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Feliz no palco

Soltinho e em boa forma, Morrissey percorre toda a carreira, com muitos lados B, revê Smiths e brilha em ótimo show no Rio. Fotos Divulgação Fundição Progresso: Fernando Schlaepfer/I Hate Flash.

Com sentimento: Morrissey leva a mão ao peito e reforça que suas músicas vêm do fundo da alma

Com sentimento: Morrissey leva a mão ao peito e reforça que suas músicas vêm do fundo da alma

O desfecho do show é quase militar, com o baterista impingindo uma batida marcial na caixa de tarol. Os integrantes da banda de apoio, branquelos, usam boinas e uma camiseta onde se lê “The return of the black panters”. A música, apesar de fazer parte do bloco das novas, é reconhecida, sobretudo e justamente pelo final, carregada por uma ambiguidade atualíssima e feroz que só um artista de tintas próprias pode suscitar. Ele nega, mas todos sabem que os versos finais se referem ao movimento que quer isolar a Grã-Bretanha do mundo, a ponto de “exit” se converter em “Brexit” sem muita dificuldade ao sair repetidamente de um gogó suave, macio e, ao que parece, muito bem tratado ao longo dos anos. É Morrissey encerrando o show na Fundição Progresso, no Rio, nesta sexta (30/11) com “Jacky’s Only Happy When She’s Up on the Stage”. E ele parece muitíssimo feliz no palco.

Não é mais só aquele Morrissey deliciosamente marrento de outras épocas, mas um que chega dizendo “I love you” pra todo mundo, cumprimentando fãs na beirada do palco já na primeira música e que até autografa – sim, há malas que fazem isso em pleno show! – a capa de um LP. E ainda começa – coisa rara num passado não muito distante - com uma música dos Smiths, muito embora “William, It Was Really Nothing” não seja lá um daqueles hits da banda que nasceu para mudar a cara da música pop. Mesmo assim, não dá para descolar o selo de matador do início do show que tem ainda, coladinhas, “Alma Matters”, das antigas, mas cada vez mais consolidada com uma das maiores do cantor; “I Wish You Lonely”, uma das melhores do ótimo álbum “Low in High School”, que saiu no ano passado; e “Is It Really So Strange?”, esse sim um clássico dos Smiths que leva a casa abaixo.

A estrutura do palco é simples, mas eficiente. Luzes à meia altura no fundo do palco miram os músicos pelas costas, e, acima delas, um belo telão que funciona na maior parte do tempo como galeria de arte, com fotos, em vez e vídeos, salvo algumas exceções. No teto, três secções de escudos de clubes em contornos iluminados vazados vêm do fundo para a frente, coloridos de acordo com cada música, uma solução, no mínimo, inusitada. Vídeos mesmo aparecem em uma sessão de cinema que, como de hábito, é como se fosse o show de abertura, em cerca de 30, 40 minutos. Tem Ramones, Patti Smith e David Bowie, mas também coisas pouco conhecidas como o grupo romano Giuda tocando em um campinho de futebol de bairro a música “Number 10”, ou um clipe das antigas com o Love Affair cantando “Everlasting Love”, aquela mesma popularizada pelo U2.

Simpático, Morrissey surpreende e já chega cumprimentando o público na beirada do palco

Simpático, Morrissey surpreende e já chega cumprimentando o público na beirada do palco

O bloco dos Smiths tem ainda “How Soon Is Now”, com aquele efeito de guitarra + teclado que permeia a música ainda mais evidente, graças a um ajuste no som durante a noite. É nela que o fantasma de Johnny Marr paira sobre o público – já pensou ele e Morrissey juntos de novo? -, muito bem representado por Jesse Tobias, na banda de Mozz há mais de 10 anos. O desfecho, em ótimo crescente instrumental, tem o batera Matt Walker, outro cascudo, espancando um bumbo gigante e um surpreendente gongo de fazer inveja a Carl Palmer, numa alusão, também, à modernidade indie que adora bater um tambor – Imagine Dragons feelings… Morrissey se vangloria do novo single ter chegado ao topo de uma lista de vinis mais vendidos, antes de mandar “Back On The Chain Gang”, um cover tardio apenas ok do Pretenders que o público adora; e o telão mostra uma Chrissie Hynde garotinha.

O repertório é abrangente ao percorrer boa parte da carreira solo de Morrissey, e tem muitos momentos lados B, como a inclusão da inesperada “Munich Air Disaster 1958” canção triste que homenageia os jogadores do Manchester United mortos na queda de um avião. A música, que passa batido, é da coletânea de singles “Sword”, de 2009, que cede também a simpática “If You Don’t Like Me, Don’t Look at Me”, com Mozz cantando de cara fechada no refrão. Tem também “Dial-a-Cliché”, pinçada do álbum de estreia, “Viva Hate”, de 1988, e “Sunny”, desenterrada de algum lado B de single e que soa como um esquecível tapa buracos. Já pensou “The Boy Racer”, “Suedehead” (“I’m so sorry…”), “You Have Killed Me” ou “The More You Ignore Me The Closer I Get” no lugar dela?

Mas o que chama a atenção ao se destoar das músicas do show é a versão estendida para “Life Is a Pigsty”, com uns 15 minutos e duração. A atormentada canção parece ser arrancada do fundo da alma de Morrissey em seu maior estilo, e ganha contornos incomuns com mudanças de andamento e tensa sonoridade, em clima sombrio e pesado. Outros destaques são a belíssima “Hold On To Your Friends”, que também faz lembrar Marr; “The Bullfighter Dies”, com toureiros perdendo para o touro em vídeos no telão; e “Spent The Day In Bed”, um libelo ao cotidiano urbano desses tempos estranhos. No bis, é “Everyday Is Like Sunday” que bomba, no momento de maior interação com a plateia, e “First of the Gang to Die” arremata o show em grande astral. Antes ainda em “Jacky’s Only Happy…”, Morrissey destroça a camiseta com o nome dele mesmo e revela tatuagens sobre o corpo, onde se lê “Brazil” e “Rio” (de mentirinha, claro). Tá ou não tá feliz o segundo (primeiro, vai…) maior inglês vivo?

O iluminado Morrissey, em noite de reviver The Smiths e também sua proveitosa e já longa carreia solo

O iluminado Morrissey, em noite de reviver The Smiths e também sua proveitosa e já longa carreia solo

Set list completo:

1- William, It Was Really Nothing
2- Alma Matters
3- I Wish You Lonely
4- Is It Really So Strange?
5- Hairdresser on Fire
6- Sunny
7- How Soon Is Now?
8- Back on the Chain Gang
9- The Bullfighter Dies
10- If You Don’t Like Me, Don’t Look at Me
11- Munich Air Disaster 1958
12- Dial-a-Cliché
13- Jack the Ripper
14- Hold On to Your Friends
15- Break Up the Family
16- Spent the Day in Bed
17- Life Is a Pigsty
18- Something Is Squeezing My Skull
19- Jacky’s Only Happy When She’s Up on the Stage
Bis
20- Everyday Is Like Sunday
21- First of the Gang to Die

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