O Homem Baile

Simbiose

Tocando as músicas do álbum de maior sucesso, Steve Vai parece se fundir com a guitarra, em espetáculo de técnica e sensibilidade. Fotos: Luciano Oliveira.

Sentimento puro: Steve Vai parece ter uma conexão íntima com a guitarra a cada nota tocada

Sentimento puro: Steve Vai parece ter uma conexão íntima com a guitarra a cada nota tocada

Em um momento de sensibilidade extrema, o guitarrista se coloca no centro do palco, iluminado em vários sentidos, para fazer a guitarra sussurrar nos ouvidos do público. Ou, por outra, para que esse sussurro penetre por osmose em cada corpo e cada alma que ali se amontoa, um por um e todos ao mesmo tempo, como se essa sensação fosse física, palpável até. Não é, e a cada dedilhado com extrema precisão, já no desenrolar de uma música instrumental que dura perto de 10 minutos, a atmosfera é envolta por sensações individuais que se misturam em uma inexplicável reação em cadeia. É Steve Vai em corpo e alma - mais alma do que corpo – no palco do Imperator, no Rio, neste sábado (3/6), tocando a belíssima “Whispering a Prayer”.

E a parte principal da festa ainda nem começou, nem atingiu o ápice, porque essa é a turnê de aniversário de 25 anos (e contando…) do lançamento do álbum “Passion And Warfare”, o de maior sucesso de Vai e que catapultou o guitarrista definitivamente para o estrelato. E se esse é o disco mais importante dele, é desse repertório que sai, também, e mesmo que haja dúvidas, sua maior composição. É como se o tempo parasse para o guitarrista tocar “For The Love Of God”, que disputa com “Whispering a Prayer” o posto de melhor momento em uma apresentação que duas horas de vinte minutos de guitarra, em estados brutos, refinado e – reforça-se - sensitivo. De inspiração surreal, a canção se transforma em cima de um palco, com o músico extraindo sabe-se lá de onde o um modo altamente comprometido de tocar guitarra. É como se a música, tecnicamente falando - as notas, uma por uma - o atinja de maneira absolutamente especial, fora do comum.

Uma coisa só: a entrada no palco, com 'óculos de laser', sugere a fusão do guitarrista com a guitarra

Uma coisa só: a entrada no palco, com 'óculos de laser', sugere a fusão do guitarrista com a guitarra

Porque Steve Vai não parece “apenas” tocar guitarra com a incrível técnica e precisão que afasta incautos de sua inegável virtuose. A cada posição de suas mãos, a cada acorde, a cada ajuste nos botõezinhos e na alavanca da guitarra corresponde uma imediata reação corporal do guitarrista. Seja um franzir de testa, uma sobrancelha erguida, um jogar de cabeça para trás, Vai parece permanentemente conectado com a guitarra, em espécie de simbiose cerebral e sensitiva ao mesmo tempo. Talvez por isso a entrada no palco, com “óculos de laser” e luzes adicionais no corpo e na guitarra, sugira que tudo seja uma máquina só. Fanfarrão, quando não está no modo “feeling total” diverte a plateia ao fazê-la cantarolar cada fraseado, ou se descadeirando de acordo com a batida da bateria, e até permite um dispensável pedido de casamento de um fã em pleno palco, com direito a aconselhamento e tudo.

Usando o telão no fundo do palco, Vai impinge duelos com os guitarristas Brian May, do Queen, uma de suas referências, em “Liberty”, que abre “Passion And Warfare”; Joe Satriani, em “Answers”; e John Petrucci, do Dream Theater, em “The Audience Is Listening”. Com os dois últimos, parceiros do projeto de guitarristas G3, “conversa” em uma trama bem bolada que requer também ensaio e precisão, e o público adora. O telão ainda exibe videoclipes de algumas músicas, como “I Would Love To” e a própria “For The Love Of God”, mas a banda toca por cima, em um volume altíssimo – como deve ser – e uma equalização de som cristalina, de modo a espantar qualquer interferência de sons não produzidos ao vivo, o que, no fundo, no fundo, é o que interessa.

Steve Vai duela com o guitarrista Dave Weiner em várias partes do show, com entusiasmo de iniciante

Steve Vai duela com o guitarrista Dave Weiner em várias partes do show, com entusiasmo de iniciante

Para tanto, Vai tem uma bandaça a seu dispor – o que não é novidade -, seca, sem teclados ou adicionais irrelevantes, o que resulta em uma base pesadíssima para os momentos não solo, a custa do baixista Philip Bynoe e do rodado baterista Jeremy Colson. E ainda tem como desafiante o guitarrista Dave Weiner, colaborador de longa data, com que duela em várias partes do show, com um entusiasmo de iniciante. A escolha do repertório, no tempo que sobra antes e depois das 14 músicas de “Passion And Warfare”, é precisa e inclui também “Stevie’s Spanking”, de Frank Zappa. Para um guitarrista que começou do nada como aprendiz desse malucão, e para um disco que não teve sequer turnê subsequente por temor de não ser bem recebido, segundo o próprio Vai, até que a coisa rendeu.

Set list completo:

1- Bad Horsie
2- The Crying Machine
3- Gravity Storm
4- Whispering a Prayer
5- Liberty
6- Erotic Nightmares
7- The Animal
8- Answers
9- The Riddle
10- Ballerina 12/24
11- For The Love Of God
12- The Audience Is Listening
13- I Would Love To
14- Blue Powder
15- Greasy Kid’s Stuff
16- Alien Water Kiss
17- Sisters
18- Love Secrets
19- Stevie’s Spanking
20- Racing the World
Bis
21- Fire Garden Suite IV - Taurus Bulba

Domínio total: Vai força a alavanca da guitarra, recurso utulizado muitas vezes durante a apresentação

Domínio total: Vai força a alavanca da guitarra, recurso utulizado muitas vezes durante a apresentação

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