O Homem Baile

Resistindo

Ratos de Porão executa a íntegra do álbum “Brasil”, e repertório se rejuvenesce como ato antifascista no Circo Voador. Fotos: Frederico Cruz.

O cronista punk João Gordo, em raro momento de descanso vocal, mira alguém em especial na plateia

O cronista punk João Gordo, em raro momento de descanso vocal, mira alguém em especial na plateia

Era para ser “apenas” o Ratos de Porão no Circo Voador tocando a íntegra do álbum “Brasil”, que completa 30 anos este ano, no último sábado, mas uma coincidência teve que mudar ao planos. É que, exatamente nesta data, 13 de abril, no também longínquo ano da graça de 1993, foi lançado outros disco do Ratos, “Just Another Crime In Massacreland”, o que acarretou em um bis mais que especial, com, além de três músicas esse disco, outras pérolas, tudo ligeiro como bem gosta o Ratos em sua fase crossover punk hardcore, mas também porque se trata de uma noite que tem abertura de Dona Cislene e – o principal – o Raimundos com a íntegra do álbum de estreia e o retorno do baterista Fred Raimundo, ou seja, com a formação clássica possível (veja como foi).

O fato, contudo, é que “Brasil” é um trabalho bem superior ao “Just Another…”, um dos álbuns preferidos dos fãs em todos os tempos, e - mais importante - aquele em que poucas vezes as mazelas desse país foram tão bem registradas em forma de música extrema, incluindo a capa autoexplicativa assinada pelo genial Marcatti. O trabalho ganha ainda mais relevância em um a época em que o país está entregue a um governo conservador e autoritário, cujo combate sempre foi um dos temas preferidos de João Gordo e asseclas, de modo que tudo se converte em ato contra o fascismo. E Gordo destaca, por exemplo, a premonição de “Farsa Nacionalista”, que só agora faz sentido (ligue os pontos) em vez do lugar comum de música que foi composta há um tempão e “continua atual nos dias de hoje”.

O preciso guitarrista Jão, de costas, João Gordo e o baixista Juninho: pura paulada na moleira

O preciso guitarrista Jão, de costas, João Gordo e o baixista Juninho: pura paulada na moleira

O que se pode dizer sobre, entre outras, “Lei do Silêncio”, com o guitarrista Jão tocando com estrema precisão; “Porcos Sanguinários”, que de imediato chama o grito contra o presidente terraplanista, coqueluche desde o início do ano, logo seria convertido ao prefeito ausente também; e “Máquina Militar’, que cai nos tímpanos, com o som no talo, como uma chuva de bigornas na cabeça. O show tem forte impacto pela potência e velocidade com que as músicas são tocadas, o que só é interrompido para uma respirada – porque ninguém é de ferro – e para Gordo afirmar o gritante da situação. Ou quando um incauto sobe no palco e cai sobre a bateria, interrompendo o show por um tempo maior.

Em “Plano Furado II” o nome do presidente entra no lugar de Ribamar, e a história do plano econômico da época ganha ares contemporâneos. O pogo, o mosh, as rodas de dança e o escambau não têm fim, mas tudo se acelera e ganha vigor redobrado em músicas mais conhecidas, como “Aids, Pop, Repressão”, um clássico underground desse cronista punk que é João Gordo; a impressionante “Vida Animal”, verdadeira tijolada na cara; e “Beber Até Morrer”, preferida dos beberrões de plantão, muito embora não seja lá uma ode ao ato de encher a cara. Tem também “Gil Goma”, “Terra do Carnaval” – tema que não poderia faltar em um disco chamado “Brasil” -, e “Amazônia Nunca Mais”, que abre a noite com a épica citação à “Hora do Brasil” somada a músicas de Copa do Mundo dos tempos da ditadura.

Jão, agora de frente tocando a guitarra enlouquecidamente, no show/ato de resistência do Ratos

Jão, agora de frente tocando a guitarra enlouquecidamente, no show/ato de resistência do Ratos

O bis, que nem era pra ter, menos de 40 minutos depois, traz, em homenagem ao “Just Another Crime…”, outro clássico, “Diet Paranoia”, cantada por um sujeito chamado João Gordo; “Bad Trip” e “Quando ci Vuole ci Vuole”, com letra em italiano, essas duas últimas uma raridade ao vivo. A porradaria continuou com clássicos de eras mais priscas ainda, incluindo “FMI” e “Crucificados Pelo Sistema”, em uma noite típica do Ratos de Porão, que há tempos não via o Circo tão cheio assim - thanks, Raimundos. Mais cedo o Dona Cislene representou muito bem o rock de Brasília, terra do Raimundos, com rock pesado que flerta com muitos subgêneros. Teve a manha de impulsionar a ansiedade pelas rodas de dança com músicas como “Má Influência”, no encerramento, e o rock dançante “Sonhos Sinceros”. Pode voltar mais vezes.

Set list completo Ratos de Porão:

1- Amazônia Nunca Mais
2- Retrocesso
3- Aids, Pop, Repressão
4- Lei do Silêncio
5- S.O.S. País Falido
6- Gil Goma
7- Beber Até Morrer
8- Plano Furado II
9- Heroína Suicida
10- Crianças sem futuro
11- Farsa Nacionalista
12- Traidor
13- Porcos Sanguinários
14- Vida Animal
15- O Fim
16- Máquina Militar
17- Terra do Carnaval
18- Herança
Bis
19- Bad Trip
20- Diet Paranoia
21- Quando ci Vuole ci Vuole
22- Morrer
23- FMI
24- Crucificados Pelo Sistema
25- Obrigado a Obedecer

O vocalista do Dona Cislene, Bruno Alpino: impulsionando a ansiedade pelas rodas de dança mais cedo

O vocalista do Dona Cislene, Bruno Alpino: impulsionando a ansiedade pelas rodas de dança mais cedo

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Leonardo Costa em abril 16, 2019 às 22:37
    #1

    A última música do Ratos foi Obrigado a Obedecer, depois de Crucificados pelo Sistema.

  2. Marcos Bragatto em abril 17, 2019 às 9:08
    #2

    Ok, confirmado. Obrigado!

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