O Homem Baile

Olhar cuidadoso

Com ótima banda, Arrigo Barnabé mantém a riqueza musical em show que revive a saga de “Clara Crocodilo”. Fotos: Nem Queiroz.

O compenetrado Arrigo Barnabé durante a execução do clássico 'Clara Crocodilo' no Circo Voador

O compenetrado Arrigo Barnabé durante a execução do clássico 'Clara Crocodilo' no Circo Voador

Aquele que saiu do Circo Voador sob chuva chata na alta madrugada deste domingo (22/10) tem ao menos uma certeza. A de que acaba de ver uma das mais instigantes páginas da história da música (não popular) brasileira ser reproduzida, ao vivo, a cores e com excepcional riqueza de detalhes. Não é todo dia e não será para sempre que Arrigo Barnabé irá tocar a íntegra (ou quase isso) do álbum “Clara Crocodilo” ao vivo, bem ali na frente do público, com uma banda de dar gosto de ver, resultando em uma fidelidade ao tal disco difícil de conseguir por aí. Se reproduzir um álbum de época não é uma tarefa simples, imagine um repleto de minúcias e inigualável ao longo desses quase 36 anos de vida. E isso numa noite do tipo “só para os loucos” com Rogério Skylab tocando mais cedo (veja como foi).

Explica-se que o disco, pontapé inicial da vanguarda paulistana, tido como o movimento mais importante da mpb desde a Tropicália, é pautado por uma narrativa temática que associa todas as faixas em torno da uma história única, artifício que marcaria a carreira de Arrigo. Do ponto de vista musical, impossível dissociar o gênero do rock progressivo setentista, o que se nota nas introduções de teclado de Arrigo Barnabé e Paulo Braga, já em “Sabor de Veneno”, a primeira música do show, que aponta também que a ordem das faixas do álbum original não será seguida. E o “quase” no parênteses ali em cima explica que “Instante”, espécie de interlúdio no álbum, dá lugar a “Dedo de Deus”, um rap com a assinatura peculiar de Arrigo, do disco “Suspeito”, de 1987.

Arrigo de pé com o tradicional sobretudo, entre o guitarrista Mário Manga e a baterista Mariá Portugal

Arrigo de pé com o tradicional sobretudo, entre o guitarrista Mário Manga e a baterista Mariá Portugal

Logo se percebe que o grande mérito de Arrigo, além de manter decoradas as letras intrincadas, aos 65, é o de ter arregimentado uma ótima banda que inclui ainda o veterano guitarrista Mário Manga e um quarteto de mulheres de fazer inveja a Jack White em carreira solo. Duas delas, Joana Queiroz e Maria Beraldo Bastos, se revezam em sopros e vocais estridentes bem parecidos com os das gravações originais. A baterista Mariá Portugal, que também interfere nos vocais, e a baixista cheia de suíngue Ana Karina Sebastião completam uma formação rara e que parece talhada para reproduzir a saga de Clara Crocodilo com incrível naturalidade. Aí é só aproveitar o repertório, enviesado, mas que tem “Acapulco Drive-In”, aparentemente alongada e que por si só mereceria um disco temático pra chamar de seu, com direito a ótima intervenção de clarinete de Maria Beraldo.

Trajando um sobretudo soturno, Arrigo Barnabé fica de pé em algumas músicas, e a lembrança do premiado longa “Cidade Oculta” (1986), no qual atuou como ator, é imediata. “Diversões Eletrônicas”, do verso “Era um balcão de bar de fórmica vermelha”, cantado em várias formatos, como se a letra fosse convertida em melodia (outro artifício do músico), e com uma intensidade instrumental que envolve toda a banda, contagia o público pelas mudanças de andamento; prog rock detected. O público, reduzido dado o avançar da hora, quase nem se dá conta quando Mariá narra a introdução da faixa mais conhecida, mas mesmo assim se entrega no refrão de “Clara Crocodilo”, que chega, como no disco, emendada na semi-jazz “Office-Boy”. É o ápice da noite e, ao mesmo tempo, o desfecho que vem acompanhado daquela sensação de que algo diferente está acontecendo. E que vai perdurar por muitos e muitos anos. Nem precisava de bis repetindo música.

Vista geral da banda de Arrigo Barnabé, com o ótimo quarteto feminino posicionado à direita

Vista geral da banda de Arrigo Barnabé, com o ótimo quarteto feminino posicionado à direita

Set list completo:

1- Sabor de Veneno
2- Infortúnio
3- Dedo de Deus
4- Orgasmo Total
5- Acapulco Drive-In
6- Diversões Eletrônicas
7- Office-Boy
8- Clara Crocodilo
Bis
9- Sabor de Veneno

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