O Homem Baile

Elegância pura

Com estilo único no blues, Robert Cray mostra repertório refinado e ao mesmo tempo acessível em show no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

Toda a simplicidade de Robert Cray e o modo peculiar e marcante de tocar guitarra no blues

Toda a simplicidade de Robert Cray e o modo peculiar e marcante de tocar guitarra no blues

Não estivesse o público que lota o Vivo Rio nesta sexta (2/8) todo encaixotado em mesas e cadeiras milimetricamente projetadas e todo mundo teria caído na dança quando o baterista impinge um ritmo diferente das outras peças tocadas durante a noite. Na frente dele, de pé e com a guitarra em punho, um elegante senhor trata de mostrar versatilidade mesmo que mantenha um inconfundível jeito de tocar blues, e não é de hoje que isso acontece. A música que sugere o requebrado é “You Move Me”, e Robert Cray segue realçando a beleza intimista nas cordas de sua guitarra, com a incrível habilidade de fazer o pouco parecer muito, e o econômico um esbanjar de técnica, mas ao mesmo tempo reconhecida com lugar de destaque na história do gênero.

Simplicidade que começa já na paisagem do palco, que reduz o tamanho ao reunir os músicos no centro, próximos uns dos outros, o que facilita o diálogo, sobretudo com o tecladista Dover Weinberg. É com ele que Cray duela em músicas como “Where do I Go From Here”, pescada do álbum “Bad Influence”, de 1983, e que retornou ao repertório definitivamente no ano passado, ou na própria “You Move Me”, que – ainda tem mais essa – conta com uma das linhas de baixo bem sacadas de Richard Cousins, cujo currículo inclui BB King, Eric Clapton e John Lee Hooker. Cousins também chama a atenção em “The Same Love That Made Me Laugh”, em um começo ainda em ritmo de aquecimento, e em “I Don’t Care”, duas das novas no repertório do show, sempre escorado pelo bom batera Terrence Clark.

Cray acena para o público, com o ótimo baterista Terrence Clark fazendo das suas no fundo

Cray acena para o público, com o ótimo baterista Terrence Clark fazendo das suas no fundo

Novas porque fazem parte do disco mais recente de Robert Cray, gravado não com a Robert Cray Band, mas com a Hi Rhythm Section, a antológica banda de apoio de vários artistas da soul music americana na década de 70, Al Green incluído. Desse disco, por isso mesmo identificado com o soul e o funk de raiz, também entram no show “Just How Low”, outra que vem acoplada a variações instrumentais no estilo Cray, ou seja, exagero mínimo e riqueza máxima, e “You Must Believe in Yourself”, uma bela canção funky blues que se sai bem mesmo sem o ótimo naipe de metais da gravação em disco, no encerramento da primeira parte, com ótimas variações instrumentais e falsetes inacreditáveis. Elas enfatizam ainda outra característica do guitarrista: a de tornar o blues mais pop e palatável, o que faz de seu trabalho mais acessível, mas não menos aprofundado.

O bom álbum “In My Soul”, de 2014, cede outras três músicas que completam o bojo das músicas apresentadas. Além de “You Move Me”, as sensíveis “You’re Everything”, que ganha contornos dramáticos na esperta repetição da parte derradeira, mais enfatizada que na versão do álbum, em crescente contagiante, e “Deep In My Soul”, mesmo sem os metais, na qual Robert Cray sublinha mais um predicado de sua música, a dicotomia entre o blues elétrico e o intimismo quase acústico, em um exercício virtuoso minimalista de chamar a atenção. Uma pena que o público, que aplaude o músico copiosamente após cada número, se deixa levar pela estupidez convertida em gritos e assovios e não consegue desfrutar plenamente desse raro momento. Ou seja, João Gilberto tinha razão.

Robert Cray com o cascudo baixista Richard Cousins, cujo currículo inclui BB King e Eric Clapton

Robert Cray com o cascudo baixista Richard Cousins, cujo currículo inclui BB King e Eric Clapton

Apesar de ausências marcantes, sobretudo da época em que Cray mais brilhou no mercado, do ponto de vista comercial, como “Smoking Gun”, “Don’t Be Afraid Of The Dark” e “I Guess I Showed Her”, não faltaram clássicos. Caso de “Right Next Door”, numa versão mais contida, mas ainda assim com vibração extra no entorno do sensacional riff encravado na sequência do refrão, com Richard Cousins brilhando de novo, e “Nothin’ But a Woman”, já no bis, que estourou muito mais no Brasil por ter virado trilha de comercial de venda de automóvel. O desfecho final da noite vem corajosamente com a reflexiva “Time Makes Two”, que ganha tonalidades épicas pela sutileza de Clark, e um esbanjar de sensibilidade transformada em cordas de guitarra por conta de Robert Cray. Emoção e elegância a toda prova.

Set list completo:

1- I Shiver
2- The Same Love That Made Me Laugh
3- Poor Johnny
4- You’re Everything
5- I Don’t Care
6- Where Do I Go From Here?
7- You Had My Heart
8- Chicken in the Kitchen
9- I Can’t Fail
10- You Move Me
11- Deep In My Soul
12- Just How Low
13- Right Next Door (Because of Me)
14- You Must Believe in Yourself
Bis
15- Nothin’ But a Woman
16- Time Makes Two

Momento em que Cray duela com o tecladista Dover Weinberg: uma constante durante o show

Momento em que Cray duela com o tecladista Dover Weinberg: uma constante durante o show

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