No Mundo do Rock

Discotecagem rock

No mercado há quase 30 anos, DJ Wilson Power persevera tocando o gênero musical que aprendeu a gostar, encarando os altos e baixos da noite carioca. Fotos: Divulgação Facebook Oficial.

Wilson Power pronto para tocar mais um set de rock em uma de suas festas na noite carioca

Wilson Power pronto para tocar mais um set de rock em uma de suas festas na noite carioca

Se a alcunha DJ de antemão já sugere música pouco orgânica, eletrônica, mixagens e mash ups, esse não é o caso de Wilson Power. Entusiasta do rock, fez carreira tocando as novidades do gênero que aprendeu a gostar ainda bem cedo, no final dos anos 1980, no emblemático Crepúsculo de Cubatão. E nessas indas e vindas do mercado musical, entre mortes e ressurreições plantadas na grande mídia, lá estava Wilson um dia após o outro enchendo as pistas em festas e mais festas. Para ele, o rock sempre esteve vivinho da Silva.

Além de selecionar músicas e botar som pra tocar, Wilson Power, descontente com o cenário da noite, foi empreendedor muito antes de o termo virar um must entre os novos empresários do ramo. Comandou casas que marcaram época na cidade, como a Bang!, Gueto e a Bunker, entre outros grandes pontos de encontros. Festas, são inúmeras. Só a Alien Nation acontece há mais de 20 anos, em diversos endereços, sempre bem frequentada, e ainda entram na folha corrida discotecagem (termo ruim, mas não tem outro) em eventos de grande porte como o Rock In Rio e o Lollapalooza.

Wilson Power é um dos poucos DJs brasileiros que frequentou o lendário clube Haçienda, berço das bandas de Manchester na década de 1990. Também foi residente no Astoria 2 e no Metro’s, em Londres, quando o Brasil não exportava DJ para lá, e trabalhou em uma turnê do Simply Red. Hoje, é o DJ oficial do Planet Hemp, produz duas festas, além da Alien Nation - True Faith e Crepúsculo de Cubatão - e ajuda em mais duas: Tekiller e Rock Me. Nessa entrevista via e-mail, Wilson Power conta tudo, entre análises da noite carioca, sugestões de novas bandas e outros papos. Leia com atenção:

Rock em Geral: Conte onde, como e com que idade você atuou como DJ pela primeira vez:

Wilson Power: Comecei a ser DJ no Crepúsculo de Cubatão, em 1988. Foi engraçado porque nós amávamos profundamente o pós punk, embora tenha começado minha vida musical no metal como assíduo frequentador do Caverna (casa pioneira do heavy metal no Rio). Enfim, os donos do CDC queriam mudar a proposta da casa inaugurando a fase “After Dark”, progredindo justamente para uma coisa mais pop/eletrônica. Na hora eu me rebelei e falei com o Edinho (DJ e parceiro de Wilson desde os primórdios): vamos fazer uma festa chamada “In The Dark!”. Nos deram uma data esdrúxula, uma quarta-feira. Só que a festa explodiu de gente! Me lembro que chovia horrores e eu pela primeira vez ia tocar em público. Separei meus vinis e a coisa para mim fluiu naturalmente. Gostei daquilo. Vi ali meu futuro, minha vocação. Tivemos três edições da festa, todas lotadas. Eu tinha de 18 para 19 anos.

REG: Como descobriu que poderia atuar profissionalmente como DJ? Por que DJ de rock, gênero mais orgânico que tendências eletrônicas, que os DJs adoram?

Wilson: Depois deste sucesso, descobri que poderia continuar sendo DJ. O rock foi o primeiro ritmo no qual entrei em contato, através do The Police, com 13 anos. Antes mesmo do metal, mas daí veio o Paul D’ianno (vocalista do Iron Maiden na época) o Eddie (Van Halen, guitarrista do Van Halen) e damn!, me fisgaram. Caí dentro, sei muita coisa de metal e fui em muitos shows. Assisti ao primeiro show do Sepultura no Rio, com o Jairo (Guedes, guitarrista da formação original) ainda. Foi horrível, mas eles tinham atitude. O CDC foi uma descoberta que me fez depois deixar o metal de lado. A primeira música que ouvi lá foi “Shellshock”, do New Order, logo após “In Between Days”, do Cure, no vídeo. Aquilo e tudo mais, as pessoas, o ambiente… me fizeram virar 180 graus e falar: tem um mundo muito novo aqui. Rock é tanta coisa que nem sei por onde recomeçar. Mas absorvi tudo aquilo organicamente. O CDC foi a escola da minha vida musical de fato. Também tive a sorte de ter ido morar em Manchester, frequentei muito o Haçienda. Ali eu vi como era bacana bons DJ tocando. Vi o (Paul) Oakenfold, entre outros. Também quando morei em Toulouse (na França), me juntei a uma galera extremamente íntima do deep uderground, leia se (Einstürzende) Neubauten, Test Department, Pink Industry, The Residentes, The Cramps (vi um show), Young Gods, Virgin Prunes e Alien Sex Fiend, entre outros. Eu tenho uma festa hoje em dia com a essência eletrônica, a “True Faith”, onde somos um coletivo que tenta resgatar tudo de bom que a música eletrônica proporciona. E te digo, está começando a ir muito bem. EDM para mim é merda em lata. Não me representa em nada. Só tenho preconceito contra música fake e/ou ruim.

REG: Qual a sua formação acadêmica? Chegou a fazer cursos de DJ?

Wilson: Sou formado em Comunicação Social e nunca fiz curso de DJ.

REG: Você também é baterista, em que bandas já tocou/toca?

Wilson: Toquei no In Kolapse, Dogs in Orbit e Cigarettes. Mas nunca fui um bom baterista de fato.

REG: Em quais eventos de grande porte você colocou som?

Wilson: Vários. Coca-Cola Vibe Zone, Expo Alternative, em alguns outros festivais, Bunker Rave. Shows internacionais? GBH, Peter Hook and the Light. Em Londres para o Atomic Neds Dustbin, fui residente do Astoria 2 e do Metro’s por alguns meses, graças a DJ Zoe, que é minha amiga até hoje. Toquei no Lollapalooza agora e alguns outros eventos que não me lembro. Ah! O Simple Plain, a grana falou mais alto na época!

REG: Você já trabalhou com bandas internacionais como o Simply Red, por exemplo. Fale sobre essa experiência:

Wilson: Conheci o Mick (Hucknall, líder da banda) aqui no Rio através de amigos. Começamos a sair juntos e ele acabou me chamando para ser seu personal assistance na tour do álbum “Stars”. Lá fui eu de volta a Londres vendo como era uma organização de verdade com centenas de pessoas trabalhando duro de verdade. Foi uma experiência ímpar na minha vida. Cheguei a conhecer o Ron Wood (guitarrista dos Rolling Stones) numa festa! Foram meses maravilhosos viajando pela Europa, mas eu era muito rocker e isso o incomodava de alguma forma. Acabei saindo da turnê quando não fomos para os Estados Unidos. Valeu cada minuto, conheci o Tony Wilson, a Factory… enfim, foi um sonho que se tornou realidade.

REG: Você é o DJ oficial do Planet Hemp, certo? Como seleciona as músicas antes dos shows? A banda e os seus produtores participam dessa escolha?

Wilson: No Planet tenho a total confiança de todos para tocar o que eu quiser, sempre escolho músicas mais para a época da Basement, pois foi lá que conheci meu irmão e amigo (Marcelo) D2. Temos, sim, antes dos shows, uma ou duas músicas que são chave para a abertura. De resto é comigo mesmo e na hora. É uma honra e uma felicidade muito grande ser reconhecido por eles. Pela segunda vez estou em turnê. Vi esta banda começar, sei também como o Skunk (fundador, já falecido) foi importante para nós na época, ele sabia tudo de bandas novas, dava aula. O BNegão e o D2 são enciclopédias vivas de música, impressionante. Infelizmente o Skunk veio a falecer mas o Planet hoje para mim é a banda mais importante do Brasil em termos de rock. Não existe outra igual, seus fãs são leais de Norte a Sul. E digo mais: vem coisa por aí. Quero deixar claro minha gratidão a Na Moral (produtora) e ao Marcello Lobatto, que também tem uma confiança muito grande em mim e é uma pessoa de reputação ilibada. Nunca deixou de me atender quando precisei, e isso é raro hoje em dia.

REG: Você já atuou também como empreendedor, de casas como Bang! e Bunker, entre outras, certo? Tem algum outro negócio em mente ou desistiu do ramo?

Wilson: Tem a Bang, Gueto, Vertigo, Basement, Bunker, na qual idealizei o projeto e que foi o expoente máximo da música eletrônica no Brasil. O Cabbet, que trabalhou comigo, também tinha um faro incrível para DJs estrangeiros. Trouxemos Jaques lu Cont, Marco Bailey, Green Velvet, DJ Hell e até Perry Farrel, Lemmy, Offspring, Kraftwerk, Blur, The Mission e Echo And The Bunnymen, entre tantos outros bateram ponto lá na Alien Nation. Foi a vitória máxima do underground carioca. Nós tínhamos vencido.

REG: Quais festas você produz atualmente na cidade e há quanto tempo? Quais a que têm maior apelo de público? Quais tiveram mais sucesso e duraram mais tempo?

Wilson: Produzo a Alien Nation, True Faith, Crepúsculo de Cubatão. A mais antiga é a Alien, com 20 anos. A que tem mais apelo hoje é o Cubatão (incrível, né?). A True Faith vai ser uma grande festa e no meio tempo dou uma força na Tekiller e toco na Rock Me, do querido Rodrigo Calcuotto.

O DJ em ação com seu arsenal de músicas e a camiseta do Joy Division, uma de suas bandas preferidas

O DJ em ação com seu arsenal de músicas e a camiseta do Joy Division, uma de suas bandas preferidas

REG: Como você vê o cenário de festas de rock no Rio atualmente? Parece que há muitas festas e uma divisão grande de um público que não é tão grande, certo?

Wilson: Veja, o meu público envelheceu. Não saem mais com tanta frequência. A garotada não se mistura. O rock, para eles, em sua grande maioria, é irrelevante. Aliás, a música foi substituída em muitas delas por imagens, selfies, fotos e mais: tem que ter bebida de graça, brinde e temas muitas das vezes altamente esdrúxulos. Dai, é fácil ser “DJ”, pois o overflow de informações é dantesco. Como se concentrar na música com tanto circo acontecendo ao redor? E, pior, muitos “DJs” viraram capachos do público, se não tocar hits “ad nauseum” estão fodidos (na concepção deles). Então é aquilo, aquele círculo vicioso de músicas que ninguém em sã consciência aguenta mais. Mas os capachos vão lá e fazem a vontade dos demais, ou seja, é o poste mijando no cachorro. Já vi cada uma que dava vontade de desistir.

REG: Nesse sentido, o que você acha que uma festa deve ter para conquistar fãs de rock?

Wilson: Ser autêntica, ter colhão de enfrentar os néscios, educar musicalmente essa geração, que se perdeu no meio de tanta informação irrelevante. A Tekiller, do Fernando Prado, é uma das minhas esperanças. Toca muito do óbvio, mas, na outra pista, já toquei até Butthole Surfers e a resposta foi muito positiva. Isso me dá ânimo para continuar a tocar para a molecada que acha, por exemplo, que o nefasto do Dave Grohl era líder do Nirvana.

REG: Acredita num mercado de festas mais segmentado, com DJs de cada subgênero do rock ou acha que é possível misturar tudo em uma única festa/noite?

Wilson: Eu e o Edinho sempre misturamos de quase tudo na pista, desde punk rock até rap (que também tá perdido por enquanto, salvo raras exceções) e também musica eletrônica. Mas tem que entrar num contexto. Pista se constrói, não se faz pronta levando set list de casa. Funk e sertanejo, assim como EDM, não entram. Não por preconceito, é porque eu não gosto mesmo.

REG: Do ponto de vista do relacionamento com os notívagos, você é do tipo que aceita pedidos da pista, não aceita ou depende do seu humor no dia?

Wilson: Depende do pedido. Simples assim.

REG: Você é o tipo de DJ que coloca som, não faz mixagens, mash ups e afins. Como vê a diferença entre essas duas funções?

Wilson: Sou um seletor, DJ é uma alcunha. E odeio mash ups. Fere o que o músico quis dizer em detrimento, muitas das vezes, de uma piada sem graça ou pressa de fazer um dois em um.

REG: Já pensou ou foi convidado para lançar álbuns com faixas indicadas por você?

Wilson: O Edinho já, eu não me lembro ou não fiz.

REG: Quantas músicas você tem gravadas, prontas para serem tocadas em uma festa, de imediato? Como você grava/cataloga todas elas?

Wilson: Devo ter umas 500. Eu uso CDs e os mesmos não têm ordem de gravação. Misturo tudo nos discos. Acredito que isso me força a ser mais criativo dentro do meus cases caóticos. O feeling fala por mim, não a ordem certinha…

REG: Como você faz para conhecer as novidades antes de outros DJs e tocar artistas antes dos outros?

Wilson: Não tenho muito mais este tipo de preocupação, apesar de estar sempre me atualizando, afinal se você toca algo novo a pista para ou some. Esta é a parte mais triste hoje em dia, as pessoas têm preguiça do novo, têm medo de sair da zona de conforto. Isso é trágico, antigamente era ao contrário. Hoje quanto mais fácil a informação, mais idiota a maioria das pessoas fica, em se tratando de música. Um paradoxo que eu mesmo não esperava que iria acontecer, mas aconteceu. Não culpo o público, culpo os meios que são um verdadeiro caos, uma feira de terceira para querer vender a qualquer custo. A arte, a relevância, a sonoridade para eles que se foda, o lance é a grana, views, hashtags e afins. É melhor uma Adele na mão, um fantoche controlável, do que uma banda com ideias próprias, com verve e rebeldia como foi o Nirvana. Para a indústria, rebeldia dá muito trabalho e pouco lucro.

REG: Acha que faz falta uma rádio rock de verdade e mais programas de rock nas TV ou com a internet está tudo resolvido?

Wilson: Acho que está tudo aberto, basta não ter preguiça de procurar. Uma rádio ajudaria, mas do naipe da Fluminense…

REG: Que dicas você daria para quem está iniciando no ramo de DJs? E para quem quer trabalhar com produção na noite?

Wilson: Desista…

REG: Cite algumas bandas novas que você está ouvindo e que pode agradar ao público:

Wilson: Cheatahs, Joy Formidable, Ho99o9, Radkey e Skindred, entre outras. Tenho muita fé no movimento afro punk. Para mim é uma luz no fim do túnel que o rock atravessa há mais de 20 anos.

REG: Você deve ter influenciado muitos DJs nesse tempo todo, pode citar alguns que seguem o seu caminho? Como você vê essa “passagem de bastão”?

Wilson: Olha, eu e Edinho com certeza influenciamos muitos, eles sabem quem são. Uns falam abertamente, outros se calam, mas mas são muitos. Eles se quiserem que se pronunciem, senão, ok. Pois eu sei quem são e muito bem. As organizações Matriz se inspiraram na Alien Nation para começar seus trabalhos, por exemplo. Palavras do próprio Daniel K (um dos sócios da Matriz), que quando me disse isso me deixou muito emocionado.

REG: De outro lado, quais DJs te influenciaram?

Wilson: José Roberto Mahr, Amândio da Hora e Magal, de São Paulo, eles merecem reconhecimento.

REG: Recentemente você recebeu um prêmio da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Conte-nos sobre essa premiação, cerimônia, etc.:

Wilson: Foi uma ideia do DJ Saddam, achei muito emocionante ver tantos amigos juntos, e, finalmente, ter um reconhecimento oficial da cidade depois de tanto tempo a margem da sociedade como profissional.

REG: Você sempre conseguiu viver da noite ou teve/tem atividades, digamos, convencionais durante o dia para se equilibrar financeiramente?

Wilson: Dono de casa e pai de família. Meu baby Noah dá mais trabalho do que organizar uma rave (risos).

REG: Para fechar, depois de tanto tempo trabalhando na noite, você deve colecionar muitas histórias de roubadas, situações inusitadas e afins. Conte umas para a gente:

Wilson: Na Bunker uma vez, estava louco para mijar, acabei urinando no galão de liquido de fumaça. O finado Roga (outro DJ genial, sem ele a Alien não existiria) colocou o “líquido” na máquina e pow! Fumaça de mijo na pista toda (risos). O resto foi muito sexo, drogas e rock’n'roll. O que acontece na noite fica na noite, foi muita, muita loucura que quase custou nossas vidas e sanidade. Tem outra. Eu estava no Haçienda distribuindo demo tapes do In Kolapse (sim eu era um sonhador) e entreguei a dois caras que me foram apresentados. Sem saber de nada comecei a falar pelos cotovelos sobre rock, etc. Aí preguntei: qual a banda de vocês? Os dois falaram de uma vez só: The Smiths! Fiquei catatônico por uns segundos e eles começaram a rir. Eram o Mick Joyce e o Andy Rourke (respectivamente baterista e baixista).

Wilson Power junto com o parceiro e também DJ Edinho, outro veterano das discotecagens rock

Wilson Power junto com o parceiro e também DJ Edinho, outro veterano das discotecagens rock

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