Entre amigos
Eric Clapton ajunta grandes músicos, se mistura e se destaca ao mesmo tempo em show com repertório clássico, virtuose e muito bom gosto. Fotos: Carlos Elias Junior/Divulgação.
Síntese porque, a bem da verdade, nas cerca de 1h40min de show, é o que acontece em cada uma das 15 músicas apresentadas, com um generoso Clapton abrindo espaço para que os demais músicos se desenvolvam em seus respectivos instrumentos. É no primeiro trilar de guitarra dele, contudo, ao iniciar o solo de “Sunshine OF Your Love”, clássico do Cream, que a plateia se derrete já em aplausos, reconhecendo ali um jeito de tocar e de tirar som de uma guitarra que só Eric Clapton tem. Esperto, o público (cerca de 13500 pessoas, segundo a produção do show) conhece boa parte das músicas e canta junto não só nos maiores sucessos, mas em quase toda a noite. Como acontece já há alguns anos, o show é mais cadenciado e menos intenso, com o repertório apresentado em uma rotação mais baixa, mas é o que se pode ter de uma artista com mais de 60 anos de estrada e prestes a completar 80 primaveras.
Repertório que é mais ou menos o mesmo que ele vem tocando já há algum tempo, e tem como novidade a inclusão de “Got to Get Better in a Little While”, nem sempre tocada, que é um verdadeiro deleite pela surpresa e pelo arremate de guitarras solando em profusão, com brilho de Clapton de Doyle Bramhall II, o tal canhotinho citado lá em cima. Em compensação, o set list tem três músicas a menos em relação à abertura da turnê, em Buenos Aires, e uma a menos que o show de Curitiba. Até a nova “The Call” que está no novo disco do guitarrista, “Meanwhile”, a ser lançado mês que vem, dançou. A grande ausência, no entanto, é “Layla”, dona de um dos maiores riffs de guitarras de todas as épocas, que o público ficou pedindo aos berros depois do final da apresentação. A música raramente é tocada, muito menos em sua versão eletrificada. Uma pena, Sir Clapton.
Mas o riff de “Cocaine” - esse sim! - está ali, no fechamento do show e com um início meio jam, meio despretensioso, como tem ocorrido nos últimos tempos, o que tira um pouco do impacto inicial, mas o público, familiarizado, reconhece mesmo assim. Não parece ser uma das que a banda mais se diverte, mas a versão é mais alongada, com destaque – de novo – para o pianista Tim Carmon, aquele que troca o piano por um tecladinho que parece de brinquedo, mas faz um estrago danado. Em “Key to the Highway”, ainda no início do show, ele tem como contraponto o tecladista Chris Stainton, que, do alto dos seus 80 anos, se impõe em sensacionais duelos que culminam com aquele citado lá em cima, em “Little Queen of Spades”. Nessas horas, Clapton, por alguns minutos – quem diria – parece reles coadjuvante.
Mas não é, e a apresentação é toda marcada por grande emoção porque - todos sabem - essa deve ser a última oportunidade de ver o Deus da guitarra ao vivo. A rigor, essa turnê pela América do Sul já é uma grande surpresa, uma vez que o próprio Clapton, que sofre com dores nas articulações, por conta de uma doença degenerativa, já anunciara que faria menos show e só tocaria em circunstâncias especiais, não muito longe de casa. A julgar por essa noite, e com a ajuda dos closes em suas calejadas mãos nos telões, parece em boa forma. Tanto que não se omite em solos sobre solos, e brilha especialmente em “I’m Your Hoochie Coochie Man”, com ótimo desfecho ainda na primeira parte, e na dramática “Old Love”, um dos momentos de grande aplauso e adesão por parte do público.O show engrena mais na segunda parte, primeiro porque o som começa meio baixo, e depois porque há um “set acústico” de cinco músicas no meio. Sempre desnecessário, mas admissível no caso de Clapton porque: a) Um dos seus discos mais vendidos é nesse formato, e o povo ama a melosa “Tear in Heaven; b) Ele tem quase 80 anos; e c) O tal set até que é meio elétrico, vide os solos de Bramhall II. A disposição do palco, com um cenário composto por sete postes de luz, e iluminação vindo de “caixas de luzes” brancas erguidas bem lá no alto, também contribui para um certo clima intimista, em uma paisagem de palco realmente tocante. E os vocais de apoio de Katie Kissoon e de Sharon White, além da ajuda do baixista Nathan East, parceiro de longa data, ajudam um bocado o gogó cansado, mas ok, de Clapton. Completa a banda o batera Sonny Emory.
No bis, como tem acontecido em toda a turnê, o guitarrista Gary Clark Jr., que já havia arrebentado no show de abertura (veja como foi), sobe ao palco para fazer uma terceira guitarra em “Before You Accuse Me”. E aí sim tudo vira improvisação e diversão, com cada qual tendo o momento solo sem desperdício de virtuose e, ao mesmo tempo, simplicidade em evoluções cativantes para um público que parece do ramo e aproveita bem. Muito embora permaneça frustrado pedindo por “Layla”. Eles têm razão, não se pode subtrair de qualquer repertório de Eric Clapton uma canção desse porte. Teriam outras? Sim: “Forever Man”, “Pretending”, “I Shot The Sherif”, “Bad Love”, “Wonderful Tonight”, “Knockin’ on Heaven’s Door” e por aí vai; são mais de 60 anos de grande atividade. O que de modo algum tira e pecha de excelente para apresentação de um inesgotável artista, um dos gigantes dessa transição de século. Viva Eric Clapton!
Set list completo
1- Sunshine of Your Love
2- Key to the Highway
3- I’m Your Hoochie Coochie Man
4- Badge
Acústico
5- Kind Hearted Woman
6- Running on Faith
7- Change the World
8- Nobody Knows You When You’re Down and Out
9- Tears in Heaven
Fim do Acústico
10- Got to Get Better in a Little While
11- Old Love
12- Crossroads
13- Little Queen of Spades
14- Cocaine
Bis
15- Before You Accuse Me
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