O Homem Baile

Engenhoso

Versão completa realça ainda mais a genialidade do singular espetáculo de David Byrne no Rio. Fotos: Nem Queiroz.

David Byrne tocan guitarra com o alinhado terno cinza, figurino de todos os 11 músicos do show

David Byrne tocan guitarra com o alinhado terno cinza, figurino de todos os 11 músicos do show

O sujeito encara um aparelho de TV de peito aberto e, impulsionado por quase uma dúzia de asseclas, entra dentro da tela. Com um cérebro humano nas mãos, questiona de onde vem as coisas que dominam esse nosso mundo. Diante de uma lâmpada que surge do nada o assunto é a bala (perdida?) que atravessa a todos sem distinção. No final, participa de uma animada pelada com a bola rolando sobre o palco, sem parar de tocar. É David Byrne fazendo das suas no Metropolitan, nesta quarta, no Rio (28/3), com uma trupe de 11 músicos, todos trajados em elegantes ternos cinzas, e com os instrumentos presos aos corpos, de modo que possam participar das coreografias – e são muitas – em hora e meia de show.

A apresentação – essencialmente teatral – é um braço do Lollapalooza, que aconteceu no último final de semana, em São Paulo (veja como foi) só que em sua versão completa, com oito números a mais, incluindo alguns que não funcionariam tão bem durante o dia – o show do Lolla foi de tarde -, como as sombras gigantes de “Blind”, obviamente omitidas em SP; ou o diálogo mantido com a televisão em “ I Should Watch TV”; ou ainda na lâmpada de “Bullet”, entre outras passagens. Embora temático, uma versão do show não supera a outra em qualidade e compreensão. Definitivamente, contudo, quanto mais David Byrne, melhor.

Byrne evolui no palco com os músicos, em uma das muitas coreografias ensaiadas nos mínimos detalhes

Byrne evolui no palco com os músicos, em uma das muitas coreografias ensaiadas nos mínimos detalhes

O palcão do Metropolitan é reduzido a um cômodo menor por cortinas que recebem iluminação a cada música, onde os músicos, dançarinos e cantores de Byrne, evoluem em 21 maneiras diferentes, uma para cada uma delas. É tanto detalhe que tudo contribui para que o público assimile o todo, com a visão quase sempre centrada em Byrne, o que facilita para a assimilação do conceito do espetáculo. Quase sempre cínico e com músicas com letras fáceis de se compreender, graças ao seu gestual, incluindo as do Talking Heads que muitos da plateia conhecem, todo o investimento nas coreografias e arranjos resulta em uma simplicidade acessível a qualquer pessoa, mesmo que ela não esteja nem aí parara história – e que história – do músico.

Ressalte-se que não se usa artifícios exagerados comuns nos dias de hoje: não tem jato de fumaça, labaredas, papel picado ou pirotecnia. Tudo é na base da iluminação e na coreografia por si só. A tecnologia aparece, sim, nos microfones ajustados nos rostos dos músicos, na captação do som, com muita percussão acústica, e na comunicação entre eles, provavelmente por sinal de rádio, em um palco completamente limpo, sem amplificadores, monitores de retorno e afins. As músicas, mesmo as mais conhecidas do Talking Heads, têm arranjos comuns entre si, no maior estilo David Byrne, com eletrônica, percussão e guitarra funk, tocada inclusive por ele em alguns casos, e sempre fazendo um apanhado da música periférica mundial, por assim dizer, com a banda integrantes de origens diversas, incluindo os percussionistas brasileiros Davi Vieira, que manda um rap em “Toe Jam”, e Mauro Refosco.

Percussionistas: os brasileiros Mauro Refusco e Davi Vieira são os primeiros, da esquerda para a direita

Percussionistas: os brasileiros Mauro Refusco e Davi Vieira são os primeiros, da esquerda para a direita

No repertório, muitas músicas do Talking Heads e quase a íntegra do disco novo de Byrne, “American Utopia”, que saiu no início do mês, além de uma parceria com a cantora St.Vincent (“I Should Watch TV”) e outra de Janelle Monáe. “Hell You Talmbout” é tocada depois do encerramento do espetáculo propriamente dito, quando Byrne e banda homenageiam brasileiros vitimados pela violência, como a vereadora Marielle Franco e o ajudante de pereiro Amarildo, fazendo um coro de “diga o nome dele(a)”, em português mesmo, após a citação a cada um. Originalmente, a canção foi escrita em homenagem aos negros mortos pela polícia americana, com os gritos de “say his/her name”. Outros números de destaque são “Burning Down the House”, com a adesão total do público, que no fim das contas compareceu em um bom número; “The Great Curve”, num crescente instrumental da pesada e o impagável diálogo onomatopeico (pi-pi-pi-pi-pi), em “Slippery People”; e “Everybody’s Coming to My House”, do disco novo. Mas a certeza é uma só. Jamais se verá outro show como esse.

Set list completo:

1- Here
2- Lazy
3- I Zimbra
4- Slippery People
5- I Should Watch TV
6- Dog’s Mind
7- Everybody’s Coming to My House
8- This Must Be the Place (Naive Melody)
9- Once in a Lifetime
10- Doing the Right Thing
11- Toe Jam
12- Born Under Punches (The Heat Goes On)
13- I Dance Like This
14- Bullet
15- Every Day Is a Miracle
16- Like Humans Do
17- Blind
18- Burning Down the House
Bis
19- Dancing Together
20- The Great Curve
Bis
21- Hell You Talmbout

Parte da turma de David Byrne tocando e dançando com ele durante o espetáculo de rara genialidade

Parte da turma de David Byrne tocando e dançando com ele durante o espetáculo de rara genialidade

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