O Homem Baile

No fígado

Libertário, Napalm Death faz do esporro palavra de ordem em noite de música brutal no Circo Voador. Fotos: Daniel Croce.

O líder do Napalm Death, Mark 'Barney' Greenway, em sua característica performance cambaleante

O líder do Napalm Death, Mark 'Barney' Greenway, em sua característica performance cambaleante

“É uma boa sugestão”, conclui o vocalista do Napalm Death, Mark “Barney” Greenway, em um típico sotaque britânico, ao ter o grito de guerra do público traduzido do português por um fã na beirada do palco. Em um raro momento de descanso, a plateia brada contra o candidato fascista ao governo brasileiro, não por acaso, depois de “Nazi Punks Fuck Off”, e aí é só substituir “Nazi punks” pelo nome do sujeito e… bingo! Uma prova de que o grupo que veio lá dos cafundós da Inglaterra para embasbacar o mundo com som extremo, cru, velocíssimo e agressivo, sempre se posicionou de modo libertário, ainda que, nesse caso, se valha de um clássico dos não menos engajados Dead Kennedys. É esse o clima na reta final do show desta sexta (14/9), em um Circo Voador bem cheio, na abertura para o Cannibal Corpse (veja como foi).

Antes, o bicho já estava pegando, e vale destacar que o grupo, com tantas fases a caminho de completar 40 anos de carreira e muitas trocas de integrantes – não há um sequer da formação original -, já se assume como clássico há tempos, a ponto de tocar umas sete músicas do álbum “Scum”. O disco marca a estreia do Napalm em 1987, e é símbolo da brutalidade tosca de um subgênero peculiar da música pesada que desde então se perpetua pelos porões mais imundos da humanidade. Por isso o púbico vibra com a sequência, por assim dizer, com as urgentes “You Suffer”, de um segundo de duração, e “Dead”, essa do EP “The Curse”, anexado ao não menos genial “From Enslavement to Obliteration”, um ano depois, com quatro, se muito. Dá pra acreditar?

Formação atual do Napalm Death: o guitarrista John Cooke, caçula, Barney e o baixista Shane Embury

Formação atual do Napalm Death: o guitarrista John Cooke, caçula, Barney e o baixista Shane Embury

De certo modo, a época mais elaborada da banda (sim, existe uma), quando um arraste thrash metal contagiou a música pesada de um modo geral, na década de 1990, perde espaço, e mesmo canções dessa fase sem convertem em um esporro só, ainda mais com a formação de quarteto, iniciada já há mais de uma década, após a partida de Jesse Pintado, falecido em 2006. Ressalte-se também que o guitarrista Mitch Harris não tem feito turnês distantes por conta de problemas familiares e é substituído pelo bom John Cook, que parece metalizar ainda mais alguns riffs de músicas da banda, com o som em um volume absurdo. É o que se vê na anti-nuclear “Call That na Option?” e na pedrada “Practice What You Preach”.

Outro que se destaca como uma usina de fabricar esporro em série é o baterista Danny Herera, com um kit até sofisticado, para um tipo de música inevitavelmente crua e que atinge direto o fígado do incauto que se atreva a ouvi-la. Em “Suffer the Children”, pérola do álbum “Hamony Corruption”, de 1990, bem popular no Brasil, e “Breed to Breathe”, coladinha uma na outra, ele impinge viradas e reviradas que não se afastam da simplicidade pesada e emblemática do Napalm Death. E o baixista Shane Embury, que tem vindo muito ao Brasil também atrás das máscaras do Brujeria, é o elemento guardião do conhecimento desse tipo de música inóspita e, por isso mesmo, interessante, ao menos para essa gleba que não para de se estapear no meio do salão, em clima de doce diversão.

Vista completa do palco do Napalm Death, com o batera Danny Herrera soltando o braço no fundo

Vista completa do palco do Napalm Death, com o batera Danny Herrera soltando o braço no fundo

O disco mais recente do Napalm é “Apex Predator – Easy Meat” (2015), e dele três faixas entram no set, quatro a menos do que no show de 2016, no Teatro Odisséia, que serviu para apresentá-lo aos brasileiros. São elas a cacetada “Smash a Single Digit”, quando o andar do figuraça Barney leva o cabo do microfone a se enrolar em um ventilador no palco; “How the Years Condemn”, precedida por um discurso de dignidade para cada um dos seres humanos; e “Cesspits”, outra paulada, já no arremate do show. O set tem ainda lados B incluídos em coletâneas, como “Standardization”, e mesmo que algumas músicas nem sejam tão conhecidas assim, a atmosfera e o entorno esporrento da performance impecável da banda, e do público, incansável em rodas intercedendo rodas sem parar, adorna uma noite das mais bem-acabadas.

Set list completo:

1- Multinational Corporations
2- Instinct of Survival
3- When All Is Said and Done
4- Unchallenged Hate
5- Smash a Single Digit
6- The Wolf I Feed
7- Practice What You Preach
8- Standardization
9- Everyday Pox
10- Scum
11- Life?
12- Control
13- You Suffer
14- Dead
15- Narcoleptic
16- Victims of a Bomb Raid
17- Suffer the Children
18- Breed to Breathe
19- Call That an Option?
20- How the Years Condemn
21- Nazi Punks Fuck Off
22- Cesspits
23- Siege of Power

Barney diante do povaréu que lhe é fiel a serviço do esporro e da mais pura diversão no Circo Voador

Barney diante do povaréu que lhe é fiel a serviço do esporro e da mais pura diversão no Circo Voador

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