O Homem Baile

Pioneirismo

Inocentes brilha com longevidade punk no Matanza Fest; DFC faz show destruidor e Cabeça revê clássicos em bom retorno. Fotos: Nem Queiroz.

O emblemático Clemente lidera a formação clássica do Inocentes em um show bonito de se ver

O emblemático Clemente lidera a formação clássica do Inocentes em um show bonito de se ver

Em 1983 o Circo Voador era outro e abria espaço para o insipiente rock nacional. Em meio a um festival de punk rock, uma banda veio de São Paulo e, de cara, despertou o sentimento comum à juventude dos subúrbios do lado de lá e do lado de cá da Dutra, em tempos de distância sem fim. Não era uma banda qualquer, mas aquela cujo líder havia bolado o manifesto do movimento. Era o Inocentes estreando na cidade com “Garotos do Subúrbio”, e o signatário do tal manifesto é Clemente, que lembra justamente disso antes de tocar a música, hoje um clássico absoluto do rock nacional. É apenas um dos grandes momentos do Matanza Fest desse ano, que teve ainda na incrível escalação DFC, Cabeça e o próprio Matanza (veja como foi).

Outro desses momentos pode ser anotado como o que é introduzida “Restos de Nada”, a primeira música composta por Clemente, aos tenros 15 anos de idade, para o – só podia ser – Restos de Nada, banda pioneira do punk nacional. Ou ainda pelo fato de o show conter, salpicadas no repertório, a íntegra do mini LP (chamava-se assim na época) “Pânico em SP”, tido como o primeiro lançamento de um grupo punk por uma gravadora multinacional, já no boom do rock daquela década, e o resto é história. Bem conhecida, aliás, como se vê quando as seis faixas são tocadas, especialmente “Rotina” e a faixa-título, que já tem até um cantarolar espontâneo de um público bastante jovem, mesmo para o Matanza, cuja produção/curadoria do festival merece todos o aplausos.

Clemente e o baixista Anselmo Guarde, cujo duelo físico resultou em queda  e mais diversão ainda

Clemente e o baixista Anselmo Guarde, cujo duelo físico resultou em queda e mais diversão ainda

Porque é muito bom ver ali em cima do palco o que se pode chamar de formação clássica do Inocentes – além de Clemente, Ronaldo Passos (guitarra), Anselmo Guarde (baixo) e Nonô (bateria) -, todo mundo com a idade avançada, dando aula de punk rock para a garotada com um inesperado vigor juvenil. É mais do que curtir clássicos como “Pátria Amada”, que do desalento com a Nova República cabe certinha nesses tempos estranhos, ou “Miséria e Fome”. É bonito de se ver, ainda mais com o apoio da plateia, em rodas de dança ou com os braços erguidos e punhos fechados, porque todo mundo ali se reconhece no contexto daqueles sujeitos, e é por isso que a segmentação em festivais de rock é mais que uma opção, é necessária.

E também conta o nível de divertimento do quarteto, cujo ápice ocorre quando o baixista Anselmo se estabaca no palco ao promover o choque de corpos com Clemente, que se enrola para não errar a letra, de tanto rir. E serve para mostrar outros bons momentos da carreira do grupo, não ligados às origens e/ou mais recentes, como “Franzino Costela”, do Sex Noise, gravada no álbum de covers “O Barulho dos Inocentes”, com participação generosa do epilético Larry Anta em pessoa; “Intolerância”, com um arremate pesadão; a autoexplicativa “Cala a Boca”; ou mesmo “São Paulo”, do 365, incluída com certa dose de coragem em plagas cariocas. Ou não, dada a intimidade público/banda, que deve servir de exemplo para que o Circo Voador acorde e não faça do Inocentes mais um ícone do rock nacional exilado de sua lona moderna.

Dupla de guitarristas que segue brilhando: Clemente com Ronaldo Passos; no fundo o batera Nonô

Dupla de guitarristas que segue brilhando: Clemente com Ronaldo Passos; no fundo o batera Nonô

Tocou mais cedo outro dessa leva de esquecidos, o DFC, cuja lembrança do vocalista Túlio data do início dos anos 1990, quando o grupo foi apresentado ao público carioca abrindo para o Ratos de Porão. De lá pra cá – é o próprio Túlio quem diz – ao menos uma das músicas é tocada em todos os shows da banda, a mesma que encerra o set dessa vez. E a assiduidade de “Molecada 666” se explica pela reação da plateia, que se já vinha se estapeando durante todo show, no final buscou a fúria que restava para não decepcionar. Mas não foi só isso. A singela “Pau no Cu do Capitalismo em Posições Obscenas”, logo na abertura; “Possuído Pelo Cão”; “Vai Se Fuder No Inferno”, na qual Túlio vê o Rio de Janeiro como “tendência” ao eleger prefeito evangélico; e “Cidade de Merda”, essa em homenagem a Brasília, terra do grupo, falam por si. Poderiam ter tocado mais, se eles não tivessem feito uma lambança com o próprio set list, em cerca de 40 minutinhos. Ou seja, outro show que o Circo Voador precisa trazer de tempos em tempos.

Na abertura, ainda com o salão a ser ocupado, o Cabeça, mostrou que está de volta como… Cabeça! Destaque da cena carioca noventista, o grupo, embora com integrantes cascudos, parece conservar o vigor da época, com o élan de ingenuidade que lhe é peculiar. A alegria estampada no rosto do baixista Fabio Kalunga é comovente, e o guitarrista e esmerilhador Nobru, hoje no Planet Hemp, segue detonando as seis cordas de um modo peculiar. Em “Vara Verde”, já perto do final, ele lança a guitarra para o alto antes de se jogar ele próprio ao chão, o que desencadeia uma solitária roda para uma banda de abertura. Outros clássicos relativos tocados foram “Quem Não Cola Não Sai da Escola”, “Skate no Flamengo é Podre” e a inacreditável “Tutupá”. Só faltou o grupo mandar algumas músicas da nova lavra, que, segundo consta, estão escondidas a sete chaves.

O impagável vocalista do DFC, Túlio: grupo se enrolou com o set list, mas não deixou de fazer ótimo show

O impagável vocalista do DFC, Túlio: grupo se enrolou com o set list, mas não deixou de fazer ótimo show

Set list completo Inocentes:

1- Miséria e Fome
2- Garotos do Subúrbio
3- Salvem El Salvador
4- Desequilíbrio
5- Medo de Morrer
6- 4 Segundos
7- Rotina
8- Expresso Oriente
9- São Paulo
10- Aprendi a Odiar
11- Ele Disse Não
12- Intolerância
13- Resto de Nada
14- Cala a Boca
15- Não Acorde a Cidade
16- Franzino Costela
17- Pânico Em SP
18- Pátria Amada

Trio de volta: o baixista do Cabeça, Fabio Kalunga, é só alegria no palco do Circo Voador

Trio de volta: o baixista do Cabeça, Fabio Kalunga, é só alegria no palco do Circo Voador

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