O Homem Baile

Um homem só

Humberto Gessinger desconstrói e reconstrói o repertório do Engenheiros do Hawaii em show com a íntegra do álbum ‘A Revolta dos Dândis’. Fotos: Thaís Monteiro.

O inquieto Humberto Gessinger, no início de um show bolado para ser um espetáculo por si só

O inquieto Humberto Gessinger, no início de um show bolado para ser um espetáculo por si só

O sujeito que traja a camiseta do Led Zeppelin e toca guitarra está à esquerda do palco, mas o mais importante, com um instrumento semelhante ao usado por Jimmy Page dependurado no pescoço, fica no centro. Com habilidade, ele começa tocando na parte de baixo, que é uma guitarra, os riffs conhecidos e – por isso mesmo – chicletudos até hoje. No meio da canção, súbito, passa para a parte de cima, tocando baixo como se a guitarra jamais existisse. Fora isso, empunha o instrumento – e o aspecto visual é comovente em toda a noite – como se deve fazer em um show de rock dos bons. A música é “O Exército de Um Homem Só”, uma bela alcunha pra Humberto Gessinger, que segue a vida tocando o repertório do Engenheiros do Hawaii, e a cena marca o desfecho do show que se dá nesta quinta (23/11), no Imperator, no Rio.

O título da turnê, “Desde Aquele Dia”, é a deixa para que a banda toque a íntegra do álbum “A Revolta dos Dândis”, o segundo da carreira do Engenheiros, cujo lançamento completa 30 anos este ano. Mas, inquieto, Humberto não sai tocando o disco como ele foi feito. Primeiro que as músicas, embora reunidas na primeira parte da noite, não aparecem na mesma ordem em que foram gravadas no álbum. Depois, que ele junta algumas delas com outras que não fazem parte do disco – ou que fazem, veja o repertório no final do texto. E, por fim, e isso vale para todo o show, quase todas as canções são executadas de forma ligeiramente diferente das versões originais, num contínuo processo de desconstrução e reconstrução ao vivo, ali no palco, na frente de todo mundo.

Humberto fazendo dupla com o bom baterista Rafa Bisogno, espécie de punk de bombachas

Humberto fazendo dupla com o bom baterista Rafa Bisogno, espécie de punk de bombachas

Tal procedimento, louvável, por vezes pode chatear o fã mais dedicado que tem dificuldade para cantar com a banda a tal música que ele vem ouvindo há 30 anos, e, também, pode decepcionar ao inserir músicas de grande apelo pela metade, caso da ótima “Até o Fim”, por exemplo, que se converte em um anexo do hit “Infinita Highway”. Mas, e o mais importante, fornece ao show o predicado de ser fechado em si próprio, bolado para ser assim, como espetáculo por si só. Não é só enfileirar em bom punhado de sucessos, reproduzi-los e ponto final. É Gessinger, ainda que revivendo um determinado período da banda que lhe projetou – e que é dele, no final das contas - fazendo música com verdade, seguindo os instintos dos músicos no palco. Ademais, quem se sentir incomodado tem sempre a opção de escutar os discos outra vez.

Enxuta, a banda tem a mesmíssima formação de trio do Engenheiros, com Humberto Gessinger se dividindo entre baixo, guitarra, harmônica, um tecladinho/sampler ao lado do microfone e um pianão de cauda lá atrás; o correto guitarrista Felipe Rotta, o tal trajado de Led Zeppelin; e o baterista Rafa Bisogno, espécie de punk de bombachas que usa instrumentos incomuns, sobretudo no trecho mais acústico do show, como um “surdo regional”, por assim dizer. Das 11 do “Revolta…”, sobressaem “Refrão de Bolero”, junto com “Piano Bar”, que se assume como grande balada e enfim cresce do meio para o final, em belo instrumental; “Vozes” + a premonitória “Terra de Gigantes”; a já citada e deliciosa “Infinita Highway”, logo no início, com ótimo solo de Rotta; e, com certa surpresa, a junção de “Além dos “Out-Doors” com “Guardas da Fronteira”, que tem grande apelo instrumental de uma banda muitíssimo bem entrosada.

Vista do palco com o cenário também bem preparado: o guitarrista Felipe Rotta, Gessinger e Bisogno

Vista do palco com o cenário também bem preparado: o guitarrista Felipe Rotta, Gessinger e Bisogno

Novidade, novidade mesmo só “Pra Caramba”, composição recente de Gessinger, que, quase acústica, soa como um indie folk meio deslocado. De fora do álbum aniversariante se salientam “Surfando Karmas & DNA”, renovada com um instrumental forte, pesado; uma “Toda Forma de Poder” atual, bem reformada; e a ótima “O Exército de Um Homem Só”, que garante a paisagem final descrita lá em cima. Há ainda “O Voo do Besouro”, do duo Pouca Vogal, que o público conhece, com citação de “A Montanha”, e não hits do Engenheiros até bem reconhecidos pela plateia. Mesmo que músicas de várias fases da carreira de Humberto Gessinger tenham sido contempladas, gritam, também, ausências como “Muros e Grades”, “Era Um Garoto…”; a sensível “Ando Só”; e a genial/emblemática “O Papa é Pop”, entre outras. Contudo, sabemos todos, outros aniversários virão, e ainda há muito para Humberto desconstruir e reconstruir por aí.

Set list completo:

1- A Revolta dos Dândis I
2- A Revolta dos Dândis II
3- Infinita Highway/Até o Fim
4- Quem Tem Pressa Não Se Interessa
5- Desde Aquele Dia
6- Vozes/Terra de Gigantes
7- Além dos Out-Doors/Guardas da Fronteira
8- Refrão de Bolero/Piano Bar
9- Filmes de Guerra, Canções de Amor
10- Eu Que Não Amo Você
11- Seguir Viagem
12- O Voo do Besouro/A Montanha
13- Surfando Karmas & DNA
14- Pra Caramba
15- Somos Quem Podemos Ser
16- De Fé
17- 3X4
18- Perfeita Simetria
19- Toda Forma de Poder/Banco
20- Pose
Bis
21- Dom Quixote/Alivio Imediato
22- Faz Parte
23- Vida Real
24- Pra Ser Sincero
25- O Exército de Um Homem Só

Imagem marcante: Humberto Gessinger empunha o instrumento metade baixo, metade guitarra

Imagem marcante: Humberto Gessinger empunha o instrumento metade baixo, metade guitarra

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. José Fellipe em novembro 26, 2017 às 13:49
    #1

    O guitarrista que tocou foi Felipe Rotta. E não Nando Peters como dito no texto.

  2. Marcos Bragatto em novembro 27, 2017 às 8:45
    #2

    Corrigido, obrigado!

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