Amplo alcance
Em show símbolo da trajetória longeva, Scorpions entrega de tudo, de rock pesado a acústico, passando por medley setentista e genuínas baladas. Fotos: Nem Queiroz.
Embora longe da cidade por tantos anos e com a passagem mais recente, em 2008, não muito agradável, para dizer o mínimo, o grupo guarda certas conexões com o Rio. O vocalista Klaus Meine, só para se ter uma ideia, relembra do show do Rock In Rio de 1985, seguramente um dos maiores da carreira da banda, e canta o refrão da marchinha “Cidade Maravilhosa”, de André Filho. E isso antes de “No One Like You”, a excepcional composição que já começa com um solo de Matthias Jabs, lá na parte final do show. Ele e Rudolf Schenker, o mais animado em toda a cidade nessa noite, se revezam em solos, riffs e evoluções que fazem parte, de um modo ou de outro, da vida de quem está ali na frente do palco.
A turnê, que marca o aniversário de 50 anos e é tida como a despedida da banda dos palcos ou ao menos das grandes viagens, serve também para o lançamento de um álbum de inéditas, “Return to Forever”, o 18º da carreira. Dele, três músicas são pinçadas, e nenhuma delas deixa a desejar, em um recibo de que os caras continuam em grande forma, e não só em cima do palco. A melhor delas é “Rock ‘n’ Roll Band”, que reserva grandes duelos de guitarra e um desfecho excepcional de Mikkey Dee, o eterno baterista do Motörhead. Ele curte uma temporada no Scorpions até o final do ano, no lugar de James Kottak, que segue resolvendo a vida pessoal. Dee tem direito a um preciso solo, como de hábito, precedido por uma versão arrasa quarteirão de “Overkill”, em homenagem a Lemmy, num dos momentos de maior emoção da noite, que por pouco não rouba a cena do próprio Scorpions.Porque a maior banda alemã de que se tem notícia é grande e abrangente demais, com um alcance que não pode ser medido. Além de clássicos do rock e hard rock, tem a especial vocação para compor genuínas baladas que chegam aos rincões mais distantes de tudo o que se pode considerar rock. Assim, “Wind Of Change”, que marcou na Queda do Muro de Berlim, é citada por Meine como “uma canção de esperança” para os tempos difíceis como os nossos, e pode ser assoviada em qualquer canto por gente de todas as idades. Como acontece com “Still Loving You”, a senhora de todas as baladas, que abre o bis e segue vertendo lágrimas dos olhos e amolecendo os corações duros dos varões mais convictos entre os camisas pretas. Até um set acústico, artifício nefasto no rock, com Mikkey Dee meio sem jeitão, se insere no espetáculo sem que o ritmo da apresentação seja partido.
Embora sempre seja sentida a ausência de uma ou outra música para uma banda com 50 anos de estrada (um pecado não ter nada do ótimo “Humanity: Hour I”, de 2007), a inclusão de um medley setentista com quatro temas dos primórdios do grupo chega a ser reconfortante, muito embora poucos entendam o que está se passando. Mas quem esperava, em pleno 2016, ver ao vivo o grupo tocando os riffs sensacionais de “Top of the Bill”? Ou as evoluções melódicas de “Speedy’s Coming”, dos tempos do guitarrista Uli Jon Roth? E tudo com os vocais afinados de Klaus Meine, 68, como se fossem os da época. Meine é o único que aparenta estar com a saúde frágil, e a toda hora se sente com os olhos incomodados pelas luzes. Ele diz que a banda “algum dia” volta a tocar ao Brasil – esse é o último show dessa turnê por aqui -, mas não dá para assinar embaixo.Por isso mesmo não há nada a temer quando até o discreto baixista polonês Pawel Maciwoda, o caçula da turma, se diverte acompanhando Schenker para todo lado na já citada “No One Like You”. Ou quando, aos 45 do segundo tempo, o mesmo Rudolf Schenker desanda a dar piques de 100 metros rasos de lado a outro do palco, na obrigatória “Big City Nights”, que volta a reunir os quatro cavaleiros na frente da passarela, antes do bis, para ampla alegria do povão. Ou, ainda, quando Mathias Jabs puxa as evoluções melódicas de “Dynamite”. E o arremate final, com “Rock You Like a Hurricane”, é quase um grito de guerra, uma palavra de ordem, uma verdadeira profissão de fé naquilo que decidiram chamar de rock’n’roll e que segue cravejado na alma daqueles que um dia se deixaram experimentar. Em suma: show para anotar no caderninho.
Set list completo:1- Going Out With a Bang
2- Make It Real
3- The Zoo
4- Coast to Coast
5- Top of the Bill/Steamrock Fever/Speedy’s Coming/Catch Your Train
6- We Built This House
7- Delicate Dance
8- Always Somewhere/Eye of the Storm/Send Me an Angel
9- Wind of Change
10- Rock ‘n’ Roll Band
11- Dynamite
12- Overkill
13- Solo de Bateria
14- Blackout
15- No One Like You
16- Big City Nights
Bis
17- Still Loving You
18- Rock You Like a Hurricane
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