O Homem Baile

Novo em folha

Recuperado, Morrissey mostra novas músicas, revê hits dos Smiths e segue difundindo bandeiras pessoais com dureza e bom humor. Fotos: Marcos Hermes.

Morrissey mostra que superou os recentes problemas de saúde em ótimo show no Rio de Janeiro

Morrissey mostra que superou os recentes problemas de saúde em ótimo show no Rio de Janeiro

O show já acabou há uns 10 minutos, mas cerca de 15 das pessoas muito importantes que estavam na frente do palco seguem presas entre si, agarradas a um blusão de dupla face que se recusa a rasgar e os mantêm unidos como um imã, uma ameba humana giratória à espera de seguranças que arbitrem quem deve ficar com – ao menos – uma parte do troféu. Não é para menos, quem lançou a peça do vestuário, revelando boa forma física aos 56 é aquele que é reconhecido por muita gente como “o maior inglês vivo” e que se mantém fiel a si próprio 28 anos depois de encerrada a banda que prometia salvar a música pop. E assim chega ao fim o ótimo show do Morrissey, ontem, no Metropolitan, no Rio.

Não é um show dos Smiths, mas, talvez para atender aos clamores mais recentes dos últimos shows, incluindo dois na capital brasileira do ódio, cinco músicas da banda são incluídas no repertório, para a alegria de uma plateia que, a bem da verdade, está feliz com a carreira solo do cantor. Carreira que já é – faz tempo – deveras maior que a dos Smiths, se tem relevância ou não, como tudo nesses tempos pós internet, depende do interesse de cada um em conhecer o novo. E Morrissey não está para brincadeira, ao tocar nada menos que sete – às vezes são nove - das 12 faixas de seu álbum mais recente, o apenas razoável “World Peace Is None of Your Business”, lançado no ano passado. Muitas não conhecidas do público que, via de regra, é receptivo de um jeito ou de outro. É Morrissey, ora bolas.

O cantor ricocheteia o fio do microfone no palco, um hábito mantido desde os tempos dos Smiths

O cantor ricocheteia o fio do microfone no palco, um hábito mantido desde os tempos dos Smiths

E não custa nada abrir logo o super sucesso “Suedehead”, que, coincidência ou não, soa como um pedido de desculpas pelas estripulias que viriam a seguir, e com “This Charming Man”, que aprece com um sutil sotaque retrô. Entre as novas, a de maior apelo é “World Peace Is None of Your Business”, na qual a plateia segue o pedido de palmas de Morrissey com certa animação, e a sonsa “The Bulfighter Dies”, na qual os músicos se apresentam, um por um, no microfone. São os mesmos que estiveram no Brasil na turnê de 2012 (relembre), à exceção do baixista Mando Lopez, que entrou no ano passado. O tecladista Gustavo Manzur se vira em outros vários instrumentos, e também canta em trecho da boa “Speedway”, quando, em breve rodízio, Mozz vai para nos teclados com uma pandeirola nas mãos. Outra boa no início, à custa de um ótimo refrão é “You Have Killed Me”, pinçada do difícil álbum “Ringleader of the Tormentors”, de 2006.

Difícil mesmo é conviver com o panfletarismo de Morrissey em “Meat Is Murder”, o número central do show, quando o telão exibe imagens de extremo mau gosto em que animais são maltratados para virar comida para nós, os vilões humanos. Vegetariano convicto, Mozz acredita que o impacto das imagens pode mudar a cultura gastronômica mundial, e dessa vez o telão exibe em bom português a inquisitória questão: “Qual sua desculpa agora?”. A ótima “Ganglord”, na parte inicial, é outra pesada, ao mostrar uma coletânea de imagens de policiais espancando animais e humanos. No quesito inquietude, é melhor quando Morrissey se manifesta com bom humor, em “The World Is Full of Crashing Bores”, com o príncipe William e a princesa Kate no telão, ou em “The Queen Is Dead”, quando aparece a rainha com os dois dedos médios erguidos, no encerramento das quase duas horas de show.

Sarcástico: Morrissey estende a mão ao mesmo tempo em que mostra a língua para a plateia

Sarcástico: Morrissey estende a mão ao mesmo tempo em que mostra a língua para a plateia

Outros destaques da noite são “How Soon Is Now”, dos Smiths, com o uso de um bumbo e de um tamborzão de orquestra no final, valorizados por um efeito que simula luzes no seu interior; a versão mais pesada para “Everyday Is Like Sunday”; a hoje obrigatória “I’m Throwing My Arms Around Paris”; e até “First of the Gang to Die”, surpreendente hit adorado pelo público. Morrissey está recuperado dos problemas de saúde (saiba mais), e segue com o gogó em dia, cantando muito bem. Não sorri muito, mas se mostra simpático ao cumprimentar vários fãs e até dá autógrafos para uns chatos na beirada do palco. Segue também com as indefectíveis interpretações dramáticas, muito embora, com a idade, colecione adereços bregas como chaveiros e cordões do século passado. De certa forma, é o bom e velho Morrissey que todos precisamos ver e ouvir ano após ano, música, após música.

Set list completo:

1- Suedehead
2- Alma Matters
3- This Charming Man
4- You Have Killed Me
5- Speedway
6- Ganglord
7- World Peace Is None of Your Business
8- How Soon Is Now?
9- Kiss Me a Lot
10- Istanbul
11- Mama Lay Softly on the Riverbed
12- One of Our Own
13- Earth Is the Loneliest Planet
14- The Bullfighter Dies
15- You’ll Be Gone
16- The World Is Full of Crashing Bores
17- Oboe Concerto
18- Meat Is Murder
19- Everyday Is Like Sunday
20- Jack the Ripper
21- What She Said
Bis
22- I’m Throwing My Arms Around Paris
23- First of the Gang to Die
24- The Queen Is Dead

Quase caricato: o componente dramático, sempre presente na carreira de Morrissey, sobretudo solo

Quase caricato: o componente dramático, sempre presente na carreira de Morrissey, sobretudo solo

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. fabio em novembro 27, 2015 às 22:12
    #1

    Ótima resenha!
    Achei exagerado o numero de músicas do disco novo… Seria melhor pra galera que esteve lá em bom número se tivesse rolado mais uns dois ou três clássicos do Smiths ou até da carreira solo.
    Também achei péssimo as projeções em “Carne é Assassinato”.

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