O Homem Baile

Atualizado e bem bolado

Em show de aniversário do álbum de estreia, Pitty se emociona com lembranças, se vê madura e poderosa e “ressignifica” o passado olhando pra frente. Fotos: Amanda Respício.

Pitty de microfone em punho em show reflexivo que quer atualizar o passado e seguir em frente

Pitty de microfone em punho em show reflexivo que quer atualizar o passado e seguir em frente

Um riff de guitarra bem distorcido quebra o silêncio no palco. Um átimo de segundo depois, o mesmo riff e a mesma distorção que, com as luzes agora acesas, se vê que vem de uma guitarra atravessada no tronco de uma garota. Não uma qualquer, mas A garota, dona da festa toda e de mais um pouco. Garotas com guitarras costumam seduzir aos borbotões e é assim que dois varões, um de cada lado, se juntam a ela no meio do palco, ao passo que outro, atrás, espanca os tambores sem dó e assim se faz a mágica do riff no rock’n’roll, condutor principal da tal música. É assim que Pitty, a tal garota com guitarra, comanda o singelo começo de “O Lobo”, a tal música, na noite deste sábado (29/4), em uma Fundição Progresso com gente jorrando pelo ladrão, no Rio.

É o show que marca o aniversário de 20 anos – olhe só, vejam vocês – do álbum de estreia da cantora, “Admirável Chip Novo”, e o plano é tocar todas as músicas dele e otras cositas mas. É uma turnê revivalista, sim, mas Pitty, dada a rebeldias, e não é de hoje, trata logo de desfazer o conceito e dizer que a apresentação é uma “ressignificação, o ‘Chip Novo’ hoje”. Olhando para o palco, com o cenário criado para essa turnê, dá pra entender. Passarelas laterais com uma outra atrás da bateria, um telão low profile com cortinas sobrepostas ao fundo que recebem efeitos de luz simples, mas bastante eficientes. No começo, a imagem da “garrinchinha de botas e pernas tortas” no telão dá lugar ao mulherão em que ela se converteu que surge já de guitarra em punho, atrás da banda , no alto, detonando em “Teto de Vidro”.

O baixista Paulo Kishimoto, o batera Jean Dolabella e o guitarrista Martin Mendonça; Pitty no fundo

O baixista Paulo Kishimoto, o batera Jean Dolabella e o guitarrista Martin Mendonça; Pitty no fundo

É a abertura do álbum com a tríade matadora que tem ainda “Admirável Chip Novo” e a entrada de bateria, agora conduzida por Jean Dolabella (Ego Kill Talent e com o Sepultura no currículo), e “Máscara”, coisa de arrasar quarteirão. E é isso que acontece com o povaréu que não se incomoda nem um pouco em participar, em frenético pula-pula e cantando tudo a plenos pulmões. As músicas são intervaladas por trechos de conversas da pequena Pitty (em ligação à cobrar de Salvador para o Rio) para tratar do envio do material que se tornaria esse disco, e ainda se impondo ante a interesses da gravadora, que não curtiu, à época, a vontade da cantora de que “Máscara” fosse o primeiro single do disco. O resto é história, e é muita história que se passa na cabeça de quase todo mundo ali; há jovens e muitos jovens há 20 anos ou mais, quando o “Chip Novo” saiu.

Assim Pitty se esforça para segurar o choro e suplantar e emoção em várias passagens. Honra seja feita, embora tenha saído dos cafundós de Salvador, foi no Rio, por força da sede da gravadora, que ela deu os primeiros passos na carreira, tocando em tudo o que é canto underground da cidade, muitas vezes para alguns gatos pingados e em condições bem acanhadas, para dizer o mínimo. Diferentemente do trio que a acompanha – além de Jean o ótimo guitarrista Matin Mendonça e o baixista Paulo Kishimoto – ela viveu tudo isso, o que carrega o espetáculo com mais emoção ainda. Pena que, no show, não tenha entrado nenhuma citação aos guerreiros da época: o guitarrista Peu, falecido em 2013, o baixista Joe, desafeto depois de questões levadas à justiça trabalhista, e o batera Duda.

O ótimo guitarrista Martin Mendonça, em reservado momento solo durante o show no Rio

O ótimo guitarrista Martin Mendonça, em reservado momento solo durante o show no Rio

O show de íntegra de disco segue o desafio de tocar músicas que podem não ser tão conhecidas assim, e que não eram executadas com frequência ao vivo nem na época em que foram lançadas. E também de tocar ou não todas elas na ordem em que foram gravadas, porque uma coisa é bolar uma sequência de disco, outra é de como apresentá-las no palco. É claro que Pitty foi na decisão corajosa de manter a ordem do CD, respaldada pelo fato de nada menos que cinco singles terem sido lançados na época, todos com boas execuções radiofônicas, em um tempo em que isso fazia a diferença. E, no fundo, no fundo, ela sabe que fã da Pitty – fã de rock – é quase sempre do tipo que conhece tudo. É o que acontece com a cantoria comendo solta em praticamente todas as músicas, em umas mais, noutras menos. E ainda tinha aqueles esperando justamente as menos tocadas ao longo da carreira.

Como por exemplo “Do Mesmo Lado”, rock enguitarrado dos bons, no qual Pitty canta “escondida” atrás de uma cortina branca, e recebe focos de luzes coloridas, de modo que sua silhueta aparece distorcida e borrada, de acordo com os movimentos, em excelente feito visual. Dá pra lembrar que “Só de Passagem” é uma pedrada nu metal das boas, e aí brilha Dolabella detonando na bateria , e a já citada “O Lobo” vira um rockão daqueles de obediência ao riff. Dentre os hits, vale destacar a lentinha “Equalize”, não pela música em si, mas por evidenciar uma Pitty bem resolvida com a sensualidade que parecia lhe incomodar. Se antes tinha dificuldade até para cantar uma letra mais de relacionamento/romântica, hoje desfila o corpo de modo soberano pelo palco, e não só nessa música. E ainda recomenda ao público que “solte a pélvis”. É a tal da – repita-se - menininha convertida em mulherão.

Pitty toca guitarra na abertura do show com a íntegra de 'Admirável Chip Novo', que completa 20 anos

Pitty toca guitarra na abertura do show com a íntegra de 'Admirável Chip Novo', que completa 20 anos

O show é todo fechadinho em 1h40 e, bolado para ser mesmo especial, é repartido em três blocos. Se o primeiro tem as 11 músicas do “Admirável Chip Novo”, o segundo traz um complemento da época, com “Seu Mestre Mandou”, espécie de sobra, que se converte em nervoso hardcore dos tempos do Inkoma, e três covers, com destaque absoluto para “Love Buzz”, da banda holandesa Shocking Blue, eternizada na voz de Kurt Cobain no Nirvana. No bis é a hora da representatividade dos outros álbuns da cantora. Aí realçam “Memórias”, esticada com uma jam session em que cada músico é apresentado e sola em seu instrumento, e tem Pitty refestelada no solo, e o arremate com “Me Adora”, a canção mais pop/colante dela e talvez a de maior sucesso, pra terminar a atlíssimo astral. Em suma: o show é verdadeiro espetáculo planejado para uma ocasião especial e que tem vida própria. O que lhe dá, e antemão, o status de imperdível.

Set list completo:

1- Teto de vidro
2- Admirável Chip Novo
3- Máscara
4- Equalize
5- O Lobo
6- Emboscada
7- Do Mesmo Lado
8- Temporal
9- Só de Passagem
10- I Wanna Be
11- Semana Que Vem
12- Seu Mestre Mandou
13- Sailin’ On
14- Love Buzz
15- Femme Fatale
Bis
16- Setevidas
17- Memórias
18- Na Sua Estante
19- Me Adora

A total plenitude de Pitty em ação: amplo domínio de palco da menininha agora convertida em mulherão

A total plenitude de Pitty em ação: amplo domínio de palco da menininha agora convertida em mulherão

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Ryath em maio 5, 2023 às 0:58
    #1

    Adoro a Pitty.

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