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Sessão de descarrego

Com repertório de disco ao vivo que completa 30 anos, Ratos de Porão reencontra Circo Voador lotado como há muito não se via, em noite de alívio pós isolamento social. Foto: Rom Jom.

ratos22-1Pode ter sido a energia potencial acumulada durante o isolamento social. Ou o momento delicado que faz o Ratos de Porão vital para a sobrevivência geral da nação. Ou ainda porque o show tem a assinatura do Tomarock, evento cascudo que há anos não se cansa de apostar na cena underground do Rio e que tem lá fervorosos adeptos. Mas o fato é que fazia muito tempo que a banda não recebia uma quantidade tão grande de público (dois anos de pandemia fora da conta) como a desta sexta (11/3) no Circo Voador, num dos casos de “amor à primeira vista” e “nasceram um para o outro” – não custa repetir – mais duradouros de que se tem notícia. E que gente animada. E que gente de todas as idades para ver uma banda que, embora nunca tenha parado e já grava um álbum de inéditas, está em uma turnê comemorativa de 40 anos. Quarenta! Que coisa linda!

Só que essa tal turnê de 40 anos se converte na apresentação quase que na íntegra do emblemático “RDP Vivo”, o disco do Ratos gravado no Britânia, em São Paulo, lançado em 1992, que completa 30 anos. Ou seja, repertório bastante familiar para o público que viveu uma das épocas de ouro para a banda, mas que de outro lado não soa estranho para os demais, muito embora isso, em um olhar mais amplo da plateia se acabando em rodas de pogo, mosh e body surfing sem fim, faça pouca diferença. E o “quase” ali em cima se explica pela ausência de “Que Vergonha”, “Cérebros Atômicos” e “V.C.D.M.S.A.”, e por acréscimos como “Suposicollor” - não poderia mesmo ficar de fora em um momento como esse – e “Amazônia Nunca Mais”, cuja citação enguitarrada de “O Guarani” (“Hora do Brasil” feelings) entrega um tom épico ao encerramento da noite.

Momento político que reforça o discurso de João Gordo entre um bloco de atropelamento e outro, contra tudo e contra todos, e que se reflete em gritos contra o mandatário máximo do País, que já partiam do público desde o show anterior, do Krisiun, e da abertura com o Pavio; clique aqui para ver como foram os shows. Mas que são inquietações – para dizer o mínimo – permanentes no cancioneiro rato-porãonico, sob a crônica punk de Gordo, que sabe como poucos, de modo simples e direto, registrar as mazelas desse Brasil torto com o qual convivemos. É assim que “Plano Furado” e “Plano Furado II” falam da Nova República; que “Realidades da Guerra” traz a conexão com a Rússia/Ucrânia; Que “Igreja Universal” tem tudo a ver com quem tomou o Planalto de assalto; e “Aids, Pop, Repressão” (substitua Aids por Covid, Pop por você sabe por quem, Repressão por fascismo) se salienta mais atual que nunca. Ou seja, antes de apontar o dedo do reacionarismo para o rock/metal/hardcore, é preciso pensar em bandas como o RDP, entre tantas outras.

“Vocês estão cansados?”, pergunta Gordo, já na segunda metade do show, em tom desafiador, pra todo mundo responder que não; um clássico em shows de rock selvagens desse naipe. “Nós estamos!”, ele mesmo responde, as vésperas de completar 58 primaveras. O retorno dele manquitolando pesado para o bis que o diga. Até o caçula Juninho, baixista que segue saltando alto, exibe cabelos grisalhos, embora rapados. O que mesmo assim não subtrai em nada a energia da banda, com o guitarrista Jão possesso em riffs, solos e palhetadas que apontam para o thrash metal, onipresente no Brasil naqueles anos 1990, em músicas como “Crise Geral” e “Sentir Ódio e Nada Mais”, com introdução alongada. E sempre apostando corrida com Boka, que segue sem ser incomodado no posto de um dos bateristas mais velozes e precisos do ramo, em que pese a concorrência desleal em uma noite em que o Krisiun compareceu. Gordo, evidentemente, se faz entender sem ser compreendido o tempo todo.

O bis do tipo “inclusivo” tem as “recentes” “Conflito Violento” e “Crocodila”, e a contabilidade final, entre lesões leves e superficiais na turba - espera-se! – aponta para redondos 70 minutos de bola rolando e nada menos que 28 traulitadas nos cornos. Como, aliás, tem sido os shows do Ratos nos últimos tempos, muitos deles com a íntegra de discos clássicos. Só no Circo teve o “Cada Dia Mais Sujo e Agressivo” (1987), o “Brasil” (1989), o “Anarkophobia” (1991) e o “Feijoada Acidente?” (1995); clique nos links para ver como foi. Poucos deles – repita-se - com a participação tão explosiva como o desta sexta, o que só amplia a expectativa pelo disco de inéditas de uma banda fundamental para esses tempos estranhos - muito estranhos! - em que vivemos. Que essa dobradinha Ratos + Circo siga em frente: nunca dá errado!

Set list completo

1- Morrer
2- Mad Society
3- Crianças Sem Futuro
4- Ascenção e Queda
5- Beber Até Morrer
6- Máquina Militar
7- Guerrear
8- Políticos em Nome do Povo
9- Caos
10- Sofrer
11- Crucificados Pelo Sistema
12- Vida Animal
13- Plano Furado I
14- Plano Furado II
15- Anarkophobia
16- Aids, Pop, Repressão
17- Realidades da Guerra
18- Work For Never
19- Velhus Decreptus
20- Sentir Ódio e Nada Mais
21- Igreja Universal
22- Herança
23- Paranóia Nuclear
24- Crise Geral
Bis
25- Conflito Violento
26- Crocodila
27- Suposicollor
28- Amazônia Nunca Mais

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Leonardo Costa em março 12, 2022 às 18:29
    #1

    Showzaço sem tirar nem pôr, como nos velhos tempos de Circo nos anos 90. O setlist de fato ajudou - repetir o Ao Vivo foi uma ode pessoal, uma vez que é um dos meus discos preferidos de todos os tempos e que ouvi indo para o show ontem.

    Some-se à isso o peso e velocidade do Krisiun (que também fez um grande show e são admiradores confessos do RDP) e tá feito. Não tem como dar errado. Parabéns ao Luciano e equipe pela persistência em tempos obscuros para amantes de música pesada e pelo belo evento.

    Só uma observação: o Dead Fish toocu há 3 semanas lá e também estava bem cheio. Não sei se mais que ontem, mas.pelo menos próximo.

  2. EDuardo Pletsch em março 14, 2022 às 12:36
    #2

    Enquanto isso, num lugar do leste europeu, fronteira com a Rússia, os mamãe falei da paz e da moralidade vão pra Ucrânia ganhar bênção de um deus humano… praticamente um semi-deus… e desencarnar em paz.

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