O Homem Baile

Menos é muito mais

Com uma guitarra só, The Baggios faz show pesado e atraente no Rio Novo Rock; com três, arranjos bem feitos do Fleeting Circus não são o bastante. Fotos: Nem Queiroz.

O guitarrista do The Baggios, Júlio Andrade, força a voz durante o show pesado do grupo de Sergipe

O guitarrista do The Baggios, Júlio Andrade, força a voz durante o show pesado do grupo de Sergipe

Nunca a matemática do rock foi tão desafiada como na noite desta quinta (3/3), na edição de março do Rio Novo Rock. Não chega a ser novidade, mas a guitarra solitária de Júlio Andrade, do The Baggios, se mostrou muitas vezes mais – olha a conta aí de novo - eficaz do que as três dependuradas nos ombros dos guitarristas do Fleeting Circus, a boa banda carioca encarregada do show de abertura. O que, vamos, e venhamos, não é tarefa fácil, na verdade só conseguida por ases do instrumento como Jack White, que durante anos carregou nas costas uma baterista de araque no White Stripes. Com um “quê” do rock pesado dos anos 70, o Baggios fez mais um ótimo show, muito embora o grupo se revele em fase de transição.

Isso porque, para o próximo álbum, a formação vai mudar – até que enfim! – com a entrada do tecladista Rafael Ramos, “emprestado” da Coutto Orchestra, outra revelação de Sergipe, que também é o encarregado de produzir as músicas. Ramos, inclusive, já toca em dois terços do show, emprestando mais peso à base já pesada do duo, completado pelo baterista Gabriel “Ward” Carvalho. Embora contribua decisivamente para encorpar o som da banda (não pode mais chamar de duo), quem faz a diferença é mesmo Júlio, que consegue - com a ajuda de uma pedaleira sinistra, é verdade – tirar um incrível som de sua guitarra, e olha que ele só usa duas em todo o show. De um modo seguramente espontâneo, constrói uma estrada de ferro expressa entre o agreste nordestino brasileiro e os campos de algodão americanos, com baldeação na Birmingham decadente pós guerra dos final dos anos 1960.

Júlio Andrade com o baterista Gabriel 'Ward' Carvalho: dois integrantes e um barulho danado

Júlio Andrade com o baterista Gabriel 'Ward' Carvalho: dois integrantes e um barulho danado

Quando além de todas essas referências o grupo acerta na composição, aí é que são elas. É o que acontece, por exemplo, em “Hard Times”, a única com letra em inglês, cujo riff cativante, atmosfera sabbathática e crescente instrumental leva o público ao aplauso voluntário. Em “Esturra Leão” (acostume-se com o vocabulário de raiz), já com o teclado saliente, ritmos ditos regionais como o forro e o xaxado se convertem em rock pauleira, e aí é o vocalista quem puxa o corinho “Hey! Hey!” sincopado. Mais referências ao classic rock atualizado do Baggios aparecem em “Sem Condição” (Led Zeppelin); “O Azar Me Consome” (Jimi Hendrix); e em “Funky”, extraordinária peça de época com relevante participação da pegada de Gabriel Carvalho. Em “Aqui Vou Eu”, o guitarrista do Autoramas, Gabriel Thomaz, participa e rola a citação a “Blue Suede Shoes”, de Carl Perkins, consagrada por Elvis, The Pelvis.

Em um raro momento em que o retraído Júlio Andrade fala com o público, que não seja para agradecer, revela que o novo álbum, a ser lançado no segundo semestre, traz coisas do cotidiano. Um exemplo disso é “Sangue e Lama”, segundo ele inspirada dos acontecimentos quase simultâneos de Paris e de Mariana, no interior de Minas, no final do ano passado. A música, um blues contemporâneo, é carregada de dramaticidade e lembra “Rapte-me Camaleoa”, de Caetano Veloso. Outras das novas são “Desapracatado (Salomé em Fuga)”, uma surf music que também caberia a participação de Gabriel, e “Saruê”, com sutis referências – procedimento habitual no Baggios – à capoeira. A julgar por essas amostras, vem coisa boa por aí com essa nova formação, mas se entrar um baixista e a ótima “Sina” voltar ao repertório, esse show pode ficar ainda melhor.

Fleeting Circus: o guitarrista e vocalista Taynã Frota e o guitarrista Rodrigo Seven, nos teclados

Fleeting Circus: o guitarrista e vocalista Taynã Frota e o guitarrista Rodrigo Seven, nos teclados

A julgar pela noite de ontem, existem pelo menos dois Fleeting Circus. O primeiro – e melhor - é aquele que encerra o show com o som no talo, emendando duas músicas, com três guitarristas botando pra quebrar e um deles solando horrores. O segundo é uma banda atmosférica com três guitarristas que, juntos, não conseguem fazer o estrago de um, dada a falta de punch que uma banda de rock precisa ter. Há o flerte com a psicodelia, mas não é possível a psicodelia sem peso, sem pegada, sem guitarras. Há o indie psicodélico, este sim, de baixo impacto, com o qual o grupo parece se identificar na maior parte do tempo, em que pese os bons arranjos que o quinteto apresenta. Na verdade eles parecem ser melhores arranjadores que compositores, daí a falta de reação da plateia na maior parte do tempo, exceção feita a um ou outro salve de um amigo/familiar.

A parte boa começa curiosamente quando o vocalista Taynã Frota larga a guitarra e anuncia a música “Pino”, uma peça viajante que, já na metade do show, é cheia de mudanças de andamento e com o peso desejado. “Cold Dew” é atmosférica, mas também muito boa, e nada supera “Fake Station/Rock no Deserto”, o tal final surpreendente que enganaria direitinho o espectador atrasado. O que paira durante todo o tempo, contudo, é a forte influência de Muse no som da banda – há uma música chamada “Skylight”! -, que faz até o timbre de voz e o jeito de cantar de Frota parecer com o de Matt Bellamy. E que é preciso se dedicar às composições com o mesmo afinco destinado aos arranjos e até ao palco, bem arrumadinho. Dá pra melhorar.

A boa indumentária de Taynã Frota: conteúdo do Fleeting Circus precisa a mesma atenção dada ao entorno

A boa indumentária de Taynã Frota: conteúdo do Fleeting Circus precisa a mesma atenção dada ao entorno

Set list completo The Baggios:
1- Afro
2- O Azar Me Consome
3- Blues do Aperreio
4- Sem Condição
5- Hard Times
6- Salomé me Disse
7- Esturra Leão
8- Domingo
9- Desapracatado (Salomé em Fuga)
10- Sangue e Lama
11- Aqui Vou Eu
12- Saruê
13- Alex San Drino
14- Parece Ser
15- Funky
16- Candangos Bar/Pegando Punga

Set list complete Fleeting Circus:
1- Kraut
2- Anonymous
3- Dancing Tides
4- Hurricane
5- Retromania (Surf Song)
6- Pino
7- Skylight
8- Cold Dew (Lullaby)
9- Cornucopia
10- Fake Station/Rock no Deserto

Júlio Andrade recebe o guitarrista do Autoramas, Gabriel Thomaz, durante o show do The Baggios

Júlio Andrade recebe o guitarrista do Autoramas, Gabriel Thomaz, durante o show do The Baggios

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