O Homem Baile

Experiência plena

Labirinto mostra post-rock renovado do novo álbum em show curto, mas intenso, no Rio. Foto: Marcos Bragatto.

labirinto17-3Parece só o final do primeiro tempo com econômicos acréscimos, mas a percussão adicionada de última hora é o sinal de que se trata mesmo da derradeira música da noite. O show, raro em plagas cariocas, tem mesmo que acontecer em um tablado, na capital brasileira que mais tem teatros, não por isso, mas porque as músicas, reunidas e emendadas umas às outras, formam uma peça única de envergadura, técnica e concatenação extraordinárias. Na prática, em que pese duelos de tranquilidade versus agitação que marcam esse tal de post rock, é tudo uma coisa só, um concerto extraído do fundo dos infernos com um capricho que não é para muitos nesse mundão de guitarras. É o Labirinto encerrando com brilho uma enigmática apresentação no Espaço Cultural Sergio Porto, nesta sexta (11/8) no Rio.

Porque por mais insider que seja o sujeito trajando preto que atravessa os portões do Sérgio Porto (berço do inesquecível Humaitá Pra Peixe), não há como não se surpreender um uma apresentação como essa. O leiaute do local, inclusive, sem palco e com o equipamento esparramado pelo chão, o público aboletado em cadeiras que formam pequena arquibancada, nocauteado por canhões de luz que se contrapõem à maciça exibição de vídeos em tela gigante no fundo, contribui para um ambiente no qual a única coisa que se espera é o inesperado. Sabe-se, contudo que o repertório é exclusivamente do álbum “Gehenna”, o trabalho mais recente do Labirinto, que saiu no ano passado e agora ganha versão em LP duplo. São sete das 10 faixas – por que não a íntegra? – e em ordem alterada – por que não a mesma? Porque não a deliciosa faixa-título? - no que parece ser o esforço de a banda se reinventar ainda durante a invenção.

Mesmo porque “Gehenna” carrega uma concisão peculiar (se é que isso é possível nessa seara) na trajetória da banda, e, vamos e venhamos, mesmo para o cenário do post-rock, aquele subgênero que é a síntese e a forma mais ampliada ao mesmo tempo da anti-canção. Mais maduro nessa nova fase, o Labirinto se apresenta em forma de orquestra, mas com a erudição subtraída para dar lugar ao peso do rock. Não aquele radiofônico com vocação para as massas, mas o primo distante que galopa em câmera lenta a custa de riffs pesados, abruptas mudanças de andamento e evoluções colantes até, mas sempre desafiados por uma parafernália que inclui sintetizadores, milhares de pedais, laptops do bem, e, numa espécie de contraponto agregador, um kit de percussão que diversifica e enfatiza o peso milimetricamente calculado pela baterista Muriel Curi, sócia proprietária da tralha toda.

Mas é uma banda de guitarras – e são três – e quando elas atacam juntas é que a coisa pega, seja na maneira de encorpar o peso de um modo geral, em riffs pesadões de fazer bater a cabeça de imediato, como os de “Aung Suu”, ou em solos de encaixe adequado, quase todos por conta de Erick Cruxen, principal compositor e outra metade de toda a tralha. O de “Enoch” é o melhor, onde realçam também as evoluções de guitarra e a percussão de Lucas Melo, essa talvez uma sutil, mas valorosa nova faceta ao som do sexteto. Colada nela, “Qumran” traz o guitarrista Luis Naressi pilotando um sintetizador que aterroriza corporalmente cada indivíduo da plateia, incluindo até um registro de voz não menos apavorante. Não por acaso é o trecho em que o público mais aplaude, em uma apresentação mais contemplativa, pelo conjunto da obra, do que de participação.

E não tem boa noite nem sai do chão, muito menos “Rio, vocês são do caralho”, só a confissão/admissão de Cruxen, no final do show, de que não há nenhuma música a mais para ser tocada, nesse que é, ainda segundo o guitarrista, o último show da turnê de lançamento de “Gehenna”, e que é preciso compor novas músicas. Para um tipo de música que sugere que uma overdose de horas e horas nunca é o bastante, os menos de cinquenta minutinhos parece um aperitivo regulado, mas a intensidade da apresentação, por outro lado, concretiza uma experiência que se vive em poucos - muito poucos - shows de rock nesses tempos estranhos. Daí a percussão tripla, com Naressi, Melo e Hristos Eleutério, o terceiro guitarrista, no encerramento de “Alamut” (ótima música por si só, diga-se), não sair da cabeça daqueles que vestem preto no teatro.

Set list completo:

1- Mal Sacré
2- Aung Suu
3- Enoch
4- Qumran
5- Avernus
6- Aludra
7- Alamut

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