O Homem Baile

Viagem no tempo

Em franca evolução, Greta Van Fleet desperta público integrado ao novo classic rock, em ótimo show no Rio. Fotos: Daniel Croce (1 e 3) e Rom Jom (2 e 4).

O vocalista do Greta Van Fleet, Josh Kiszka, pleno, parece dominar melhor o gogó do que há três anos

O vocalista do Greta Van Fleet, Josh Kiszka, pleno, parece dominar melhor o gogó do que há três anos

De repente o novinho com a guitarra à tiracolo desanda a deslizar de lado a outro do palco até ocupar a posição principal sem parar de impingir grande intensidade ao instrumento. A energia, a técnica, o visual, a empolgação, a música, o conjunto da obra enfim, traz o público abaixo, que não resiste ao auge de espécie de viagem no tempo a que se submeteu voluntariamente, ainda que o resultado tenha sido imprevisível. Viagem para um tempo em que a guitarra era apontada como o ‘invento do século’, e músicas tocadas ao vivo sem longos solos não tinham razão de ser. Pois o recorte é apenas de um solo de uma das músicas do Greta Van Fleet, que consagra Jake Kiszka como um dos grandes destaques do show desta terça (3/5), no Rio, em um Qualistage com um bom público.

Nem é preciso fechar os olhos para ter a tal sensação de viajar no tempo. Os telões, dois deles, dispostos um em cada lado do palco, exibe o show em preto e branco, fato que, somado aos figurinos peculiares usados pelo quarteto, faz o serviço certinho. Parece até aqueles clipes recuperados pré-década de 1970, período em que o Greta, um dos grandes ícones do novo classic rock, é focado. É fácil direcionar um olhar de dúvida e apontar semelhanças aqui e acolá na rica história desse tal de rock’n’roll, mas não é possível não perceber a força das canções compostas pela banda, sobretudo nas vigorosas versões tocadas ao vivo. Ainda mais com um disco novo, o bom “The Battle at Garden’s Gate”, apenas o segundo do quarteto, lançado em 2021, debaixo do braço. Pois saem dele sete das 12 músicas tocadas em quase duas horas de show.

Josh Kiszka e o guitarrista Jake Kiszka dividem o microfone antes de Jake roubar a cena solando

Josh Kiszka e o guitarrista Jake Kiszka dividem o microfone antes de Jake roubar a cena solando

A mais palatável é “My Way, Soon” o primeiro single, escolhida para encerrar uma sequência de quatro músicas novas e também o show, cuja cantoria salienta um público bem integrado com o repertório da banda, não ligado somente nos hits de outras épocas; a banda é nova, mas há anos vem tendo grande exposição nesses tempos tão estranhos. Mas a que mais realça é a versão pesada para “Built by Nations”, com o riff carimbando o peito do mais distraído dos transeuntes dentro do Qualistage – novo nome do multi-apelidado Metropolitan, cuja qualidade de som segue de primeira. A vibração da plateia é grande desde o começo, com “Heat Above”, outra das novas, e com a inclusão de faixas já consagradas nos discos/EPs anteriores, caso de “Safari Song”. E nem o solo do baterista Danny Wagner que vem em seguida (é bom, mas existe o clichê equivocado de que o exercício não cabe) causa queixa na multidão.

Não que esteja mais contido, mas nota-se que Josh Kiszka parece ter um maior controle sobre a voz, evitando trechos de demonstração de bom alcance em notas mais altas muitas vezes desnecessários, em que pese os vários pedaços gravados inseridos para manter o clima, por assim dizer. Ele também mantém a boa performance de palco, animando o público e se divertindo com uma pandeirola nos esticados trechos instrumentais. E Sam Kiszka – sim, é uma banda familiar – se reveza mais ainda entre o contrabaixo e os teclados, sendo meio estranho o início, na já citada “Heat Above”, com tonalidades épicas, que a banda adora, ele aparecer sentadão lá atrás, e não agitando na beirada do palco; reles detalhe em um show cheio de sensações.

Solo de bateria depois da terceira música? Danny Wagner garantiu o dele, sem causar queixa na multidão

Solo de bateria depois da terceira música? Danny Wagner garantiu o dele, sem causar queixa na multidão

No arremate da noite, em um bis com duas músicas que parece curto, mas engana pelas viagens instrumentais, tem bandeira do Brasil com o nome da banda bordado, Josh cantando com óculos escuros cedido pelo público, e até distribuição de flores a la Roberto Carlos; tudo patacoada que o povaréu adora. Nada, contudo, supera a performance para “The Weight of Dreams”, a tal em que Jake Kiszka se impõe como talentoso guitarrista em um solo que entra de antemão para o panteão de solos. Porque é ele mesmo quem traz o público junto a cada nova passagem, a cada novo trecho que parece ser o último, e começa outro, e assim por diante. Não é a música, não é a melodia, não é o riff. É o solo de guitarra, esse verdadeiro patrimônio imaterial do rock em todas as épocas. O que reforça, olhando para os shows por aqui há três anos (relembre), que o GVF tem muito a crescer e a oferecer.

Por conta de problemas relacionados à Covid-19 (teste positivo em um músico e em um integrante da equipe), o Francisco, el Hombre cancelou a apresentação de abertura em cima da hora. A bomba sobrou para Daniel Lima, que tocou 10 músicas em clima de sarau com voz e violão. O repertório teve músicas próprias e covers de Temple Of The Dog, Beatles e Pearl Jam, entre outros. Todo mundo curtiu, todo mundo conversou o tempo todo no meio do show e todo mudo aplaudiu ao final de cada música. Mais um dia normal em tempos de predomínio da farra dos ecléticos.

O guitarrista Jake Kiszka ao centro, ladeado pelo baixista Sam Kiszka, à esquerda, e pelo batera Danny Wagner à direita

O guitarrista Jake Kiszka ao centro, ladeado pelo baixista Sam Kiszka e pelo batera Danny Wagner

Set list completo Greta Van Fleet

1- Heat Above
2- When the Curtain Falls
3- Safari Song
4- Solo de bateria
5- Black Smoke Rising
6- Caravel
7- Built by Nations
8- Age of Machine
9- The Weight of Dreams
10- My Way, Soon
Bis
11- Light My Love
12- Highway Tune

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