O Homem Baile

Desatinado

Na abertura para o Dead Fish, Surra faz apresentação devastadora e Black Pantera se salienta como a grande novidade do rock nacional. Fotos: Fabiano Soares.

O guitarrista e vocalista do Surra, Leeo Mesquita e a principal característica: cantar e se fazer entender

O guitarrista e vocalista do Surra, Leeo Mesquita e a principal característica: cantar e se fazer entender

Em meio a uma barulheira daquelas, em um átimo de não esporro, a ordem que vem de cima do palco é clara: “Façam uma roda tão rápida que vire um vórtex e leve todo mundo para a casa do caralho!”. Ao público não resta alternativa que não seja obedecer, muito embora o comando, através da linguagem universal das guitarras distorcidas altas pra dedéu, já estivesse acatado desde o início do show. No meio de um Circo Voador já bem cheio para a apresentação de fundo do Dead Fish (veja como foi), é preciso estar atento e forte porque, mais do que a vida, um show do Surra é um sopro. Um respiro sem fim de pura grosseria, violência e brutalidade contra o sistema que pode acabar mais rápido do que você imagina, ao se autodestruir ali mesmo, no meio do salão.

A música é “Cubatrash”, o tema é oitentista - segundo costa, Cubatão já não é tão poluída assim - como o som do trio e o apelo para a criação da tal roda é do guitarrista Leeo Mesquita, cujos dotes como vocalista têm a principal característica para o gênero: a de se fazer entender cantando o mais rápido possível. Isso para acompanhar um repertório calcado no punk, hardcore e thrash do tipo veloz, mais pra Slayer que pra Metallica, como se tudo fosse acabar – tudo mesmo, a música, o show, o mundo, o universo – um segundo adiante. Como guitarrista tem a determinação de apostar corrida com uma cozinha demolidora que tem o provocante e rápido pra cacete baterista Victor Miranda e o baixista e também vocalista Guilherme Elias.

Assim o couro come e todo mundo vê em músicas como “Parabéns aos Envolvidos”, um petardo que trata do tema de quem bateu panela em favor do golpe de 2016 e é, portanto, um hit do grupo. Ou “O Mal Que Habita a Terra”, a mais que urgente peça punk + thrash de menos de um minuto que incrementa a festa logo no início. Ou mesmo a sinistra “Embalado pra Vender”, que além de toda a agressividade ainda tem lá trechos cadenciados, mas sem perder uma grama de um peso abissal, até descambar para enlouquecimento geral. A música tem uma moça cantando um trecho no palco, e é também um hit para uma banda acostumada a tocar no Rio de modo a reconhecer e a apontar fãs na plateia pelo nome.

O provocante baterista Victor Miranda, que acelera ainda mais as músicas no show do Surra

O provocante baterista Victor Miranda, que acelera ainda mais as músicas no show do Surra

Contudo, é a primeira vez do trio no Circo Voador, e os fantasmas do punk rock nacional que ali nasceu e se criou na Cidade se contorcem em um início tenso que logo se converte com a energia de um repertório – repita-se – brutal. O que de outro lado pode ter desaguando em uma rapidez sobrepujada, muito impingida por Miranda. Que o diga a sequência – o show vem em blocos de três, quatro músicas - “Cubatrash”, “Anestesia”, cantada por Elias, e “Mais um Refém”, tudo com a generosidade de um som alto e encorpado, coisa não muito comum para bandas de abertura. Em suma: uma boa maneira de passar o tempo se estapeando no meio do salão nos trinta e tantos minutos mais rápidos da vida de cada um.

Mais cedo, a grande novidade da noite. O Black Pantera é uma banda que não se parece com nada que já se viu, mas traz referências das mais variadas, no maior exemplo de como pegar o que já existe e converter em algo novo. Logo de cara o bom público vê a distorção e os riffs de um Pantera; o baixo estalado, tocado sem palheta do Red Hot antes de virar baladinha de playboy; e uma bateria esfuziante e cheia de groove de um Bad Brains ainda mais nervoso. O resultado é um rock pesado, agressivo, que realça cada uma dessa vertentes, com impressionante força sobre o palco. O trio – e ainda tem mais essa – é engajado no discurso antifascista compatível com essa noite temática e necessária, que descamba para os gritos conta o presidente terraplanista. As melhores foram “Punk Rock Nigga Roll”, junção de riff + punk rock + disco anos 80; “Taca o Foda-se”; e a versão para “A Carne”, de Marcelo Yuca, Seu Jorge e Wilson Capellette, famosa pela gravação de Elza Soares. Banda pra ficar de olho.

Set list completo Surra:

1- Intro
2- Escorrendo Pelo Ralo
3- O Mal Que Habita a Terra
4- Não Escolha
5- Peso Morto
6- Tamo na Merda
7- Embalado pra Vender
8- Cubatrash
9- Anestesia
10- Mais um Refém
11- Madeira e Sangue
12- Virou Brasil
13- Caso Isolado
14- Parabéns aos Envolvidos
15- Daqui Pra Pior
16- Merenda
17- A Troco de Nada

Black Pantera: o baixista e vocalista Chaene da Gama e o baterista Rodrigo Augusto 'Pancho' em ação

Black Pantera: o baixista e vocalista Chaene da Gama e o baterista Rodrigo Augusto 'Pancho' em ação

Tags desse texto: ,

Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Leonardo Costa em agosto 11, 2019 às 22:57
    #1

    O Surra nem precisa dizer, já é realidade da música pesada brasileira. O Black Pantera é uma grata revelação, não conhecia a banda e vi o show, me lembrou uma mistura de influências negras (Bad Brains, Devotos) com um quê de metal, tem muito futuro.

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado