Rave pesada
Pouco inspirado nos últimos tempos, Coldplay se escora no pop, na eletrônica e em fortes efeitos visuais para agradar plateia descerebrada. Fotos: Luciano Oliveira.

O vocalista do Coldplay, Chris Martin, mostra todo o domínio dos três palcos em que a banda ainda toca
Uma pena. Porque existem, no mínimo, quatro Coldplays, a saber: a) A banda criada no underground britânico e que fez a cabeça do universo indie há cerca de 20 anos; b) O quarteto bem ensaiado que conquistou o mundo ao colocar a cabeça para fora do underground, incluindo uma bela turnê pelo Brasil, em 2003; c) O ícone mundial do rock que lutou um bocado para ser grandioso como o U2, mas fracassou; e d) O grande agente que entretém plateias gigantes mundo afora, em turnês de estádios, em geral compostas por descerebrados crônicos e seus aparelhos estéreis. Explica-se que para ser grande como o U2 é preciso, também, lançar boas músicas e bons álbuns, o que positivamente não acontece com o Coldplay desde “Viva la Vida or Death and All His Friends”; e há quem discorde. Daí o entorno sugerir mais interesse do que o conteúdo, lógica que define a horda de cabeças ocas.

Jonny Buckland (guitarra), Guy Berryman (baixo) e Will Champion (bateria): cada dia menos indispensáveis
É o que se vê em músicas como “A Sky Full of Stars”, que Martin interrompe no meio (dá para acreditar?) para que três casais subam no palco numa encenação de pedidos de casamento; “Adventure of a Lifetime”, quando o vocalista pede, em um esforçado português, para que todos se abaixem e pulem em seguida, e o resultado é a explosão rave; e em “Princess Of China”, que foi tocada pela primeira vez nessa turnê, encerrando a primeira parte. Como se vê, há pouco a se destacar musicalmente falando, a não ser quando o grupo opta por rara simplicidade. Acontece em “The Scientist”, resgatada do segundo álbum, com Chris Martin fazendo bonito no piano; em “Fix You”, que ainda resguarda certa dignidade musical e de interpretação; ou mesmo em “Viva La Vida”, solitária do álbum homônimo, reforçada por uma percussão forte e que engata um excepcional cantarolar por parte do público. Nessas horas, busca-se por redenção.
Mesmo que ela não venha, e é preciso entender – repita-se - que nos dias de hoje a vibe do Coldplay é outra, e aí a infidelidade indie têm representatividade, ainda há coisas para valorizar. A utilização de dois palcos alternativos, no meio do público, sendo um lá no meio da pista comum, mesmo com repertório quase acústico, é uma delas. Porque assim o grupo faz espécie de justiça com as próprias mãos ante a crueldade de colocar perto do palco quem tem maior pode econômico, não necessariamente fã da banda. A homenagem a David Bowie, mesmo em uma versão mequetrefe para o hino “Heroes”, é outra, mas é óbvio que a plateia não percebe do que se trata. Se bonito o piscar das pulseiras, o efeito acaba cansando e, numa amplitude maior soa até como cafonice, de tanto exagero. Teria Martin e cia se inspirado nas pulseiras do Itaú no Rock In Rio de 2011?O show também é marcado, entre outras atitudes over, pela ânsia em mostrar interatividade da banda com os fãs. São duplas deles, de países da América do Sul, que anunciam o início do espetáculo, no telão. Na hora da música escolhida pelo público, “A Message”, é outra fã que aparece na imagem para anunciá-la. No encerramento, Chris Martin, com uma bandeira do Brasil acoplada ao corpo o tempo todo, alivia a intervenção dos seguranças sobre um incauto que invade o palco: “Sejam legais com ele! Ele só quer me dar um beijo, eu entendo isso!”. Não fosse o espirituoso Martin um ótimo performer, com domínio de cada metro quadrado de palcos e passarelas adjacentes, nem ele seria necessário. Ou, por outra, se no palco estivesse um DJ de pen drive, nem mesmo a banda seria indispensável. Sejam apresentados, então, ao Coldplay desses tempos esquisitos.
Na abertura, a cantora Lianne La Havas fez bonito ao emprestar seu sotaque britânico ao som calcado na música negra americana. Além da boa voz, realçada em músicas como “Grow”, na qual colocou a plateia para cantar, e “Unstoppable”, Lianne ganhou o público pela simpatia e simplicidade, arrancando um corinho tímido com seu nome; havia, sim, quem conhecesse a moça. Mais cedo, a brasileira Tiê não obteve o mesmo efeito. Primeiro, porque exagerou com uma banda de mais de uma dúzia de músicos para menos de meia hora de show. Depois, porque parece muito verde para ocupar um palco desse tamanho e cantar para um público tão grande. Acabou se valendo de “A Noite”, conhecida por tocar em rádio, no final. Mas a melhor parte ficou na participação de André Whoong, que cantou “Botas” com ela.Set list completo Coldplay:
1- A Head Full of Dreams
2- Yellow
3- Every Teardrop Is a Waterfall
4- The Scientist
5- Birds
6- Paradise
7- Everglow
8- Princess Of China
9- Magic
10- Clocks
11- Midnight
12- Charlie Brown
13- Hymn for the Weekend
14- Fix You
15- Heroes
16- Viva la Vida
17- Adventure of a Lifetime
18- Parachutes
19- Shiver
20- A Message
21- Amazing Day
22- A Sky Full of Stars
23- Up & Up

Detalhes das pulseiras distribuídas ao público para garantir o efeito visual comandado pelos produtores
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