O Homem Baile

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Verve afiada, bom repertório e performance certeira faz Patti Smith brilhar no encerramento do Popload festival. Fotos Divulgação Popload Festival: Fabrício Vianna (1 e 2) e Filipa Aurelio (3 e 4).

A vitalidade de Patti Smith comandando o público em um festival com muita propriedade

A vitalidade de Patti Smith comandando o público em um festival com muita propriedade

Quando saca do corpo o paletó que há tempos faz parte de sua indumentária, a senhora de setenta e poucos anos e cabelos grisalhos que segue usando coturnos exibe consolidada forma física que, com a ousadia que lhe é peculiar, se apodera de uma guitarra para um desfecho que promete. A música é “Gloria”, uma das tantas que Patti Smith pegou pra si em carreira musical mais que longeva, para quem é também conhecida na verve literária como a “poetisa do punk”. Por isso o clima do show que encerra o Popload Festival nesta sexta (15/11), em São Paulo, é também político, ativista e por vezes mesmo declamatório. Mas que, por necessidade estética, tem como imagem final a cantora destruindo as cordas da guitarra sem dó, coroando uma daquelas apresentações para se anotar no caderninho.

No começo, contudo, não parecia que seria assim. Porque a equalização dos instrumentos é toda em um volume muito baixo, sobretudo a voz de Patti Smith, a ponto de o público soltar, entre as músicas, gritos de “aumenta o som!”. Como a banda não entende o clamor, e a demora no ajuste dura umas três, quatro músicas, passa a impressão de que o show será dessa forma, mais intimista e mesmo impróprio para o palcão de um festival, em contraste com a apresentação do Rio, no Tim Festival de 2006, quando essa mesma banda entrou no palco com fantástica pegada em uma versão de “Gimme Shelter”, dos Rolling Stones (relembre). Assim, “People Have The Power” abre o show sem a força que a canção por si só carrega, e fazem mais sentido para o público a movimentação da cantora e suas falas libertárias nos intervalos do que as músicas propriamente ditas.

Patti Smith com o parceiro de longa data, o guitarrista Lenny Kaye, aqui tocando violão

Patti Smith com o parceiro de longa data, o guitarrista Lenny Kaye, aqui tocando violão

Patti é poetisa e, naturalmente, na escolha do repertório pesa o que as letras têm a dizer. E é assim que “Beds Are Burning”, do Midnight Oil, entra no show. A música trata da (falta de) preservação das florestas, citadas nominalmente pela cantora em uma fala sobre as queimadas da Amazônia que chocam o mundo. Reconhecida pela plateia até com certa animação, ressalta a dicotomia da chamada surf music australiana, como o Midnight Oil se fez por aqui, e o perfil indie rock do festival e, por consequência, do público. “After The Gold Rush”, de Neil Young, ganha uma bela versão com voz e teclados e é apontada por Patti Smith como uma canção “bonita, visionária e ao mesmo tempo triste”. Mesmo a entrada no tempo errado da cantora, que logo manda um “sorry”, agrada ao público, em uma interpretação aí, sim, mais intimista e de beleza insofismável.

Outra de bom apelo, já que foi gravada pelo U2, é “Dancing Barefoot”, quando o guitarrista de longa data Lenny Kaye começa a fazer da suas, no estilo técnico e de certo modo minimalista pelo qual é reconhecido. Com a voz mais forçada na parte final, Patti Smith encanta com raro carisma e simplicidade. É Kay quem canta na maior parte no blockbuster “I’m Free”, dos Stones – olha eles aí de novo -, também com grande adesão do público, que vibra ao perceber a citação a “Walk on the Wild Side”, de Lou Reed, e assim o show vai mostrando também o entorno da cena artística/rocker nova-iorquina da década de 1970 da qual Patti e sua trupe fazem parte. E a essa altura um número do Ramones não faria mal, tampouco estouraria o tempo do show que, mesmo como headliner do festival, que começou antes do meio-dia e teve Raconteurs e Hot Chip como outras atrações de destaque, é curto, com uns 75 minutos de duração.

O estilo por vezes declamatório da 'poetisa do punk': música boa com ativismo e conteúdo

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O ponto alto da noite, considerando a interação com o público e as condições do palco, com o som ajustado, também pode ser em “Because the Night”, a extraordinária composição que Bruce Springsteen fez para Patti Smith brilhar. “Uma canção de amor para todos vocês”, anuncia a cantora e o público vem abaixo cantando a letra todinha, o que resulta em uma performance ainda melhor no palco. Mas é o atropelo final de “Land” e suas subdivisões, do clássico álbum “Horses”, interpretada pela verve de Patti quase em tom de discurso (sem soar enfadonho), que se impõe com um incrível crescente final com mais de 10 minutos de duração. E deságua na soletrada “Gloria”, vibrante por si só, com a aquela cena da destruição da guitarra. Mais que espetáculo de rock dos bons, e também pelo entorno, um show necessário nesses tempos tão estranhos.

Set list completo:

1- People Have the Power
2- Ghost Dance
3- Dancing Barefoot
4- Beds Are Burning
5- Beneath The Southern Cross
6- I’m Free/Walk on the Wild Side
7- After the Gold Rush
8- Pissing In A River
9- Because The Night
10- Land (Part I: Horses; Part II: Land Of A Thousand Dances)
11- Gloria

Final do show com a banda de Patti Smith sendo aclamada no encerramento do Popload Festival

Final do show com a banda de Patti Smith sendo aclamada no encerramento do Popload Festival

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. regina bragatto em novembro 16, 2019 às 18:13
    #1

    Ai, perdi.

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