Otimamente possível
Em iminente despedida, Deep Purple prioriza clássicos e instrumental em show compatível com a própria trajetória no Solid Rock. Fotos: Nem Queiroz.
O show é parte do festival Solid Rock, que passou por Argentina, Chile, Curitiba e São Paulo, antes chegar à Jeunesse Arena, no Rio, e conta ainda com Tesla e Cheap Trick (veja como foi) como atrações. Por isso, o guitarrista Rick Nielsen é o gaiato que se diverte com o baixista Roger Glover (outro que toca amarradão) e o guitarrista Steve Morse. Aclamado, Nielsen, um os fundadores do Cheap Trick, tem até direito a um dos solos na música, e o encerramento tem o vocalista Ian Gillan felizaço colocando o público para cantar com a luzes acesas, num momento de emoção generalizada para se anotar no caderninho. Público que, a despeito do cancelamento do Lynyrd Skynyrd, marcou presença mesmo assim (10 mil ingressos antecipados foram vendidos, segundo informações oficiais), em que pese o esforço dos organizadores e suas incríveis promoções de última bora.
É a batizada “The Long Goodbye Tour” e deve ser mesmo o encerramento de uma história e tanto para Gillan e sua turma. Em 2018, o Deep Purple comemora 50 anos de carreira – não é só Rolling Stones e The Who, não – e, além da despedida, o show tem ares de clássico, mesmo o grupo tendo lançado o bom álbum “Infinite” em abril, que cede apenas uma música ao repertório. São nada menos que cinco músicas do álbum “Machine Head”, de 1972, com a chamada formação clássica do grupo, da qual Gillan, Glover o baterista Ian Paice (um monstro aos 69, presente em todas as formações e álbuns do DP) são os remanescentes. E os caras entram no palco tocando uma sequência matadora de quatro músicas, sem intervalo, em quase meia hora sem tirar. A abertura tem um tom alucinante com “Highway Star” cantada por toda a Arena, e “Strange Kind Of Woman”, a última dessas quatro, chega a ser comovente.Porque é notório o estado de saúde prejudicado de Ian Gillan. O vocalista parece fazer sempre um esforço muito maior do que o comumente necessário para cantar em trechos até simples das músicas, mas, mesmo assim, não se omite na hora do tradicional duelo com de gogó versus guitarra (registrado em sua plenitude no álbum “Made In Japan”, de 1972 também), e o resultado, o possível depois de tanto tempo, é bastante satisfatório. Gillan entra e sai o tempo todo do palco, possivelmente para tomar um ar nos bastidores, e comanda o show quase que deambulando pelo palco. No que o repertório provavelmente leve isso em conta na hora de incluir músicas com grandes partes instrumentais, como “Lazy” e “Space Truckin’”, por exemplo, o que acarreta em grandes “improvisos”, outra máxima, honra seja feita, da careira do Deep Purple, incluindo até mesmo solo de baixo e o escambau.
E é aí que o tecladista Don Airey, o caçula dessa formação, surge com inesperado protagonismo. Além do solo de uns sete minutos a que tem direito, com citações a Tom Jobim, João Gilberto e Carmem Miranda, entre outros, ele brilha na introdução de “Lazy”, com praticamente outro solo, e na espetacular “Uncommom Man”, do álbum anterior “Now What?!” (2013), dedicada a Jon Lord, o tecladista da formação clássica, que saiu da banda em 2002 e veio a falecer 10 anos depois. Airey, cujo grande feito é autoria da introdução macabra de “Mr. Crowley”, para Ozzy Osbourne, ainda trava um duelo espetacular com Steve Morse, em “Hush” – aquela do na-nanana-nanana-nanana -, já no bis. Morse, quase sempre reservado, embora não menos brilhante, sola pra dedéu já em “Highway Star”; lado a lado com Gillan em “Strange Kind Of Woman”; e em “Pictures Of Home”. Seu destaque maior, contudo, fica para o solo de “Black Night”, no desfecho da noite, com citações ao próprio Cheap Trick, Led Zeppelin e outros clássicos.Afora os blockbusters setentistas e as músicas mais recentes, realça a dobradinha “Knocking at Your Back Door”/“Perfect Strangers”, separada pelo solo de Airey, que traz a lembrança de como a tal formação clássica conseguiu lançar o improvável “Perfect Strangers”, talvez o último momento exuberante do Deep Purple em disco, em pleno pós punk de 1984. O modo como a plateia vibra com as duas músicas reforça o tom de clássico já empregado a elas também. As duas têm a ênfase solo de Steve Morse, a segunda com um arremate instrumental sensacional. Ainda que com o formato possível para uma banda tão seminal para o rock como um todo, o Deep Purple consegue fazer uma apresentação a altura de sua história e segue conquistando novas gerações. Que Ian Gillan, que sempre deu tudo no palco, inclusive nessa noite, tenha o merecido descanso, e que venha – dedos cruzados – o retorno da MKIII, com David Coverdale e Glenn Hughes, do jeito que der.
Set list completo:1- Highway Star
2- Pictures of Home
3- Bloodsucker
4- Strange Kind of Woman
5- Uncommon Man
6- Solo teclado
7- Lazy
8- Birds of Prey
8- Knocking at Your Back Door
10- Solo teclado
11- Perfect Strangers
12- Space Truckin’
13- Smoke on the Water
Bis
14- Hush
15- Solo baixo/bateria
16- Black Night
Tags desse texto: Cheap Trick, Deep Purple, Solid Rock, Tesla