O Homem Baile

Metal nobre

Em outra produção impecável, Iron Maiden mostra o novo álbum no Rio com nuances teatrais e junção de perícia técnica e bom gosto. Fotos: Marcos Hermes (instagram: @marcoshermes).

Toda a presença de palco do vocalista Bruce Dickinson, que não para em sua plataforma particular

Toda a presença de palco do vocalista Bruce Dickinson, que não para em sua plataforma particular

Depois de uma introdução sombria, os seis integrantes do Iron Maiden entram correndo pelo palco em direção ao público tocando o single do álbum mais recente, como numa agressão sonora, rápida, urgente, de surpresa. Não dessa vez. É Bruce Dickinson quem aparece, sozinho, no alto da plataforma que contorna o palco, atrás da bateria, revolvendo espécie de poção em um caldeirão flamejante. “É a alma de um homem, é a hora de falar com o Xamã de novo”, diz a letra de “If Eternity Should Fail”, que abre o disco mais recente e o show. Para o público que lota a Arena HSBC, no Rio, nesta quinta (17/3) é hora de ficar frente a frente com um espetáculo teatral dos bons, com a trilha sonora e a excelência que só a maior banda de heavy metal em todos os tempos pode proporcionar.

Nem na turnê de “Dance Of Death” o Maiden foi tão teatral, aliás, com estrutura de palco semelhante. De certo modo, conta-se a história de “The Book Of Souls”, o tal disco novo, lançado no ano passado, sintetizada em seis das 11 músicas. Tem Bruce usando máscara, trocando de figurino, 12 cenários diferentes, fogos, explosões, ventos, sussurros, dois Eddies caracterizados como na capa do álbum, um magnífico Belzebu de braços cruzados e – não custa reforçar – uma aula de heavy metal, perícia técnica e muito bom gosto. Que outra banda com tanto tempo de estrada e tantos hits se permite tocar tanto material novo com o aprovo dos fãs? Quase metade do tempo do show – que dura cerca de duas horas – é usado para mostrar músicas fresquinhas. Que outra banda, aliás, lançaria um álbum em CD duplo, depois dos 40 anos de carreira? Esse é o Iron Maiden.

Adrian Smith, peça fundamental no trilhar de guitarras do Iron Maiden, sobretudo como compositor

Adrian Smith, peça fundamental no trilhar de guitarras do Iron Maiden, sobretudo como compositor

A que deveria abrir o show se o sexteto se apoiasse somente em tradições – e não em renovação – é “Speed Of Light”, a segunda da noite. A música, de uma felicidade autoral excepcional, cresce horrores ao vivo, sobretudo nas linhas de guitarras de Adrian Smith e Dave Murray. Tal estripulia só poderia ter saído mesmo da caixola de Smith, seguramente um dos melhores guitarristas do ramo. É quando se percebe que a música nova, sete meses depois de lançada, já é um clássico juramentado. As guitarras seguem brilhando na excepcional “The Red And The Black”, ainda na parte inicial, quando 13 minutos parecem 30 segundos. O ritmo de uma locomotiva desperta na plateia um cantarolar de clássico, emoldurado pelo baixista Steve Harris, que, sob luz encarnada, sola no início e no fim. No recheio, são solos emendados uns nos outros e belíssimas evoluções dos três guitarristas (até o Janick Gers!) com o som no talo, para deixar a plateia boquiaberta. O que já era bom no disco, ganha ares de inacreditável ao vivo.

Em “The Book Of Souls”, é a vez de o primeiro Eddie aparecer, caracterizado de “tribal” como na capa do disco, caminhando de lado a outro e aporrinhando os músicos. Dessa vez, contudo, de cima da plataforma, Bruce lhe arranca um coração luminoso do peito, o esmaga e lança o que sobrou no meio do povão. Falta bom gosto, mas, vamos e venhamos, sobra diversão. Com mais de 10 minutos de duração, a música, a última do novo material no show, resume o conceito, e reaparece o caldeirão esfumaçante, chamas pipocam e um peso atinge o fundo d’alma. O som no talo valoriza as bem sacadas mudanças de andamento, a custa de – repita-se - ótimos trabalhos de guitarras, e impacta o público de maneira irreversível.

A super bateria de Nico McBrian, com o baixista Steve Harris à direita e Bruce, de costas, à esquerda

A super bateria de Nico McBrian, com o baixista Steve Harris à direita e Bruce, de costas, à esquerda

Entre as músicas antigas o repertório do show traça algumas novidades, como a reinclusão de “Children Of The Damned”, depois de uns sete anos. A música tem uma surpreendente afinação alta de Bruce Dickinson. Explica-se que há anos o vocalista vem deixando de lado o estilo “sirene” de cantar por conta do avançar da idade, sempre com boa performance. Mas, aqui, na terceira da noite, ele relembra os tempos da juventude, quando estreou no Maiden no ótimo álbum “The Number Of The Beast”, considerado o melhor da carreia do grupo. Talvez por isso mesmo, ele cede três músicas ao show. Outra é “Hallowed Be Thy Name”, preferida da casa, que retorna cinco anos depois, por conta da turnê de época anterior (veja como foi no Rio). Bruce aparece com uma corda para ser estrangulado no corredor da morte, logo convertida em chicote nos pratos da bateria de Nico McBrian. Não é mole cantar essa no gás, o que mostra que o vocalista vai bem, obrigado.

Não tem “2 Minutes to Midnight”, mas o disco de onde ela vem é representado por “Powerslave”, que vê uma massa saltitante fora de controle, mas conduzida pelas guitarras sublimes do Iron Maiden. O que também acontece em “The Trooper”, seguramente uma das melhores músicas do metal em todas as épocas, e que faz Bruce cortar um dobrado para não se enrolar na dicotomia cantar em alta velocidade x se fazer compreender. “Fear Of The Dark” é o céu e o inferno para o grupo: a baladaça chatinha que, contudo, todo mundo adora e quer cantar junto, o que – de fato – sempre acontece. O segundo Eddie é um busto inflável gigante, também tribal, que surge atrás de McBrian durante “Iron Maiden”, no encerramento do show, com chamas queimando pra todo lado.

O guitarrista Janick Gers toca no piso enquanto Bruce DSickinson solta a voz acima, na plataforma

O guitarrista Janick Gers toca no piso enquanto Bruce Dickinson solta a voz acima, na plataforma

Em vez de burocrático, o bis tem lá suas surpresas. Primeiro, “The Number Of The Beast” como nunca se viu, com um cenário que transporta todos para as profundezas do inferno. Além das luzes vermelhas e do fundo do palco aterrorizante, Belzebu aparece inflado com os braços cruzados em um dos lados do palco. Aí é que Bruce aparenta certo esgotamento físico e de fôlego. Depois, “Blood Brothers”, outra que retorna ao repertório, tem espécie de projeção circular no teto do palco com a imagem do Eddie tribal. O discurso de Bruce é o tradicional: “o mundo tá muito maluco, mas nos shows do Iron Maiden ao redor do globo todos se divertem e ninguém se mata, porque somos irmãos de sangue”. A música soa com uma linda e reconfortante valsa metálica. Por último “Wasted Years”, a “Tempo Perdido” deles, verdadeira ode ao passar do tempo que reflete bem o que acontece com uma banda insuperável como o Iron Maiden depois de tantos anos. Ou, por outra, que só pode ser superada por ela própria.

Set list completo:

1- If Eternity Should Fail
2- Speed of Light
3- Children of the Damned
4- Tears of a Clown
5- The Red and the Black
6- The Trooper
7- Powerslave
8- Death or Glory
9- The Book of Souls
10- Hallowed Be Thy Name
11- Fear of the Dark
12- Iron Maiden
Bis
13- The Number of the Beast
14- Blood Brothers
15- Wasted Years

Vista geral do alco do Iron Maiden, na versão da turnê do novo álbum 'The Book Of Souls'

Vista geral do palco do Iron Maiden, na versão da turnê do novo álbum 'The Book Of Souls'

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Fabio em março 18, 2016 às 16:06
    #1

    Ainda bem que não sou só eu que acha “Fear of The Dark chata! Graças ao trânsito, não consegui ver o Anthrax. Começar 19h40 é sacanagem.

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