Menos é muito mais
Com uma guitarra só, The Baggios faz show pesado e atraente no Rio Novo Rock; com três, arranjos bem feitos do Fleeting Circus não são o bastante. Fotos: Nem Queiroz.
Isso porque, para o próximo álbum, a formação vai mudar – até que enfim! – com a entrada do tecladista Rafael Ramos, “emprestado” da Coutto Orchestra, outra revelação de Sergipe, que também é o encarregado de produzir as músicas. Ramos, inclusive, já toca em dois terços do show, emprestando mais peso à base já pesada do duo, completado pelo baterista Gabriel “Ward” Carvalho. Embora contribua decisivamente para encorpar o som da banda (não pode mais chamar de duo), quem faz a diferença é mesmo Júlio, que consegue - com a ajuda de uma pedaleira sinistra, é verdade – tirar um incrível som de sua guitarra, e olha que ele só usa duas em todo o show. De um modo seguramente espontâneo, constrói uma estrada de ferro expressa entre o agreste nordestino brasileiro e os campos de algodão americanos, com baldeação na Birmingham decadente pós guerra dos final dos anos 1960.
Quando além de todas essas referências o grupo acerta na composição, aí é que são elas. É o que acontece, por exemplo, em “Hard Times”, a única com letra em inglês, cujo riff cativante, atmosfera sabbathática e crescente instrumental leva o público ao aplauso voluntário. Em “Esturra Leão” (acostume-se com o vocabulário de raiz), já com o teclado saliente, ritmos ditos regionais como o forro e o xaxado se convertem em rock pauleira, e aí é o vocalista quem puxa o corinho “Hey! Hey!” sincopado. Mais referências ao classic rock atualizado do Baggios aparecem em “Sem Condição” (Led Zeppelin); “O Azar Me Consome” (Jimi Hendrix); e em “Funky”, extraordinária peça de época com relevante participação da pegada de Gabriel Carvalho. Em “Aqui Vou Eu”, o guitarrista do Autoramas, Gabriel Thomaz, participa e rola a citação a “Blue Suede Shoes”, de Carl Perkins, consagrada por Elvis, The Pelvis.Em um raro momento em que o retraído Júlio Andrade fala com o público, que não seja para agradecer, revela que o novo álbum, a ser lançado no segundo semestre, traz coisas do cotidiano. Um exemplo disso é “Sangue e Lama”, segundo ele inspirada dos acontecimentos quase simultâneos de Paris e de Mariana, no interior de Minas, no final do ano passado. A música, um blues contemporâneo, é carregada de dramaticidade e lembra “Rapte-me Camaleoa”, de Caetano Veloso. Outras das novas são “Desapracatado (Salomé em Fuga)”, uma surf music que também caberia a participação de Gabriel, e “Saruê”, com sutis referências – procedimento habitual no Baggios – à capoeira. A julgar por essas amostras, vem coisa boa por aí com essa nova formação, mas se entrar um baixista e a ótima “Sina” voltar ao repertório, esse show pode ficar ainda melhor.
A julgar pela noite de ontem, existem pelo menos dois Fleeting Circus. O primeiro – e melhor - é aquele que encerra o show com o som no talo, emendando duas músicas, com três guitarristas botando pra quebrar e um deles solando horrores. O segundo é uma banda atmosférica com três guitarristas que, juntos, não conseguem fazer o estrago de um, dada a falta de punch que uma banda de rock precisa ter. Há o flerte com a psicodelia, mas não é possível a psicodelia sem peso, sem pegada, sem guitarras. Há o indie psicodélico, este sim, de baixo impacto, com o qual o grupo parece se identificar na maior parte do tempo, em que pese os bons arranjos que o quinteto apresenta. Na verdade eles parecem ser melhores arranjadores que compositores, daí a falta de reação da plateia na maior parte do tempo, exceção feita a um ou outro salve de um amigo/familiar.A parte boa começa curiosamente quando o vocalista Taynã Frota larga a guitarra e anuncia a música “Pino”, uma peça viajante que, já na metade do show, é cheia de mudanças de andamento e com o peso desejado. “Cold Dew” é atmosférica, mas também muito boa, e nada supera “Fake Station/Rock no Deserto”, o tal final surpreendente que enganaria direitinho o espectador atrasado. O que paira durante todo o tempo, contudo, é a forte influência de Muse no som da banda – há uma música chamada “Skylight”! -, que faz até o timbre de voz e o jeito de cantar de Frota parecer com o de Matt Bellamy. E que é preciso se dedicar às composições com o mesmo afinco destinado aos arranjos e até ao palco, bem arrumadinho. Dá pra melhorar.
Set list completo The Baggios:1- Afro
2- O Azar Me Consome
3- Blues do Aperreio
4- Sem Condição
5- Hard Times
6- Salomé me Disse
7- Esturra Leão
8- Domingo
9- Desapracatado (Salomé em Fuga)
10- Sangue e Lama
11- Aqui Vou Eu
12- Saruê
13- Alex San Drino
14- Parece Ser
15- Funky
16- Candangos Bar/Pegando Punga
Set list complete Fleeting Circus:
1- Kraut
2- Anonymous
3- Dancing Tides
4- Hurricane
5- Retromania (Surf Song)
6- Pino
7- Skylight
8- Cold Dew (Lullaby)
9- Cornucopia
10- Fake Station/Rock no Deserto
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