O Homem Baile

Preto no branco

No lançamento do novo álbum, Picassos Falsos mostra boa forma e reafirma vocação para lado B. Foto: Joca Vidal.

picassosfalsos17-1Não é preciso muitas músicas para perceber que o público está diante de um cantor (não vocalista) excepcional. Mas, quando a noite se aproxima do fim é que se confirma que nem o desgaste de uma apresentação inteira interfere naquela impostação de voz. E que mesmo ao interpretar pérolas do cancioneiro underground brasileiro, o tal cantor consegue se aproximar do original sem se afastar de si mesmo. Também é instantânea, no mesmo palco, a identificação de um dos mais inventivos guitarristas do Brasil, que iria passear em milhares de gêneros musicais sem jamais se abraçar a um em particular. Estamos no Teatro Rival, nesta quinta (22/6) e o Picassos Falsos permanece intacto, mas sempre olhando pra frente.

Porque é o show que marca o lançamento do quarto álbum do grupo, “Nem Tudo Pode Se Ver” (ouça aqui), mas, também, um daqueles poucos momentos de ficar revendo, a cada música das antigas, um pouco da história de cada um no meio do público, sob o precioso repertório do quarteto. De carreira bissexta desde os idos dos anos 1980, mas assertiva mesmo assim, o grupo não dá às caras à toa, o que torna a oportunidade algo raro e a ser aproveitado por um público que, se não é dos maiores – nunca foi, um dos mistérios do rock nacional – não está ali de passagem. Por isso Humberto Effe, o tal cantor, comanda o show com o carisma na medida correta, sem exageros, desfilando uma performance vocal tão intacta que só se justifica pela pouca atividade do Picassos nesses trinta e tantos anos.

Embora muito se argumente acerca do superestimado “Supercarioca”, o segundo álbum deles, como a grande obra-prima, são as faixas do homônimo disco de estreia que fazem o público participar mais. Caso da dobradinha final com “Bonnie e Clyde” e “Quadrinhos”, mesmo em versões diferentes das originais, e do improvável hit – o único do Picassos – “Carne e Osso”, fechando o bis. “Sangue”, também no bis, realça pelo desfecho meio no improviso, com Gurtavo Corsi, o guitarrista inventivo citado lá em cima, deitando e rolando. Em “Rio de Janeiro”, tal qual um Satriani antropofágico, faz a guitarra falar em um dos momentos de maior sensibilidade da noite. A música aponta para “Supercarioca”, como no encerramento do disco, em outro grande momento do show.

Mas – repita-se - é o lançamento de “Nem Tudo Pode Se Ver”, e duas músicas das quatro novas chamam a atenção. “Mudança”, o rockão semi-estradeiro mostrado no início do bis, que reafirma as origens do quarteto desde os tempos pré-primeiro álbum, e a ótima faixa-título, em que brilha uma criativa linha de baixo de Minhoca. Também gravada no disco, uma versão de “Pavão Misteryozo”, de Ednardo, ganha espaço, em outro ótimo momento de interpretação de Effe. Ele também homenageia Luiz Melodia, que segue internado se recuperando, com “Magrelinha”. As duas músicas vão na linha do “parecido com a versão original, mas ao mesmo tempo com cara própria”, o que é muito bom. E ressaltam o olhar do grupo, em toda a carreira, para o mundo fora do esquemão, o que é ainda melhor.

Outros destaques em um show que não chega a esquentar, muito por conta das mesas e cadeiras e da quantidade de publico não tão grande, são, pela ordem: a) “Retina”, um coco/repente emrockezado e incrementado - e não é de hoje – pelo pandeiro de Humberto Effe; b) “Bolero”, quando Corsi envereda por um funk rock à Hendrix sem nenhuma dificuldade; e c) “Últimos Carnavais”, que tem ótimas variações vocais e deixa todo mundo com água na boca ao citar um verso da ótima “Idade Média” – era pra tocar essa inteirinha. Oxalá o Picassos Falsos se empolgue com o disco novo e siga fazendo shows como esse em tudo o que é canto. Não deixe para depois, porque, nesse caso, nunca se sabe o que vai acontecer.

Set list completo:

1- Enigma
2- Nem Tudo Pode Se Ver
3- Bolero
4- Marlene
5- O Homem Que Não Vendeu Sua Alma
6- Porta Bandeira
7- Últimos Carnavais
8- Misturando
9- Rua do Desequilíbrio
10- Magrelinha
11- Fevereiro
12- Pavão Misteryozo
13- Retinas
14- Rio De Janeiro
15- Supercarioca
16- Vou a Vila
17- Bonnie E Clyde
18- Quadrinhos
Bis
19- Mudança
20- Sangue
21- Carne e Osso

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