Magnetismo
Alabama Shakes mergulha fundo na raiz da música negra americana e mostra o novo álbum em show lotado no Circo Voador. Fotos: Nem Queiroz.
É cruel destacar Brittany “apenas” como cantora, já que toca guitarra como poucos e surge como rara compositora de blues rock. Mas tudo se explica com a bandaça que lhe dá estofo, com um segundo guitarrista (Heath Fogg) e dois tecladistas, Paul Horton e Ben Tanner, dois ases nos arranjos sedutores da banda. Com desenrolar do show, desvenda-se o mistério que leva os fãs de indie rock a ficarem de quatro por uma banda de blues rock de raiz, classic rock até a espinha. É que, no Alabama Shakes, a beleza das canções se encerra em seus arranjos sem os devaneios solo virtuosísticos sempre exaltados no gênero, um verdadeiro terror para a indianada. Não que os músicos tão têm capacidade para tal, mas, com eles, a viagem é outra, e por isso são poucos os momentos notoriamente técnicos, e muitas músicas, já que são curtas para o gênero: 20 em cerca de 90 minutos de bola rolando + os acréscimos.
Com apenas dois álbuns lançados – o grupo é de 2009 -, a banda se dá ao luxo de tocar praticamente todas as músicas do mais recente, “Sound & Color”, que saiu no ano passado; só uma das 12 fica de fora. Entre elas, dobradinha “Miss You”/“The Greatest” chama a atenção. A primeira, uma balada blues pesada com alta tensão dramática enfatizada pela inserção de teclados e com o acompanhamento de palmas da plateia. A segunda, um rock’n’roll de raiz de arrebentar o assoalho, muito aplaudido. Outra pauleira é “Gimme All Your Love”, que investe na dicotomia silêncio/esporro com a ajuda de precisa iluminação que aumenta o magnetismo vocacional de Brittany e asseclas. “Joe”, um labo B do novo disco, revela a cantora quase que como uma pastora gospel americana dos anos 1960, dialogando com o sujeito como se ele estivesse – de novo – no meio do público.
A atmosfera gospel americana - reafirma-se - é uma constante na obra do Alabama, e no show se enfatiza pelos três vocalistas de apoio, e com a conversão dos teclados em órgãos das antigas das igrejas dos cafundós americanos de outras épocas. Um luxo só que se salienta em músicas como “Future People”, outra das novas, já na abertura, e em “Rise to the Sun”, com boa interação com a plateia. Num ótimo leque de referências da música negra, “Don’t Wanna Fight” surge como um belo funk sustentado nas cordas do baixo do barbudão Zac Cockrell – James Brown curte das profundezas do paraíso -, e “Guess Who” é quase um reggae customizado pela banda. Como se vê, o novo álbum é bem mais abrangente que seu antecessor, “Boys & Girls”, de 2012.Embora a participação do povão seja ampla, é nas músicas desse disco, notoriamente mais conhecidas, que ele melhor se manifesta. Em “I Ain’t the Same”, Brittany e Heath Fogg – aí sim! – solam juntos, em um arremate muito aplaudido. O desfecho de “You Ain’t Alone”, já no bis, também reserva uma performance instrumental das boas, e “Hold On”, cuja cantoria inicia pela plateia, realça as variações vocais que a Super Brittany enverga durante todo o show. Uma apresentação impecável de uma banda que deixou de ser promessa há tempos. O senão da noite é que uma parte substancial do público é do “tipo Queremos”, fortemente contaminado por gente que não gosta de música, mas quer marcar presença; quem é do Rio sabe. Daí muitas vezes o volume da conversa durante o show superar o da própria banda, nos momentos mais intimistas e/ou intervalos entre uma música e outra. Uma pena.
Set list completo:
1- Future People
2- Dunes
3- Hang Loose
4- Rise to the Sun
5- Heartbreaker
6- Guess Who
7- Miss You
8- The Greatest
9- Shoegaze
10- Hold On
11- Joe
12- On Your Way
13- I Ain’t the Same
14- Be Mine
15- Don’t Wanna Fight
16- Gimme All Your Love
17- Gemini
Bis
18- Sound & Color
19- You Ain’t Alone
20- Over My Head
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