Votos renovados
Ozzy Osbourne se refaz no palco com o carisma que lhe é peculiar, na turnê que marca a volta de seu guitarrista mais relevante e a despedida das grandes viagens. Fotos: Daniel Croce.
Parece porque como em um encontro de velhos amigos, um avalia a forma do outro, e, por incrível que pareça – sabe-se lá o que Ozzy fez ou deixou de fazer nos últimos tempos – ele está em uma forma muito apurada, em comparação aos outros shows que fez por aqui nos últimos tempos, (relembre 2011 e 2015), incluindo dois com o Black Sabbath (veja como foi em 2013 e 2016), em um padrão Ozzy de saúde, com todas as estripulias do mais loucaço ícone que o rock já produziu no pacote. Tanto que, logo na abertura, com o petardo “Bark at the Moon” – Rock in Rio 85 feelings – ele se movimenta bastante fora do pedestal do microfone, mesmo tendo a tarefa – como se sabe – de ler as letras da das músicas em um monitor na frente do palco. E ainda tem a concentração para, a seu modo, anunciar o título de cada uma das músicas. Parece pouco, mas para este cidadão britânico quase septuagenário, definitivamente não é.
O que marca a turnê, além do carimbo de última chance de ver Ozzy, é o reencontro com Zakk Wylde, seu mais importante guitarrista (deixemos o precocemente falecido Randy Rhoads, convertido em mito de imediato, fora dessa) em muitos anos, afastado do Madman desde 2009. O que acarreta no retorno ao repertório do clássico noventista “No More Tears”, talvez a maior contribuição de Wylde para o mundo da música, e que, por isso mesmo, foi limada dos shows na fase com o guitarrista Gus G no posto, acabando com uma enorme frustração dos fãs. Mas Zakk Wylde, que andou por aqui com o Zakk Sabbath, uma banda cover do Black Sabbath, com o mesmo baixista Rob Blasko, que também está no palco, não voltou só para isso, e protagoniza uma noite inspirada em solos e mais solos com uma fúria descomunal. “Se é para acabar, vamos destruir logo tudo”, parece pensar.No tempo que teria para incrementar o tradicional solo de guitarra, quando Ozzy aproveita para dar uma descansada, Wylde decide fazer diferente. Em vez de ficar no centro do palco sob as luzes, converte o desfecho da seminal “War Pigs”, do Sabbath, em uma jam espetacular dos demais músicos – Adam Wakeman, o filho do homem no teclado e o animal Tommy Clufetos na bateria -, e desanda a tocar no espaço entre a grade que separa o púbico do palco, em uma exibição infernal. Praticamente no meio do povão, toca com a guitarra nas costas, com os dentes e o escambau. E isso na mesma música em que antes o próprio Ozzy, aos pulos, ordenou que todos pulassem também no meio do público, e na qual os braços erguidos em coreografia ensaiada, mesmo nesses tempos estranhos e de consolidação da farra dos ecléticos, é gesto instintivo. É ou não é um dos grandes momentos da noite?
Há, contudo, quem reclame de Ozzy tocar músicas do Black Sabbath (três no total) em detrimento de outras de sua carreira solo. Para estes, a resposta vem com performances matadoras para “Suicide Solution”, com um peso maçante de doer nas costelas e um desfecho instrumental sensacional; na levemente revoltada “I Don’t Want To Change The World”, parceria com Lemmy Kilmister, do Motörhead, já na parte final; a irresistível balada oitentista “Shot In The Dark”, quando Wylde se transforma em homem esmeril; e a macabra “Mr. Crowley”. Os iniciados ainda tiveram de brinde um medley instrumental, colado na jam de “War Pigs”, com trechos curtos de “Miracle Man” e “Crazy Babies” (de “No Rest for the Wicked”, 1988); “Desire” (de “No More Tears”, 1991) e “Perry Mason” (de “Ozzmosis”, 1995). Mas será que alguém reconheceu?O repertório, como se vê, é de 1991 para trás, e tem que ser com clássicos para uma despedida, ainda mais quando a saúde não permite uma apresentação superior a cravados 90 minutos sem acréscimos. O show não tem mais as gaiatices de Ozzy, como o banho de mangueira lançado sobre o público ou seu próprio banho d’água com um balde – usado uma única vez, na direção da plateia -, mas o telão de dimensões avantajadas e raios laser lançados em profusão enriquecem a tal da missa heavy metal que tanto o Jabor equivocadamente citava em rede nacional. Se é esta realmente a última vez de Ozzy por aqui, o público fez bonito a sua parte – disseram que não ia encher, mas vazio não estava – e se despediu em uma noite de altíssimo astral. Se não é, os votos foram renovados mais uma vez, com a certeza de que, pelo conjunto da obra – e que obra! – um show de Ozzy Osbourne sempre corresponde às expectativas.
Set list completo:1- Bark at the Moon
2- Mr. Crowley
3- I Don’t Know
4- Fairies Wear Boots
5- Suicide Solution
6- No More Tears
7- Road to Nowhere
8- War Pigs
9- Miracle Man/Crazy Babies/Desire/Perry Mason
10- Drum Solo
11- Shot in the Dark
12- I Don’t Want to Change the World
13- Crazy Train
Bis
14- Mama, I’m Coming Home
15- Paranoid
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