O Homem Baile

Desequilíbrio

Em noite peculiar, Nação Zumbi e Young Gods tocam juntos no Circo Voador, com predominância da sonoridade e do público dos brasileiros. Fotos: Nem Queiroz.

A expressão do líder e único remanescente da formação original do Young Gods, Franz Treichler

A expressão do líder e único remanescente da formação original do Young Gods, Franz Treichler

O sujeito que adentrasse o Circo Voador distraído pelo fumacê na madrugada deste sábado cravaria que estava em mais um dos shows bem frequentados da Nação Zumbi. Afinal, estava tudo lá. Em cima do palco, as alfaias se contrapondo a uma guitarra pesada e o marcante sotaque dos pernambucanos. O público – consta que Santa Teresa, Lapa e arredores formam a capital do Recife Antigo -, ritmado pela batida sedutora, vestido à rigor para ocasiões semelhantes. O duro era entender o porquê daqueles dois “gringos” ali na frente mandando uns efeitos eletrônicos para atrapalhar, e ainda por cima cantando músicas em línguas estranhas que pouco dava para entender. E – ainda tem mais essa – não adiantou pedir “Quando a Maré Encher” no final, que ninguém tocou. Um tiquinho de frustração em uma noite sem igual que só poderia acontecer mesmo no Circo Voador. E sim, teve “Fora Temer” de novo.

Ocorre que, embora não se soubesse no meio do povão, a apresentação é conjunta com os suíços do Young Gods, as duas bandas tocando ao mesmo tempo, alternado músicas de um repertório e de outro. Para os fãs dessa verdadeira lenda do rock industrial/eletrônico, uma meia dúzia de três ou quatro acadêmicos dos tempos da máquina descrever, uma pena que o primeiro show por aqui seja assim. Para os súditos do mangue beat, mais um bom show da Nação Zumbi. E, para todo mundo junto, a tal noite singular para se anotar no caderninho. O evento, promovido pela Embaixada da Suíça no Brasil, garante preços acessíveis ao hoje gourmetizado Circo Voador, e é uma prévia do show que as duas bandas farão juntas este ano na edição número 50 do tradicional Festival De Montreux, sempre de portas abertas para a música brasileira.

Jorge du Peixe, vocalista da Nação Zumbi, prestes a cantar, enquanto Treichler manda série de efeitos

Jorge du Peixe, vocalista da Nação Zumbi, prestes a cantar, enquanto Treichler manda série de efeitos

O grande mérito da apresentação é que, diferentemente de outros shows partilhados, como boa parte dos que acontecem no palco secundário do Rock In Rio, os músicos ensaiaram juntos, e esse é o terceiro show depois de dois lá do outro lado da Dutra, o que confere o mínimo de entrosamento e garante que a coisa funcione muito bem. Apesar da parafernália eletrônica que marca a carreira dos visitantes, é bem mais marcante a interferência da sonoridade da Nação Zumbi nas músicas do Young Gods, do que o contrário, o que enfatiza a forte contundência das alfaias e da percussão, e ainda a virtuose torta do guitarrista Lúcio Maia e o seu modo particular de tocar. Franz Treichler, líder dos YG, só desapega das máquinas geladas para usar uma guitarra no bis, no que parece ser uma música inédita dos suíços - muito boa, por sinal -, turbinada por um duelo incrível com as (hoje) duas alfaias.

Mas aqueles três ou quatro eruditos têm seus momentos no meio do povão. Eles seguramente reconhecem “L’Eau Rouge”, tocada logo de cara, carregada de groove, no prenúncio de um show que não aconteceria. A música é faixa título do cultuado álbum incrivelmente lançado no Brasil quase que ao mesmo tempo em que no exterior, lá na festiva/deprê década de 1980. Mas os grandes momentos acontecem em “Envoyé”, quando é usado o artifício de começar a música como quem não quer nada, para a entrada de uma massa sonora da metade para o final, o que arranca aplausos dos súditos de Chico; na batida quase rock estradeiro de “L’Amourir”; na sorumbática “Percussione”, esteticamente triste em uma noite pra cima por definição; e em “She Rains”, também climática, de outro álbum cultuado, o bom “T.V. Sky”, de 1992.

O guitarrista Lucio Maia, que empresta sua virtuose torta para o som consagrado da Nação Zumbi

O guitarrista Lucio Maia, que empresta sua virtuose torta para o som consagrado da Nação Zumbi

Óbvio e ululante que para a Nação Zumbi o jogo é ganho, mesmo porque a banda não sai do palco e o Young Gods não manda mais que duas músicas seguidas. Como vinha tocando a íntegra do álbum “Afrociberdelia”, que completa 20 anos este ano, o repertório é adaptado (no fim das contas são só nove músicas), e chama atenção a inclusão de muitas faixas do disco mais recente, “Nação Zumbi”, de 2014. Ponto para a banda, que não vive só de passado. Para o público, a diversão suprema é com “Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada”, convertida em hit, e na dobradinha final com “Maracatu Atômico” e “Da Lama Ao Caos”, que rende até uma festiva ronda de dança, nada punk. No cômputo final, só mais um bom show da Nação Zumbi para a maioria e uma noite singular para outra parte. Já os catedráticos dos tempos do bloquinho e da caneta vão contar no futuro que não, o Young Gods jamais tocou no Rio. Porque aquele show junto com a Nação Zumbi não conta.

Set list completo:

1- Intro
2- L’Eau Rouge
3- Defeito Perfeito
4- Rios, Pontes & Overdrives
5- Skinflowers
6- L’Amourir
7- Foi de Amor
8- Percussione
9- Bala Perdida
10- She Rains
11- A Melhor Hora da Praia
12- Envoyé
13- Um Satélite na Cabeça
14- Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada
15- Kissing The Sun
Bis
16- Salustiano Song
17- S13 (a confirmar)
18- Maracatu Atômico
19- Da Lama Ao Caos

Montreux é aqui: vista geral do palco do Circo Voador com a Nação Zumbi e o Young Gods tocando juntos

Montreux é aqui: vista geral do palco do Circo Voador com a Nação Zumbi e o Young Gods tocando juntos

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