Resistência
Incentivado por vocalista, público do Dead Fish rejeita presidente em exercício em show no Circo Voador; noite tem ainda boas apresentações de Statues On Fire e Menores Atos. Fotos: Nem Queiroz.
Em um outro momento de molhar os olhos, já no final da noite, durante “Mulheres Negras”, o vocalista precisa ficar lá atrás, em cima do praticável da bateria, enquanto o palco é dominado por moças de idade reduzida que cantam a música de cabo a rabo. “Tudo pode acontecer em um show do Dead Fish”, conclui Rodrigo, no meio daquele corre-corre que é uma apresentação da banda, entre tantos moshes e passeios pelo palco, numa relação quase sempre tensa, porém fiel de parte a parte. O vocalista chega a orientar para que ninguém se machuque e lembra com orgulho como sempre pedia para que os marmanjos não abusassem das meninas na hora do salto sobre a plateia; e é tudo verdade. Por isso elas estão aqui, subindo, descendo, se jogando, se divertindo. E cantando juntas no palco.
É o show da turnê de aniversário de 25 anos (mas já?) de uma banda que passou por tudo o que é intempérie – só Rodrigo , da formação original, segue – entre idas e vindas do mercado fonográfico e sempre se mantendo de cabeça em pé. Não por acaso, hoje pode se vangloriar de ser literalmente bancada pelos fãs, batendo recordes em projetos de crowdfunding e em shows como esse. Assim, o repertório inclui menos músicas do disco mais recente, “Vitória”, lançado no ano passado (veja como foi o show do Festival Dosol, em Natal, em novembro), e traz de volta números dos primórdios do grupo, que desde a gravação do DVD de 20 anos, nesse mesmo Circo Voador, não vinham sendo tocados. Caso de faixas como “Old Boy” e a ótima “Social Agression”. Para o público, nem faz tanta diferença assim: tudo é cantado em uníssono, inclusive as faixas de “Vitória”, como a bem sacada “Selfegofactóide”.Ao todo, são 27 pedradas praticamente coladas umas nas outras – exceto em paradinhas para algumas das tais falas - em pouco mais de uma hora de show. Mas clássicos são clássicos, e nota-se a diferenças de participação, para mais, em hinos como “Molotov”, com a adrenalina a mil, bem no início; em “Venceremos”, sob o mote “quem diria que a sua geração ia ter que lutar?”; em “Zero e Um”, quase uma canção de domínio público; “Tão Iguais”, com a participação do vocalista do Plastic Fire, Reynaldo Cruz; e ainda “Me Ensina”, talvez a música com o maior sotaque pop do Dead Fish. Mais do que diversão garantida, esse show serve para dar uma lavada de alma, sem, contudo, perder de vista as dificuldades do crítico momento que preocupa a todos nesse Brasil varonil. E não é para isso mesmo que serve o rock?
Mais cedo, o Statues on Fire se aproveita de uma excelente qualidade de som, ainda mais para uma banda de abertura, e faz um ótimo show, com o volume alto pra chuchu; isso é muito bom. O grupo, formado por veteranos da escola paulistana da música pesada – sim, existe uma -, faz um mistura de hardcore veloz e encorpado com thrash metal e adjacências. Tal hibridismo, de sonoridade peculiar, é reforçado por ótimos solos do guitarrista André Curci, e de palhetadas secas dele junto com o xará André Alves, que, além de tocar guitarra é quem canta. As melhores são “No Tomorrow”, single do próximo álbum, dedicada ao tal presidente em exercício; “Flying Boats”, com uma pegada à Metallica das antigas na introdução; e “Free Sample”, um atropelo irreparável, logo no início da apresentação. E quem estava paradão no meio do salão no início do show terminou batendo palma e abrindo roda de dança umas sobre outras. Convenceu.Entre uma porrada e outra, tal qual estranho no ninho, o local Menores Atos acaba indo muito bem. Estranho porque o som do grupo é um post hardcore de baixo impacto que tem tudo para não cair no gosto do público, mas o trio tem um belo trunfo: muita gente na plateia sabe de cor e salteado as letras das músicas. O que resulta em vários momentos lindos com a cantoria comendo solta, mesmo em músicas de difícil digestão, sem refrão ou outros apelos mais pop; mérito da banda. O som mal equalizado prejudica o trabalho do guitarrista Cyro Sampaio, ofuscado pelo baixo de Celso Lehnemann, bem mais alto. Doses excessivas de açúcar, legado maldito do Los Hermanos, atrapalham em músicas como “Sereno”, e o melhor fica para o final, com a ajuda de Reynaldo, ele mesmo, do Plastic Fire, que tem muito mais intimidade com o palco do que a banda, na enfim pesada “Tragédia Circular”. De qualquer forma, fica a impressão de que é muito conteúdo pra pouca música boa.
Set list completo Dead Fish:1- Bem-Vindo ao Clube
2- Old Boy
3- Molotov
4- Canção Para Amigos
5- Selfegofactóide
6- Hoje
7- Just Skate
8- 912 Passos
9- Asfalto
10- Diesel
11- Não
12- Me Ensina
13- Autonomia
14- Eleito Por Ninguém
15- Tão Iguais
16- Senhor Seu Troco
17- Você
18- Noss Sommes Les Paraibe
19- Social Agression
20- Venceremos
21- Tango
22- Afasia
23- Zero e Um
24- Queda Livre
25- Proprietários do Terceiro Mundo
26- Mulheres Negras
27- Sonho Médio
Tags desse texto: Dead Fish, Menores Atos, Statues On Fire
“Oldboy” só tem o nome em inglês. A letra é em português mesmo.
Ok, obrigado.
“Ei, Dead Fish vai tomar no cu” começou em um show no Hangar 110 que virou Álbum Ao Vivo (2002). Rodrigo tinha brigado com a banda inteira e não podia mandá-los diretamente para a casa do caralho. Pediu que o público fizesse isso justamente no show que virou álbum ao vivo. “Virou um grito de guerra, sem querer”, disse o vocal quando perguntando a respeito tantas vezes a respeito disso.
Essa resenha ficou, no mínimo, curiosa. Você falou muito bem do Dead Fish e do Statues on Fire, mas quando chegou no Menores Atos, parecia estar arrumando alguma coisa para falar mal, apenas porque tava a fim de não concordar com o show dos caras. Muito conteúdo pra pouca música boa? Acho que você não anda muito por dentro do underground.
Valeu Braga!