O Homem Baile

Genial

No lançamento do DVD “Trilogia dos Carnavais”, Rogério Skylab surpreende e apresenta power trio em noite de rock’n’roll no Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.

Rogério Skylab com a mão de fogo erguida sobre a plateia: carisma e força das suas interpretações

Rogério Skylab com a mão de fogo erguida sobre a plateia: carisma e força das suas interpretações

Se a única expectativa de Clarice Lispector é o inesperado, imagine o que esperar de Rogério Skylab. Acertou a resposta quem cravou justamente o inesperado, a julgar pelo show desta sexta (21/10), numa noite do tipo “só para os loucos” com Arrigo Barnabé (veja como foi), no Circo Voador. Isso porque, de acordo com o que foi anunciado, o show serviria para lançamento do DVD “Trilogia dos Carnavais”, baseado nos três últimos discos de Skylab, mas, durante quase hora e meia, apenas uma das 21 músicas desse trabalho foi tocada, e ainda assim uma releitura/homenagem para Júpiter Maçã. Em vez do carnaval, Rogério Skylab traz uma banda com formação de power trio, surge no palco com uma jaqueta de couro e faz um show do pesada, incluindo solos e passagens instrumentais encorpadas, para alegria e felicidade geral da nação.

É o que se vê, por exemplo, na genial “Tem Cigarro Aí?”, cuja letra se realiza não por não dizer quase nada ou passar mensagem alguma, mas pela força da interpretação de Skylab; é uma das preferidas do modesto público que chegou mais cedo. Ou na pesada “Você Vai Continuar Fazendo Música?”, um libelo autorreferente que explica o que tem acontecido nos últimos tempos no mercado musical e converte até o menos iniciado no meio do público pela força dos riffs que flertam com o rock pesado. Diferentemente de outras fases do músico, quando as canções eram na maior parte do tempo standards de gêneros diversos que serviam como base para a verve afiada, aqui, com esses três garotos – Thiago Martins (guitarra), Yves Aworet (baixo) e Bruno Coelho (bateria) - o peso prevalece, e isso é ótimo. Que o digam as guitarras de “Fátima Bernardes Experiência”, costumeiramente omitida no passado, mas hoje um verdadeiro hit underground, por assim dizer.

Skylab solta o dedo em 'Matador de Passarinho', um de seus sucessos; no fundo, o batera Bruno Coelho

Skylab solta o dedo em 'Matador de Passarinho', um de seus sucessos; no fundo, o batera Bruno Coelho

Porque a obra de Skylab não se configura em reles escatologia isolada ou na graça de suas interpretações quando aparece abraçado ao pedestal do microfone ou andando de lado a outro do palco. Artista inquieto, trava eterno duelo com a poesia e expõe com todas as letras o íntimo do ser humano, mesmo que isso não corresponda aos anseios de uma vida civilizada e regrada por convenções sociais. Por isso o apego à deficiência de “Música Para Paralítico”, por exemplo, ou pelo corpo humano objetificado em “Carne Humana”. Ou a exposição de celebridades em situações ordinárias como o enfrentamento de uma enfermidade niveladora, no caso da impagável “Câncer no Cu”. A genialidade de Rogério Skylab está na peculiaridade de um olhar que poucos artistas conservam, e por isso seu trabalho é eterna exceção na música brasileira, um dos poucos que pode ser chamado de autoral, sobretudo depois do desgaste do termo ao ser usado em um programa global de gosto duvidoso.

Mas não é pecado o público se acabar em gargalhadas com os trejeitos dele, ou assumir para si trechos inteiros de músicas como “Carrocinha de Cachorro Quente”, impagável flagrante do cotidiano escalafobético de Skylab. Ou em dançar como se não houve amanhã na bossa nova + ska “Matador de Passarinho”. O viés, digamos, mais comportado, aparece em releituras para “Eu e Minha Ex”, que homenageia o saudoso e não menos genial Júpiter Maça, e no desfecho, quando Taiguara, mais um outsider no mercado musical brasileiro, é relembrado com “Hoje”, e praticamente ninguém no meio do público a identifica. A lista de ausências é ampla, de modo que o show poderia incluir “Parafuso Na Cabeça”, “Casas da Banha”, “Puta” (tão curtinha!), a romântica “Moto-Serra”, “Eu Tô Sempre Dopado”, “Os Ratos” e tantas outras peças de pura genialidade do cancioneiro skylábico. Mas para quem esperava pelos carnavais, o show acabou sendo uma quarta-feira de cinzas de puro rock’n’roll. É assim que se faz, Skylab.

O músico também se diverte com a troca de energias com a plateia que compareceu ao Circo Voador

O músico também se diverte com a troca de energias com a plateia que compareceu ao Circo Voador

Set list completo:

1- Frank Disko
2- A Dança do Corpo e dos Membros
3- Carne Humana
4- Dedo, Língua, Cu e Boceta
5- Eu Me Contradisse Ou Não Me Contradisse
6- Na Festa do Meu AP
7- Bengala de Cego
8- Tem Cigarro Aí?
9- Eu Pratico Futebol de Cego
10- Câncer no Cu
11- Você Vai Continuar Fazendo Música?
12- É Tudo Atonal
13- Carrocinha de Cachorro Quente
14- Música Pra Paralítico
15- Fátima Bernardes Experiência
16- Eu e Minha Ex
17- Matador de Passarinho
18- Eu Tô Pensando
19- Hoje

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