O Homem Baile

Rave pesada

Pouco inspirado nos últimos tempos, Coldplay se escora no pop, na eletrônica e em fortes efeitos visuais para agradar plateia descerebrada. Fotos: Luciano Oliveira.

O vocalista do Coldplay, Chris Martin, mostra todo o domínio dos três palcos em que a banda ainda toca

O vocalista do Coldplay, Chris Martin, mostra todo o domínio dos três palcos em que a banda ainda toca

Hoje tem marmelada? Tem, sim senhor! Hoje tem palhaçada? Tem, sim senhor! Hoje tem Coldplay? Tem, sim senhor! É mais ou menos assim que Chris Martin e asseclas apresentam o circo armado no Maracanã para o respeitável público. E bota respeitável nisso: cerca de 65 mil pessoas compareceram ao estádio, lotado de dar gosto, na noite deste domingo (10/4). E tira respeitável disso, porque a plateia está interessada em quase tudo, menos na música. É pulseira piscando mudando de cor pra lá, chuva de papel picado pra cá, fogos de artifício a dar com o pau, balões gigantes sobre o povão, baticum eletrônico cruel e muita, mas muita gente emburrecida pela tecnologia. Mais que um apelo circense, o show do Coldplay, hoje, é uma rave pesada para embalar multidões sem noção.

Uma pena. Porque existem, no mínimo, quatro Coldplays, a saber: a) A banda criada no underground britânico e que fez a cabeça do universo indie há cerca de 20 anos; b) O quarteto bem ensaiado que conquistou o mundo ao colocar a cabeça para fora do underground, incluindo uma bela turnê pelo Brasil, em 2003; c) O ícone mundial do rock que lutou um bocado para ser grandioso como o U2, mas fracassou; e d) O grande agente que entretém plateias gigantes mundo afora, em turnês de estádios, em geral compostas por descerebrados crônicos e seus aparelhos estéreis. Explica-se que para ser grande como o U2 é preciso, também, lançar boas músicas e bons álbuns, o que positivamente não acontece com o Coldplay desde “Viva la Vida or Death and All His Friends”; e há quem discorde. Daí o entorno sugerir mais interesse do que o conteúdo, lógica que define a horda de cabeças ocas.

Jonny Buckland (guitarra), Guy Berryman (baixo) e Will Champion (bateria): cada dia menos indispensáveis

Jonny Buckland (guitarra), Guy Berryman (baixo) e Will Champion (bateria): cada dia menos indispensáveis

Porque o que pega de verdade na apresentação circense do Coldplay nem chega a ser o exagerado entorno, mas a falta de repertório convincente. Para se ter uma ideia, das 23 músicas tocadas nos exatos 120 minutos de show, nada menos que 14 são dessa fase claudicante e sem inspiração para compor do quarteto. E olha que o grupo se especializou tanto em fazer músicas colantes, de fácil assimilação, que chegou e ser acusado por plágio por vários artistas, resultando em processos abafados a custa de milionários acordos. Joe Satriani, Bring Me The Horizon e Cat Stevens que o digam. Pouco inspirado há quase uma década, o grupo tem apelado para o encontro exagerado com a eletrônica e com o mundo pop de um modo geral, o que é enfatizado ao vivo, quando os músicos passam a ser reles detalhe.

É o que se vê em músicas como “A Sky Full of Stars”, que Martin interrompe no meio (dá para acreditar?) para que três casais subam no palco numa encenação de pedidos de casamento; “Adventure of a Lifetime”, quando o vocalista pede, em um esforçado português, para que todos se abaixem e pulem em seguida, e o resultado é a explosão rave; e em “Princess Of China”, que foi tocada pela primeira vez nessa turnê, encerrando a primeira parte. Como se vê, há pouco a se destacar musicalmente falando, a não ser quando o grupo opta por rara simplicidade. Acontece em “The Scientist”, resgatada do segundo álbum, com Chris Martin fazendo bonito no piano; em “Fix You”, que ainda resguarda certa dignidade musical e de interpretação; ou mesmo em “Viva La Vida”, solitária do álbum homônimo, reforçada por uma percussão forte e que engata um excepcional cantarolar por parte do público. Nessas horas, busca-se por redenção.

Martin toca violão e canta com a bandeira do Brasil que recebeu da plateia e não largou mais

Martin toca violão e canta com a bandeira do Brasil que recebeu da plateia e não largou mais

Mesmo que ela não venha, e é preciso entender – repita-se - que nos dias de hoje a vibe do Coldplay é outra, e aí a infidelidade indie têm representatividade, ainda há coisas para valorizar. A utilização de dois palcos alternativos, no meio do público, sendo um lá no meio da pista comum, mesmo com repertório quase acústico, é uma delas. Porque assim o grupo faz espécie de justiça com as próprias mãos ante a crueldade de colocar perto do palco quem tem maior pode econômico, não necessariamente fã da banda. A homenagem a David Bowie, mesmo em uma versão mequetrefe para o hino “Heroes”, é outra, mas é óbvio que a plateia não percebe do que se trata. Se bonito o piscar das pulseiras, o efeito acaba cansando e, numa amplitude maior soa até como cafonice, de tanto exagero. Teria Martin e cia se inspirado nas pulseiras do Itaú no Rock In Rio de 2011?

O show também é marcado, entre outras atitudes over, pela ânsia em mostrar interatividade da banda com os fãs. São duplas deles, de países da América do Sul, que anunciam o início do espetáculo, no telão. Na hora da música escolhida pelo público, “A Message”, é outra fã que aparece na imagem para anunciá-la. No encerramento, Chris Martin, com uma bandeira do Brasil acoplada ao corpo o tempo todo, alivia a intervenção dos seguranças sobre um incauto que invade o palco: “Sejam legais com ele! Ele só quer me dar um beijo, eu entendo isso!”. Não fosse o espirituoso Martin um ótimo performer, com domínio de cada metro quadrado de palcos e passarelas adjacentes, nem ele seria necessário. Ou, por outra, se no palco estivesse um DJ de pen drive, nem mesmo a banda seria indispensável. Sejam apresentados, então, ao Coldplay desses tempos esquisitos.

A alegria e a simpatia de Chris Martin, sempre mostrando interatividade com o público do Coldplay

A alegria e a simpatia de Chris Martin, sempre mostrando interatividade com o público do Coldplay

Na abertura, a cantora Lianne La Havas fez bonito ao emprestar seu sotaque britânico ao som calcado na música negra americana. Além da boa voz, realçada em músicas como “Grow”, na qual colocou a plateia para cantar, e “Unstoppable”, Lianne ganhou o público pela simpatia e simplicidade, arrancando um corinho tímido com seu nome; havia, sim, quem conhecesse a moça. Mais cedo, a brasileira Tiê não obteve o mesmo efeito. Primeiro, porque exagerou com uma banda de mais de uma dúzia de músicos para menos de meia hora de show. Depois, porque parece muito verde para ocupar um palco desse tamanho e cantar para um público tão grande. Acabou se valendo de “A Noite”, conhecida por tocar em rádio, no final. Mas a melhor parte ficou na participação de André Whoong, que cantou “Botas” com ela.

Set list completo Coldplay:

1- A Head Full of Dreams
2- Yellow
3- Every Teardrop Is a Waterfall
4- The Scientist
5- Birds
6- Paradise
7- Everglow
8- Princess Of China
9- Magic
10- Clocks
11- Midnight
12- Charlie Brown
13- Hymn for the Weekend
14- Fix You
15- Heroes
16- Viva la Vida
17- Adventure of a Lifetime
18- Parachutes
19- Shiver
20- A Message
21- Amazing Day
22- A Sky Full of Stars
23- Up & Up

Detalhes das pulseiras distribuídas ao público para garantir o efeito visual comandado pelos produtores

Detalhes das pulseiras distribuídas ao público para garantir o efeito visual comandado pelos produtores

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