O Homem Baile

Gênio

Com incrível precisão, veterano Carl Palmer revê o legado do Emerson, Lake & Palmer e dá um passo a mais com um power trio envenenado. Fotos: Nem Queiroz.

Carl Palmer com o kit de bateria avançado para a beirada do palco: técnica e precisão aos 68 anos

Carl Palmer com o kit de bateria avançado para a beirada do palco: técnica e precisão aos 68 anos

Alto lá! É o show cuja banda é encabeçada por um baterista – um dos maiores de todos os tempos, diga-se – e não tem um solo de bateria? Alguma coisa parece fora da ordem até que, perto do apagar das luzes, guitarrista e baixista saem de cena de fininho para a que a estrela maior da noite brilhe intensamente no palco do Vivo Rio, nesta sexta (25/5), sem combustível, sem hortaliças, sem nada. É quando Carl Palmer, celebrando o legado do ELP, começa uma espetacular exibição solo de técnica, sensibilidade, criatividade e bom gosto. Com grande precisão, durante cerca de 10 minutos inventa de tocar não só em tambores e pratos, mas em aros, hastes, peças de apoio e nas próprias baquetas, em um intenso malabarismo. Desfaz-se, assim, a ideia de que solo de bateria é algo enfadonho. E repita-se: nunca antes na história do solo de bateria o solo de bateria parece tão agradável.

Explica-se aos menos interessados que ELP é como se abrevia o nome do trio Emerson, Lake & Palmer, uma das maiores bandas de rock progressivo em todas as épocas, e que o tecladista Keith Emerson e o baixista/vocalista Greg Lake já partiram, ambos em 2016. Ou seja, cabe a Carl Palmer a bronca de manter o legado vivo, e é por isso que a turnê que passa pela Brasil leva o nome de “Carl Palmer’s ELP Legacy Tour”. Longe de ser uma apresentação que flerta com o cover e com nostalgia de botequim, contudo, o show dá um passo à frente ao apresentar o material consagrado em um formato de power trio, sem teclados, em que pese o uso de um stick pelo baixista Simon Fitzpatrick. O instrumento, popularizado pelo baixista Tony Levin (King Crimson) é misto de baixo e guitarra, e com o apoio de pedais de efeito faz ainda as vezes dos teclados em algumas passagens.

O ótimo guitarrista Paul Bielatowicz e a curiosa mistura de Steve Howe, do Yes, com Eddie Van Halen

O ótimo guitarrista Paul Bielatowicz e a curiosa mistura de Steve Howe, do Yes, com Eddie Van Halen

Fitzpatrick, agora de cara limpa, e o guitarrista Paul Bielatowicz são os mesmos que estiveram no Rio em 2014, no show da Mostra Internacional de Rock Progressivo (relembre), o que confere ao trio – e ainda tem mais essa – um entrosamento com transbordamento de virtuose para tudo o que é lado. O repertório também e bastante parecido, mas há novidades, como a inclusão de “Tank”, que a turma pedia naquele show, e “Tarkus” - “na versão completa”, enfatiza Palmer ao anunciá-la -, mesmo que não tenha atingido os 20 minutos de duração (um lado inteiro do LP) como faixa-título do álbum lançado em 1971. Chama a atenção a precisão da batida de Palmer, com incrível firmeza nas mãos aos 68 anos de idade, e as mudanças de andamento sagradas para um fã de rock progressivo de verdade. A peça ainda tem trocas de lideranças entre o stick de Fitzpatrick e a guitarra feroz de Bielatowicz, misto de Steve Howe, do Yes, com Eddie Van Halen; os nomes dos caras possuem até relevância fonética. E o sabido Palmer conhece o papel de uma bateria de modo a não impedir o brilho dos rapazes.

O lado mais pop/comercial do ELP – sim, existe um -, vem das composições do saudoso Greg Lake, como admite/explica Carl Palmer em uma de suas falas com enriquecedoras histórias sobre cada música apresentada. Tal faceta, quando as músicas possuem letras a serem cantadas, é outra novidade no show – em 14, era tudo instrumental –, com convidados locais. Assim, entram em cena Ritchie (eterno “Menina Veneno” e integrante do Vímana nos anos 1970); Sergio Vid (do Sangue da Cidade e Vid & Sangue Azul); e Tony Platão (revelado no Hojerizah e com reconhecida carreira solo). Vid é o que se sai melhor no trechinho cantado da bela “From The Begining”, Ritchie é discreto em “Lucky Man” – e a saudade da voz de Lake bate forte -, e o vozeirão de Platão não cabe direito na melosa “C’est la Vie”. Outros músicos brasileiros participaram tocando violão, mas sequer foram anunciados, em um clima de improvisação/esculhambação incompatível com o tamanho de um artista como Carl Palmer.

Carl Palmer e o baixista Simon Fitzpatrick, na penumbra, com um instrumento de 1001 cordas

Carl Palmer e o baixista Simon Fitzpatrick, na penumbra, com um instrumento de 1001 cordas

A parte visual também deixa a desejar, e já passou da hora de o Vivo Rio dar um up grade naqueles minúsculos telões com resolução VHS style. Mesmo assim, é uma delícia ver a colagem de fotos antigas do ELP durante o desfecho da noite, em “Nutrocker”, com destaque para a vista aérea de três caminhões de equipamentos com a inscrição dos nomes de cada um deles no teto da lataria da carroceria, nos incríveis anos 1970. Mas também vão ficar cravados na memória nesses estranhos anos 10 a incrível interpretação do trio para “Carmina Burana”, que todo mundo adora, com Paul Bielatowicz debulhando a guitarra sem dó; “21st Century Schizoid Man”, do – de novo – King Crimson, com os três músicos um apostando corrida com outro, sem Palmer levar poeira, aos 68 – repita-se -; e, como se a cobra realmente mordesse o próprio rabo, o tal do extraordinário solo de bateria mais agradável de que se tem notícia, coroando quase duas horas de show sem parar! Que legado, que nada; é a vida que segue pedindo passagem.

Set list completo:

1- Abaddon’s Bolero
2- Karn Evil 9: 1st Impression, Part 2
3- Tank
4- Knife-Edge
5- Trilogy
6- Canario
7- 21st Century Schizoid Man
8- Solo guitarra
9- Hoedown
10- Lucky Man
11- From The Beginning
12- C’est la Vie
13-Tarkus
14- Carmina Burana
15- Fanfare for the Common Man/Solo bateria
16- Nutrocker

Bonito de ver: a paisagem do palco com o power trio liderado pelo veterano Carl Palmer em ação

Bonito de ver: a paisagem do palco com o power trio liderado pelo veterano Carl Palmer em ação

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