danny Herrera, cuja mão pesada e veloz chama a atenção durante toda a noite

O baterista Danny Herrera, cuja mão pesada e veloz chama a atenção durante toda a noite

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Leonardo Costa em outubro 24, 2024 às 19:19
    #1

    Pra mim foi o show do ano até agora. Gosto da banda e nunca tinha visto, foi um arregaço do começo ao fim. Barney em grande forma e Shane, Danny e John descendo a mão nos instrumentos.

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