O Homem Baile

Um salto a mais

Turnê em construção mostra Pitty mirando um futuro repleto de possibilidades, mas pacote de hits para público amadurecido está garantido. Fotos: Adriana Vieira.

Noite iluminada: ausente por um bom tempo, Pitty faz o show de lançamento da nova turnê no Rio

Noite iluminada: ausente por um bom tempo, Pitty faz o show de lançamento da nova turnê no Rio

O desavisado que chegasse na Fundição Progresso, já na madrugada deste domingo (21/10) logo no início do show da Pitty acharia que estava atrasado e, em vez de ver o começo da apresentação, estava no meio de um bis arrasador. Porque, logo de cara, são tocadas, em sequência, “Admirável Chip Novo”, “Anacrônico” e “Setevidas”, nada mais nada menos do que a faixa-título/principal hit de três dos seus quatro discos. E mais: são três pedradas com riffs marcantes e refrães colantes que levaram o rock nacional a relevante patamar nos últimos 15 anos, o que garante a cantoria/vibração generalizada por um público antenado com a artista e que lota a casa com intensidade, corpo e alma. Não por acaso a cantora se derrete em elogios, “sem demagogia”, em mais de uma vez nas duas horas seguintes.

O início, contudo, não é por acaso, mas maquinado para que Pitty adquira sua própria licença para fazer o que quiser em seguida, como se dissesse: “É hit o que vocês querem? Então toma logo esses três aqui e deixa a gente se divertir depois”, em espécie de admissão da síndrome de “Anna Júlia”/“Srairway to Heaven”; citada, aliás, pelo guitarrista Martim lá no bis. E a tal da diversão tem coisa que não acaba mais, incluindo set acústico (ai, ai, ai…), música “absolutamente nova”, parceria com Elza Soares nunca antes tocada ano vivo na história desse país, convidadas previamente anunciadas, rap, reggae, Nina Simone e o cacete a quatro. É a estreia da turnê “Matriz” no Rio, depois de passar por outras 12 cidades desde junho, para encerrar também um razoável jejum da cantora pela cidade, diante de cerca de 5 mil pessoas. É a Pitty que se criou no rock dando um salto a mais na carreira para fazer show/turnê de artista grande.

Explica-se que, a despeito do gigantismo da pequerrucha ser notado há anos, a turnê de artista grande se caracteriza por show com cenários, troca de figurinos - precisa incrementar - e concatenação de repertório planejados especialmente para a ocasião, com a ideia completa de início, meio e fim bem clara para o público. Não era, vamos e venhamos, feito assim até aqui, muito embora dessa vez o telão de led do tamanhão do fundo do palco não tenha sido bem explorado no que tange à passagem da ideia como um todo. O que realça, musicalmente, é uma Pitty muito mais aberta a outras tendências musicais que logo a associará ao rol da mpb, um rumo que já lhe espera há anos em um mercado musical cheio de amarras – nas quais ela também não se agarra, mas há que se adaptar - e, no computo geral, uma Pitty ativista e influenciadora real cada vez mais necessária nesses tempos tão estranhos.

Plenitude e afirmação: soltando a voz como frontwoman, Pitty tem total domínio do palco

Plenitude e afirmação: soltando a voz como frontwoman, Pitty tem total domínio do palco

Ativismo que é reivindicado do nada do meio da plateia com os gritos de “ele não” contra o candidato de extrema direita, e até por identificação com trechos de letras de músicas antigas, agora convertidos em registro dos tempos difíceis que se anunciam. Caso, por exemplo, de “I wanna be away from here quando essa bomba explodir”, de “I Wanna Be”; a mais que necessária “Desconstruindo Amélia”, pelo conjunto da obra; ou “Eu deixo o medo e as armas pra trás”, de “Temporal”, no trecho acústico do show, enfatizado de forma quase dramática. É nas quatro músicas do set acústico que se salienta, também, uma Pitty muito mais cantora do que vocalista de banda de rock que se esgoela sob guitarras, outro retrato do futuro para o qual a turnê, segundo ela própria, quer apontar.

Na prática, o show, talvez o maior em duração de toda a carreira da Pitty, acaba se dividindo em duas grandes partes. A primeira, com nada menos que sete músicas do álbum de estreia, “Admirável Chip Novo”, de 2003, não por acaso o de maior sucesso, associadas a outros hits, que soa como a banda de classic rock que o tempo cuida de emergir; e isso é bom. A segunda é um apanhado de várias referências que incluem o reggae de “Te Conecta”, uma das músicas novas; a densa e bem acabada “Na Pele”, a tal gravada com Elza Soares; a praga das parceiras que a indústria da música impõe, mas que pode dar resultados, em “Contramão”, com participação de Emmily Barreto do Far From Alaska, que fez a abertura (veja como foi), e de Tássia Reis; e, talvez a melhor parte, a apresentação da música inédita, que parece identificada com o ativismo desses tempos - de novo -, e aí o telão funciona muitíssimo bem, didático até.

É daí que sai a renovação apontada por Pitty nessa turnê, mesmo porque não há disco com material novo para mostrar, e as coisas parecem que, dessa vez, salvo um ou outro truque mercadológico, vão se moldando passo a passo, em cima do palco, o que, vamos e venhamos, não chega a ser uma notícia ruim. Nem para o público, que parece de idade mais avançada do que em outros tempos (seriam os mesmos, que cresceram?) e têm garantido seu quinhão de clássicos, e sobretudo para a Pitty. Porque, honra seja feita, nunca na história desses 15 anos de estrada se viu uma Pitty tão dona de si em cima de um palco, com um halo de felicidade, plenitude e afirmação que contagia todo o entorno. Se essa sensação chegar à plateia, a coisa pode ficar muito mais séria do que já foi nesse tempo todo.

O guitarrista Martin Mendonça, o veterano na banda, aqui com o violão durante o set acústico do show

O guitarrista Martin Mendonça, o veterano na banda, aqui com o violão durante o set acústico do show

Dito isso, por último, mas não em último, registre-se que o baterista Daniel Weksler, do NX Zero, fornece um substancial up grade ao show – até na introdução da lentinha “Na Sua Estante” ele espanca os tambores sem dó; que “Pulsos”, com élan de lado B, já pode entrar na galeria dos clássicos, com grande aprovo da plateia, já no final da noite; que a versão de “Feeling Good”, de Nina Simone, dá liga e revela uma Tássia muito maior que o remi-remi enfadonho do rap; que “Me Adora”, com “palminha, com a porra toda” segue como pop rock mais que perfeito; que “Serpente”, encerramento oficial, já, já se converte em um indie batucada à Arcade Fire; e que “Máscara” - olhe, só, vejam vocês - não envelheceu nadinha nesses 15 anos. Como não envelhece quem não quer deixar - como diz o poeta - o futuro repetir o passado, porque – aí quem diz é o ditado - é para frente que se anda.

Set list completo:

1- Admirável Chip Novo
2- Anacrônico
3- Setevidas
4- I Wanna Be
5- Te Conecta
6- Na Sua Estante
7- Um Leão
8- Teto De Vidro
9- Temporal
10- Na Pele
11- Dançando
12- Semana Que Vem
13- Desconstruindo Amélia
14- Música nova (títulos especulados: “Em Toda Esquina”/“Revolução”/“Noite Inteira”)
15- Me Adora
16- Contramão
17- Feeling Good
18- Máscara
Bis
19- Equalize
20- Pulsos
21- Serpente

Pitty toca violão durante o set acústico, relembrando os temos da gravação da 'desafinada' demotape

Pitty toca violão durante o set acústico, relembrando os temos da gravação da 'desafinada' demotape

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