O Homem Baile

Pompa e circunstância

Em apresentação bem bolada, formação clássica do Shaman toca a íntegra dos dois álbuns e público opta pelo material de “Ritual”, o primeiro deles. Fotos: Luciana Pires.

Andre Matos em boa forma, sobretudo na segunda metade do show do Shaman, com o álbum 'Ritual'

Andre Matos em boa forma, sobretudo na segunda metade do show do Shaman, com o álbum 'Ritual'

É o início da segunda parte de um show que, de tão longo, tem intervalo, como se fosse daqueles de banda de classic rock com carreira de três, quatro décadas. É ainda a primeira música e o vocalista, antes de um “boa noite” ou um “oi, tudo bem?”, rege uma numerosa plateia que responde com contagiante entusiasmo, a ponto de ele querer ficar por ali mais tempo que o planejado. Mas o show tem que seguir e a as duas músicas seguintes fecham uma trinca de ouro em um dos melhores momentos da noite. É o Shaman, liderado por Andre Matos e com a formação clássica, tocando para cerca de 2200 fãs no Hub RJ, num espetáculo com a íntegra dos dois primeiros álbuns, “Ritual” e “Reason”, neste domingo (2/12), com toda pompa e circunstância.

Público que, se ainda restava dúvida, bate o martelo a favor de “Ritual”, o primeiro disco da banda, lançado em 2002. É substancial a resposta durante a segunda parte da noite, o que também explica, de certo modo, a escolha da banda de tocar primeiro o material de “Reason”, de 2005. E, olhando em retrospectiva, evidencia-se não só a diferença entre as músicas de um de outro álbum – o primeiro mais inspirando, com certa identidade, e o segundo, confuso, buscando caminhos até hoje obscuros -, e ainda a repercussão em cada período, em que pese a gravação do DVD “Ritual Alive”, com participações de músicos do Helloween e do Avantasia, e a inclusão de uma das músicas desse disco na trilha sonora da novela global “O Beijo do Vampiro”; sim, acredite, teve isso.

Por isso o início de “Distant Thunder”, mais pesada e encorpada, com um poderoso riff reforçado pela guitarra inspirada de Hugo Mariutti (seu irmão, Luís, está no baixo de mil cordas) desencadeia uma saltitante participação do público, com muita gente ali que vê essa formação da banda pela primeira vez. Ela é antecedida – a ordem das músicas no álbum é obedecida – pela pedrada impiedosa “Here I Am”, a tal em que Matos faz a plateia urrar mesmo sem cantar, ainda que, sobretudo nessa segunda parte, solte os falsetes e trechos altos com a voz que há anos o consagra no metal nacional e também extramuros. A trinca de ouro citada ali em cima se completa com “For Tomorrow”, espécie de world metal em que Andre Matos – que toca teclados em grande parte do show – surge com a flauta pan andina que marca a música, iniciando o cantarolar por parte do público. E o poderoso refrão ecoa até agora na cabeça de quem esteve lá.

O guitarrista Hugo Mariutii, em noite inspirada, e o sempre preciso baterista Ricardo Confessori

O guitarrista Hugo Mariutii, em noite inspirada, e o sempre preciso baterista Ricardo Confessori

Para reproduzir o apanhado de efeitos e a inclusão de outros instrumentos no disco (percussão, conga, gaita de foles e o escambau), a produção capricha nos sons pré-gravados, e – sorte das sortes – Marcus Viana, que deveria ter tocado na véspera, no show de Belo Horizonte, está no Rio e participa com o violino na parte final do show. A entrada dele nem é tão boa assim, já que o PA se recusa a reproduzir o som do instrumento e Viana toca sem ninguém ouvir, mas logo a situação é tratada com bom humor e o constrangimento se converte em troça; e enfim se ouve a preciosa participação de um dos maiores nomes da música instrumental brasileira. A produção de palco é ótima, com plataforma para a bateria e escadas nas laterais, mas o telão é subutilizado como pano de fundo, só no início e no intervalo é que são exibidas imagens das gravações dos álbuns e de entrevistas antigas. E o local tem jeitão de festival, em um daqueles palcos com tenda. Na abertura, tocou a banda Rec/All.

A parte inicial, com o material de “Reason”, também teve lá seus momentos. “Innocence”, com Andre Matos nos teclados de início, logo recebe a guitarra cortante de Mariutti, e tem o apogeu com o público cantando junto. “Trail Of Tears”, de seu lado, já começa com guitarras solando, e aí o baterista Ricardo Confessori salienta a boa forma mostrada durante todo o show. Mas é o refrão de “More”, cover de Sisters Of Mercy – “Reason” foi precipitadamente chamado de “o álbum dark do Shaman” na época – o mais cantado dessa primeira metade. Propositadamente ou não, Andre Mattos parece mais contido, segurando (ou aquecendo?) uma voz que ele só soltaria efetivamente – e com a perfeição que lhe é contumaz - na segunda metade da noite. Até os tradicionais cumprimentos ao público passaram ao largo.

Nem sempre a concatenação de músicas em um disco funciona ao vivo, mas, no caso de “Ritual”, a coisa parece vocacional, com um início matador, um meio de show mais clamo – se é que se pode dizer isso de uma plateia ávida por participar – e o final arrasador. Porque as peformances para a faixa-título, com o colante riffzinho de guitarra + teclado (Fabio Ribeiro no comando) e um arraso de Confessori; “Fairy Tale”, a tal da novela, com Matos na introdução em solo de teclado e Marcus Viana passeando na melodia; e “Pride”, pedrada com refrão grudento pra fechar com roda de dança depois de um show com mais de duas horas e meia de duração, são irretocáveis. Mas a imagem que fica é a do público aplaudindo a banda em peso, ao som do coro de arquibancada “Ô, o Shaman voltou! O Shaman voltou!” – em tarde de alívio no Brasileirão -, o que de fato emociona a banda e dá contornos peculiares – e não é de hoje - ao público carioca. Vamos gravar um disco de inéditas, pessoal?

Após problemas técnicos, Andre Matos apresenta Marcus Viana: acabou vencendo o bom humor

Após problemas técnicos, Andre Matos apresenta Marcus Viana: acabou vencendo o bom humor

Set list completo:

1- Turn Away
2- Reason
3- More
4- Innocence
5- Scarred Forever
6- In the Night
7- Rough Stone
8- Iron Soul
9- Trail of Tears
10- Born to Be
Intervalo
11- Ancient Winds
12- Here I Am
13- Distant Thunder
14- For Tomorrow
15- Time Will Come
16- Over Your Head
17- Fairy Tale
18- Blind Spell
19- Ritual
20- Pride

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