O Homem Baile

Singular

Com voz e violão, Lee Ranaldo mantém estranheza que lhe é peculiar, ao antecipar álbum inédito. Fotos: Nem Queiroz.

O ex-guitarrista do Sonic Youth, Lee Ranaldo, solitário com o violão conectado  a uma grande pedaleira

O ex-guitarrista do Sonic Youth, Lee Ranaldo, solitário com o violão conectado a uma grande pedaleira

A imagem que encerra o show de Lee Ranaldo é basicamente a mesma que abre: o guitarrista com o violão em punho, erguido na vertical e um arco na outra mão a lhe arranhar as cordas. A única diferença são os óculos escuros, que dão um élan de artista ao músico, subtraídos na cena final. Ou, por outra, há ainda a destruição das cordas do pobre instrumento, em um paralelo razoavelmente forçado com a destruição de guitarras que o Sonic Youth promovia nos palcos ao final dos shows. Porque é impossível passar pela porta do Teatro Odisséia, em uma segunda (14/8) de bom púbico, sem ter em mente a banda que o consagrou. É o tipo de show que se assiste, se admira até, mas com o pensamento traiçoeiramente em outro.

Não que se esperasse que Ranaldo fosse enfileirar dois ou três sucessos de sua ex-banda, porque não é do feitio dele, e, a bem da verdade, o guitarrista tem considerável esforço em manter uma carreira própria, desde os tempos do Sonic Youth, conheça ou não, goste ou não. Mas, dessa vez, ele coloca no repertório nada menos que oito faixas do novo trabalho, “Electric Trim”, ainda inédito, a ser lançado no mês que vem, em versões diferentes das que foram gravadas, uma vez que ele está sozinho no palco. Menos mal que ao menos três dessas músicas – “Circular (Right as Rain)”, “New Thing” e a faixa-título – já transitam pela web, e que há menos de um ano ele tocou mais ou menos o mesmo repertório no Teatro Ipanema.

Sozinho o modo de dizer, já que o equipamento, se enxuto, tem uma considerável pedaleira para converter a captação dos violões – ele usa uns três – no esporro que ele quiser. E assim a faixa de abertura, “Moroccan Mountains” chega a quase uns oito minutos de duração, entre afinações estranhas e braço canhoto ao contrário em posição de pilates. Embora tenha a admiração da plateia – rola até um “beautiful eyes” quando o óculos é retirado – Ranaldo não se conforma com o tom de voz que sai no seu retorno, talvez numa admissão da dificuldade em cantar sozinho no palco, o que acaba dando mais intimidade e cumplicidade ao show. Por sorte, ele não cai na esparrela do stand up, armadilha comum a shows de voz e violão.

O altivo Ranaldo, que mostrou o repertório do novo álbum, 'Electric Trim', a ser lançado em setembro

O altivo Ranaldo, que mostrou o repertório do novo álbum, 'Electric Trim', a ser lançado em setembro

Antes de “Thrown Over the Wall”, contudo, Lee Ranaldo se enrola todo com plugues, pedais e efeitos, de modo que precisa dar uma parada para resolver as coisas. Ele citava o retrocesso da eleição de Donald Trump, a retirada de Dilma Rousseff no Brasil, usando inclusive o termo “golpista”, em português, e, na comemorada volta, em meio a gritos de “Fora Temer”, chegou até a mandar um trechinho de uma música do Sonic Youth, no que teve a maior vibração da noite, mas só para “recuperar o clima”. Não que não fosse aplaudido em outros momentos. Acontece, por exemplo, em “New Thing”, cujo clipe foi lançado há um mês, e em no bom dedilhado final de “Electric Trim”.

Uma campainha litúrgica também é usada uma ou duas vezes, sem muito efeito, mas o que realça, ainda que se considere as afinações fora do comum, são a força das músicas, ainda que, além cancioneiro do Sonic Youth, covers de Velvet Underground ou Neil Young, que Ranaldo costuma tocar, tenham ficado de fora. Porque senão não se explicaria a vibração depois de uma hora e pouco de show, muito menos o inesperado (será?) bis com “Lecce, Leaving”, do projeto Lee Ranaldo and The Dust, que parecia um clássico de outras épocas. Uma prova de que, mesmo em um formato inóspito para um artista acostumado ao barulho, é possível brilhar em uma apresentação, sobretudo se o público está interessado. Mas não custa nada voltar com uma banda completa, não é, Mr. Ranaldo?

Set list completo:

1- Moroccan Mountains
2- Let’s Start Again
3- Circular (Right as Rain)
4- Electric Trim
5- Uncle Skeleton
6- New Thing/Off The Wall
7- Home Chds
8- Thrown Over the Wall
9- Last Looks
10- Xtina As I Knew Her
Bis
11- Lecce, Leaving

Sonic Youth? O guitarrista no encerramento do show, destruindo as cordas de um dos violões com um arco

Sonic Youth? O guitarrista no encerramento do show, destruindo as cordas de um dos violões com um arco

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