Sarau de ginásio
No pior dia da pior edição do Rock In Rio em todos os tempos, ajuntamento de artistas do rock nacional faz apresentação honesta para público esvaziado na alta madrugada. Fotos: Vinicius Pereira.
Tanto o Detonautas quanto o NX Zero levam vantagem, assim como o Capital Inicial, que abre a noite, porque tocam com banda completa, com todos os equipamentos – são três baterias montadas no palco -, realçando o bom entrosamento de cada banda e a qualidade do som. Pitty, Toni Garrido e Rogério Flausino têm como banda de apoio uma formação comandada por Liminha como baixista (que bucha pegou esse monstro do rock nacional!) e com Thiago Castanho (Charlie Brown Jr.) na guitarra, visivelmente pouco ensaiada e com dificuldades até para começar cada uma das músicas no tempo certo, causando algum constrangimento para os cantores. A regra é clara: cada um canta três músicas e chama o próximo – salvo os duetos Detonautas + Di Ferrero e NX Zero + Dinho – totalizando 19 músicas (teve um bis à capela) em cerca de 1h40 de show.
O formato é péssimo, subtrai a relevância de cada artista, ao negar-lhes a oportunidade de fazer um show completo, mas até que supera as expectativas e o horror que seria se todos eles tocassem juntos mal ensaiados, um fazendo cover da música do outro, ou de famigerados clássicos do rock. Sem falar que, depois de repetir artistas em edições seguidas, desta feita o Rock In Rio inventa a repetição de artistas na mesma edição. Aconteceu o dia todo, um verdadeiro festival de figuras repetidas dia após dia na Cidade do Rock. No fundo, no fundo, a impressão que fica é que os curadores artísticos do festival (quem são, afinal?) fracassaram terrivelmente ao não conseguir programar um dia com artistas internacionais e inventou esse “Dia Brasil” para tapar buraco, usando os artistas que, de seu lado, não têm coragem de dizer “não” por conta da grande repercussão do evento e/ou parar garantir participações melhores em edições futuras. Faz parte. Só não faz bem para ninguém.Limões dados, faz-se a limonada. Do ponto de vista do repertório, chama a atenção quais três músicas cada artista escolhe como seus grandes hits, porque ali, naquele palcão, não se pode brincar. Uma romântica Pitty é a que mais foge do óbvio, tocando músicas mais lentas, mas que todo mundo canta junto o tempo todo. Esperta, evitou os hits que cantara em outro dia do festival como convidada do Planet Hemp (veja como foi). Se emocionou ao relembrar a pequena Pitty vendo o Rock In Rio de 1985 pela TV, e ainda vez as vezes de Freddie Mercury duelando o gogó com o público. Coube ao Capital Inicial, figura carimbada como banda de abertura do Palco Mundo do festival, abrir a série, curiosamente com uma música própria (“Natasha”), uma cover (“Primeiros Erros”, de Kiko Zambianchi) e uma versão em português de um sucesso do rock argentino (“À Sua Maneira” é “De Música Ligera”, do Soda Stereo). Todo mundo cantando tudo o tempo todo na pressão, como sempre.
Toni Garrido e Rogério Flausino, representando respectivamente Cidade Negra e Jota Quest, positivamente não eram nem para estar ali, pelo subgênero de cada uma das bandas. O que não quer dizer que não haja grandes hits – o Jota Quest então é recordista – o que mantém o clima de sarau/karaokê com todo mundo cantando tudo junto, seja “A Sombra da Maldade”, do Cidade, ou “Do Seu Lado”, do Jota Quest, aquela do enigmático verso “o amor é o calor que aquece a alma”, que a humanidade inteira adora. E aí retorna-se ao começo do texto, com Detonautas e NX Zero fazendo, um após o outro, e com a interseção de Di Ferrero, as apresentações mais porradas da noite, pela performance gigante de cada uma das bandas e por estarem elas inteiras e consequentemente, bem ensaiadas e entrosadas; ok, o Capital também abriu muito bem os trabalhos.O que também impressiona é uma grande falta de noção dos envolvidos. Um acredita quem tem 100 mil pessoas na frente do palco, sendo talvez o dia mais vazio de todos os tempos, e, de acordo com os organizadores, um dos dois dias dessa edição que não teve ingressos esgotados; de 2011 a 2022 os ingressos se esgotavam com meses de antecedência. Outro chamando de “histórico e inesquecível” uma noite tapa buraco de programação malfeita. Um terceiro que se diz “feliz” por estar tocando três músicas de sua banda com uma outra banda mal ensaiada em pleno Palco Mundo do Rock In Rio. Menos, né, pessoal? Que esses artistas se valorizem mais, e que esse dia e essa noite sirvam para a curadoria artística do festival (de novo, quem são, afinal?) rever uma série de decisões equivocadas para que o grande Rock In Rio que conhecemos não vire para sempre um cosplay do Parque Shangai.
Set list completoCapital Inicial
1- Natasha
2- Primeiros Erros
3- À Sua Maneira
Toni Garrido
4- A Sombra da Maldade
5- A Estrada
6- Onde Você Mora?
Pitty
7- Equalize
8- Na Sua Estante
9- Me Adora
Rogério Flausino
10- Dias Melhores
11- Amor Maior
12- Do Seu Lado
Detonautas
13- Quando o Sol se For
14- Olhos Certos
15- Outro Lugar
NX Zero
16- Só Rezo
17- Cedo ou Tarde
18- Razões e Emoções
Bis
19- Por Enquanto
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Meu caro Bragatto, excelente resenha, mas discordo apenas no final - cosplay do parque Shangai. Morei na Vila da Penha 17 anos e passei grandes momentos nos anos 70-80 lá no parque, que tinha o melhor trem fanstama do Rio, muito mais rock and roll do que essa edição e esse show dai (fui dia 15 só, que conste). Um abraço